Melhores filmes de 2013

Por André Dick

O mestre.Filmes do ano

Ao se fazer uma retrospectiva dos melhores filmes de 2013, é possível perceber que é raro uma mesma temporada trazer filmes de Paul Thomas Anderson, Quentin Tarantino, Noah Baumbach, Michael Haneke, Alfonso Cuarón, Woody Allen e Hong Sang-soo (em seu caso, dois). O cinema não morreu, nem está próximo disso, como em qualquer época desde sua criação. Também não parece ter ido para a televisão, pois, como criação conjunta, continua a ser espaço para grande parte do experimentalismo com a linguagem. Como experimentar de forma completa na televisão um filme como Gravidade – que, em termos de tela de cinema, conseguiu ainda mostrar como um diretor de fotografia pode também fazer diferença – ou como fazer para a TV um filme como A visitante francesa, tendo de responder ao número de espectadores?
Nesse sentido, as distribuidoras devem ter um papel importante para manter o interesse do público e dar a ele um acesso melhor a cada filme, sobretudo àqueles que não são lançados com a competência de um blockbuster. Filmes como Apenas Deus perdoa, exibido no Festival do Rio, assim como Passion, de Brian De Palma, e Post Tenebras Lux, do mexicano Carlos Reygadas, por exemplo, não têm data de estreia no Brasil, mas já podem ser adquiridos em Blu-ray, enquanto Virgínia, de Francis Ford Coppola, estrearia neste final de ano e foi adiado para 2014.
Se os blockbusters de início do ano, como Oz – Mágico e poderoso e Jack – O caçador de gigantes, acabaram no final semiesquecidos e se as bilheterias do verão nos Estados Unidos decepcionaram (principalmente em razão de Guerra Mundial ZO cavaleiro solitário e Depois da terra), o ano foi marcado em termos comerciais pelo duelo entre Superman e os personagens da Marvel (Homem de Ferro e Thor). Foi, no entanto, Círculo de fogo que atraiu o público – longe dos Estados Unidos, principalmente –, com uma proposta de homenagem e impressionante parte técnica, reafirmando o talento de Guillermo del Toro. Assim como J.J. Abrams voltou a mostrar seu talento como cineasta em Além da escuridão – Star Trek, depois do acerto de Super 8.
Em termos técnicos, outro filme que não deixou a desejar foi O grande Gatsby, de Baz Luhrmann. Uma mistura de figurino, direção de arte e fotografia irretocáveis, trazendo ainda duas grandes atuações, de Leonardo DiCaprio, que também esteve em Django livre, e Tobey Maguire. Este filme de Luhrmann dialoga com duas grandes conquistas técnicas ainda de 2012, Anna Karenina e o musical Os miseráveis, mas que estrearam no Brasil este ano.
Alguns filmes podem ser reunidos por temas.
Situações-limite estiveram presentes em Capitão Phillips (com Tom Hanks), Rush – No limite da emoção e O voo (com Denzel Washington).
Tivemos algumas cinebiografias: LincolnJobsO mordomo da casa brancaDiana Hitchcock, com destaque para Daniel Day-Lewis como o presidente dos Estados Unidos.
Spring Breakers – lançado diretamente em DVD, embora tenha sido exibido no Festival do Rio –, Bling RingKick-Ass 2 e Sem dor, sem ganho trataram de elementos do universo contemporâneo, a fim de desenhar um painel da sociedade com um grau de sátira entre a diversão e o humor corrosivo. Interessante é que todos eles se destacam pelo uso de cores e figurinos, além da trilha sonora. Bling Ring, por exemplo, começa com “Crown on the Ground”, do Sleigh Bells, e não interrompe mais sua trilha contemporânea e a história do grupo que assaltava celebridades em Hollywood, embora Sofia Coppola tenha mais talento do que mostra nele.
O Brasil trouxe O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, depois de ter uma carreira internacional de premiações, logo no início do ano, e ele ainda chegou ao final com reconhecimento – e o fato de não ser indicado ao Oscar não diminui sua qualidade.  Também uma superprodução (Serra Pelada) e dois filmes baseados na obra de Renato Russo (Faroeste caboclo e Somos tão jovens), além do documentário Elena e Tatuagem.
Entre os filmes que tiveram pouca distribuição, quase fazendo parte de um circuito de filmes de arte, encontram-se Frances HaA visitante francesaO amante da rainhaTabuDentro da casaUm estranho no lagoAmor profundoA grande belezaA caçaLas AcaciasBranca de Neve, A caverna dos sonhos esquecidosDepois de maioA bela que dormeVocês ainda não viram nada!Na neblinaUm toque de pecadoCrazy Horse e Antes da meia-noite.
E poucas vezes também se teve tantos filmes com o tema do amor e das relações, em todas as fases da vida.
Os filmes avaliados para a lista estrearam no Brasil entre janeiro e dezembro de 2013, inclusive aqueles indicados ao Oscar de 2012. Não foram avaliados filmes exibidos em festivais ou que estrearam apenas nos Estados Unidos e virão estrear no ano que vem em circuito comercial no Brasil, a exemplo de NebraskaThe immigrantInside Llewyn Davis – Balada de um homem comumO ato de matarO lobo de Wall StreetHer (esses dois ainda recém-lançados nos Estados Unidos), O grande mestre e Apenas Deus perdoa. Ou seja, todos aqueles filmes que terão lançamento comercial – e não restrito ou em festivais – em 2013.
Cinematographe apresenta a seguir uma lista com os 30 melhores filmes de 2013 e agradece, desde já, por sua leitura e pela companhia durante o ano.

30. Filha de ninguém

Filha de ninguém.Melhores filmes do ano

Neste filme de Hong Sang-soo, Jeong Eun-Chae interpreta Haewon, uma estudante de cinema que, mergulhada em sua imaginação, tenta solucionar sua vida amorosa, enquanto o julgamento dos colegas a impede de ficar tranquila. Com a mãe em mudança para o Canadá, ela sente-se solitária e pretende preencher essa solidão com caminhadas pela Fortaleza Namhan, enquanto o choro do amante impede que ela possa ir embora. Uma fotografia melancólica e caminhadas demarcando a rotina em um filme belo e introspectivo.

29. Um estranho no lago

Um estranho no lago.Melhores do ano

Um lago no interior da França serve como ponto de encontro para homens em busca de relações sexuais. Franck começa a gostar de Michel, uma figura misteriosa, enquanto faz amizade com Henri, e Guiraudie mostra em ritmo de thriller o que pode provocar uma relação baseada no mistério e no perigo. Aqui o afeto se confunde com o afastamento de uma realidade em que há um sentido de ameaça, com uma fotografia climática e a natureza servindo como testemunha de tudo. Leia mais.

28. O grande Gatsby

O grande Gatsby

Embora Baz Luhrmann não tenha encontrado a recepção dada a Moulin Rouge, esta é uma das grandes produções do ano, não apenas pelo aspecto técnico, mas pelas atuações de Leonardo DiCaprio e Tobey Maguire, uma adaptação moderna do romance de Fitzgerald, em ritmo de hip-hop e outras misturas musicais. Mesclando romantismo e frieza com o calor de uma reprodução dos anos 30, o filme também vai da alegria do verão e das festas à melancolia de um farol verde. Leia mais.

27. Círculo de fogo

Círculo de fogoEm mais um momento grande do diretor de A espinha do diabo, Cronos e Hellboy, este filme mostra uma idealização das fantasias juvenis com grande perícia e técnica, efeitos especiais notáveis, os melhores do ano ao lado daqueles de Gravidade e Cloud Atlas. Sem tentar reproduzir exatamente as histórias em que se baseia, Del Toro mostra um combate dos robôs contra monstros que estão escondidos no centro da Terra, com uma sensibilidade extraordinária e um olhar irretocável em relação à fantasia. E o melhor: lida com tudo em doses de ação e humor dosadas, além de um aspecto psicológico. Leia mais.

26. Antes da meia-noite

Antes da meia-noite

Ethan Hawke e Julie Delpy voltam aos papéis que os consagraram, em Antes do amanhecer e Antes do pôr do sol. Embora sem a novidade desses primeiros filmes e com uma visão menos idealizada do amor, oferece duas das maiores atuações do ano, principalmente de Hawke, revelando seu maior talento depois dos 40 anos. O roteiro, escrito pelo par junto com o diretor Richard Linklater, é primoroso. Faltou apenas uma solução de montagem menos baseada nos anteriores. Leia mais.

25. Os miseráveis

Os miseráveis.Melhores do ano

O musical de Tom Hopper chega ao final do ano com seu rótulo de candidato a Oscar. Um dos melhores do gênero a surgir nos últimos 10 anos, em razão também de seus close-ups contínuos, vistos como uma de suas falhas, seus cenários e figurinos só perdem, este ano, para os de Anna Karenina. Depois de seu cansativo O discurso do rei, Hopper extrai a melhor atuação de Hugh Jackman e apresenta uma Anne Hathaway como a Fantine em intensas cordas vocais. Leia mais.

24. As sessões

As sessões

Alguns filmes sobrevivem de seu par central, e este é um deles. John Hawkes e Helen Hunt estão irrepreensíveis como Mark O’Brien e Cheryl Greene. Ele tem poliomielite e ela é uma substituta sexual. Ambos vão se encontrar no momento mais delicado de suas vidas e ele se apaixona por ela. Dirigido sem pretensão por Ben Lewin, com a valiosa participação de William H. Macy como um padre saído de um filme de Wes Anderson, As sessões é comovente em seu olhar sobre a necessidade de um homem em conhecer seu corpo e a experiência do encontro e da impossibilidade de uma história com seu amor. Leia mais.

23. Frances Ha

Frances Ha.Melhores do ano

Com influências da Nouvelle Vague, esta obra de Noah Baumbach apresenta uma das melhores atuações do ano, de Greta Gerwig, como Frances Halliday, que sonha em dar aulas de dança, mas ainda mais em tentar continuar com sua adolescência prolongada, tentando manter as amizades e não querendo se envolver. Com uma trajetória que parece engraçada, encobrindo certa melancolia, Baumbach costura um filme que parece uma comédia quando parece mais um reflexo da vida moderna, solitária e contínua. Leia mais.

22. Django livre

Django livre.Melhores do ano

Quentin Tarantino apresenta mais uma produção em que o personagem central, Django, busca vingança, desta vez contra Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), com a ajuda de um alemão, o dr. King Schultz (Cristoph Waltz). Com sequências de violência gráfica às vezes excessiva, Tarantino mescla tudo com seu humor de hábito, sem deixar a narrativa incorrer no previsível. Embora não tão exato em sua montagem como Pulp Fiction e Bastardos inglórios, é um olhar original sobre a história dos Estados Unidos e um faroeste que consegue lidar com vários elementos além daqueles do gênero. Leia mais.

21. Barbara

Barbara.Filme 9

A história da médica que precisa ficar num hospital do interior, na Alemanha Oriental, vigiada pela Stasi, e cria um vínculo com seu chefe, é um pretexto de Christian Petzold para mostrar que as feridas devem ser curadas com o tempo e a ajuda é o caminho mais próximo para o reencontro. Um novo vínculo a ser descoberto num cenário em que não são permitidas relações humanas pode surgir, apagando a frieza dos corredores de um hospital. Com sua discrição, Barbara é um dos melhores filmes baseados na história. Leia mais.

20. Amor bandido

Amor bandido.Filme 3

A influência de livros de Mark Twain, Charles Dickens e de filmes como Conta comigo é visível nesta nova obra de Jeff Nichols, diretor de O abrigo. Com uma atuação excelente de Matthew McConaughey, ainda melhor do que em Killer Joe, temos a história de dois meninos, os ótimos Tye Scheridan e Jacob Lofland, que desejam ajudar um foragido a encontrar com sua amada (Reese Witherspoon). Em meio a cenários solitários e abandonados, Amor bandido atrai o espectador com uma história simples e direta, no entanto com vida incomum. Leia mais.

19. Anna Karenina

Anna Karenina.Melhores do ano 2

Joe Wright adapta o romance de Leon Tolstoi criando polêmica, com liberdades narrativas, cenários criativos, misturando teatro, e um elenco que, apesar de irregular, possui grandes momentos. Uma espécie de encenação em forma de filme, sem nenhum irrealismo, dialoga com A viagem do capitão Tornado e Nicholas & Alexandra, e ainda mais com a fantasia da história, vista como um conflito de salões e da tradição que insiste em criar permanência nas relações e afetos dos personagens apresentados. Leia mais.

18. A caça

A caça.Filme 3

Este novo filme de Thomas Vinterberg é um veículo para Mads Mikkelsen e mostra o ator em seu melhor momento, como um homem que acaba sendo acusado por uma menina de tê-la abusado. Isso cria um cenário caótico e a frieza dos ambientes se contrapõe à humanidade que surge dos personagens, com todas suas virtudes e falhas. Quando o personagem de Mikkelsen, Lucas, precisa enfrentar seus acusadores, e possível sentir a sua angústia, e Vinterberg a expressa de modo contundente. Leia mais.

17. O lugar onde tudo termina

O lugar onde tudo termina.Melhores do ano

Mais um filme com Ryan Gosling deste ano (os outros foram Caça aos gângsteres e o ainda inédito nos cinemas Apenas Deus perdoa), desta vez fazendo o papel de um motociclista que vai do circo à tentativa de virar pai e se transformar numa referência para o filho, numa pequena cidade do interior dos Estados Unidos. Tudo isto serve como motivo para se discutir a genealogia das famílias e a necessidade de criar laços ou interrompê-los à força. Em razão do roteiro e da direção de Derek Cianfrance, o filme se torna, ao mesmo tempo, um dos mais conturbados e sensíveis do ano. Leia mais.

 16. Além das montanhas

Além das montanhas 5

Em mais um de seus filmes sensíveis, Cristian Mungiu traz ao espectador a história da busca de Alina (Cristina Flutur), que viaja da Alemanha para reencontrar Voichita (Cosmina Stratan). No entanto, Voichita agora vive num mosteiro e pretende seguir outra vida, deixando Alina em desespero. Uma mistura de crítica social e retrato de um país que parece tão longínquo e esquecido, Além das montanhas envolve com seu cuidado narrativo e sua fotografia mesclando a opressão do cenário e a beleza de um inverno que custa a passar.

15. Rush – No limite da emoção

Rush.Filme 4

O diretor Ron Howard se apoia nas atuações de Chris Hemsworth e Daniel Brühl para contar a história de duelo na F1 entre os pilotos Niki Lauda e James Hunt. Mais do que um filme de esporte, o roteiro centra na emoção das corridas e em temas que cercam todo seu envolvimento com uma realidade em que é possível desafiar o limite, mas ainda mais os limites da amizade e do respeito. Com montagem e trilha sonora compactadas, Rush, embora pareça apenas comercial, é um grande filme. Leia mais.

14. Ferrugem e osso

Ferrugem e osso.Melhores do ano 2

Muito por causa do talento de seu elenco, Jacques Audiard compõe este drama não apenas sobre a superação de uma moça que treina baleias e se acidenta, perdendo parte de suas pernas, mas sobre o amor mais forte, que não consegue adotar distância também dos momentos em que a ferida é iminente. O romance dela com um homem que procura se libertar de si mesmo por meio da luta livre, a fim de criar seu filho, apresenta um dos dramas mais notáveis do ano, com a atuação memorável de Marion Cottilard e de Matthias Schoenaerts. Leia mais.

13. Tabu

Tabu

Um dos filmes mais comentados nos últimos anos, Tabu é uma peça sobre o amor atemporal e, ao mesmo tempo, das perdas e encontros que ele ocasiona. A canção  “Be my baby”, dos Ronettes, traz a sensação de anos 60 a uma África colonizada, em que tudo parece dialogar com a fantasia de uma senhora que vai solitária ao cinema. O encontro com o Monte Tabu é também um encontro com várias memórias dispersas no tempo, e o espectador é convidado a reuni-las, como na escrita de uma carta. Leia mais.

12. A visitante francesa

A visitante francesa.Melhores do ano

Uma delicada comédia de Hong Sang-soo, com elementos de drama, em que a ótima Isabelle Huppert vivencia em que ela vivencia a experiência de ser estrangeira num ritmo circular e de magnetismo, com a personagem Anne em três situações diferentes. Entre peças que parecem mais teatro do que cinema, um certo ar de ingenuidade, A visitante francesa é uma peça requintada de humor, na qual o cenário idealizado é sempre o da imaginação, nunca o real, e a descoberta que se faz do estranho logo é incorporado às vidas que vivemos. Leia mais.

11. Bastardos

Bastardos 6

Desta vez em clima noir, Claire Denis mostra o retorno do capitão de navio Marco Silvestri à terra, para tentar solucionar os problemas da irmã e da sobrinha, além de seu envolvimento com a amante de um homem que pode ajudá-lo a esclarecer o que houve. Em ritmo de flashbacks e avanços, Denis compõe um painel rigoroso de descobertas, principalmente deste homem. O passado sempre pode reservar um cenário de pesadelo e de atos inexplicáveis, mas dificilmente com o mesmo olhar dado por Denis nesta peça-chave de sua carreira. Leia mais.

10. O som ao redor

O som ao redor.Melhores filmes do ano

O cinema brasileiro esteve bem representado este ano pelo talento de Kleber Mendonça Filho, à frente de um dos filmes que mais evocam o cotidiano desde Short Cuts, passando por David Lynch e John Carpenter, até Caché, sob um olhar muito pessoal. Algumas sequências antológicas (como a da cachoeira e da caminhada por um cinema abandonado), e a tensão entre personagens apenas pelo olhar, assim como um vilão sofisticado que entra no mar mesmo que haja uma placa com o aviso de tubarão. Com uma montagem eficiente e sem sobras, trata-se de uma das grandes obras a surgir no Brasil, em sua história. Leia mais.

9. Era uma vez na Anatólia

Era uma vez na Anatólia.Melhores filmes do ano

Nas pradarias da Anatólia, um corpo é procurado por uma misteriosa equipe policial. Ceylan revela essa procura com minúcia e lentidão, trazendo o espectador para dentro do cenário, em que mais importa uma maçã rolando até chegar a um riacho; os lençóis batendo ao vento num varal em um descampado; os olhares em silêncio de homens que podem encontrar o corpo, dentro dos carros da polícia. É o rosto de uma jovem que leva esses homens a voltarem seu olhar para o passado, e exatamente aqui Ceylan deposita a universalidade de sua narrativa. Leia mais.

8. Gravidade

Gravidade.Melhores do ano 5

O maior destaque deste filme parece ser a experiência e um 3D raras vezes visto no cinema. No entanto, Gravidade  é também um drama emotivo com Sandra Bullock em sua melhor atuação, com um roteiro simples, mas fascinante, pela ação encadeada. Lubezski  mostra ser realmente um dos maiores fotógrafos da atualidade e o cinema também pode criar um instante de inserção no espaço, com todas as variações de sentimento, em grande escala, graças ao diretor mexicano Alfonso Cuarón. Leia mais.

7. A hora mais escura

A hora mais escura.Melhores do ano 2

A perseguição da CIA a Bin Laden traz algumas das sequências mais comentadas do ano – as torturas aos prisioneiros árabes. Bigelow, contestada por isso, arrisca o que não mostrava em Guerra ao terror: para ela, os Estados Unidos, por meio da personagem de Maya (Jessica Chastain), precisam entrar no plano da escuridão e dos esconderijos para ter certeza de que ainda consegue ter domínio sobre o que pode escapar aos olhos da CIA. Cumprido à risca o objetivo, perdeu o Oscar de melhor filme e alguns envolvidos, como o roteirista Mark Boal, quase foram levados a julgamento pelo Senado dos Estados Unidos. Leia mais.

6. Amor

Amor.Melhores do ano

Depois de filmes sobre a agressividade humana recolhida, Caché e A fita branca, principalmente, Michael Haneke volta seus olhos para o sentimento existente numa relação. Por meio dos problemas de saúde enfrentados por um casal, e atuações extraordinárias de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, Amor se constrói sobre o medo de perder o afeto que poderia ter durado para sempre e da angústia da solidão na velhice. Haneke coloca um pássaro vagando por um apartamento como o símbolo da intrusão num lugar em que não se quer mais a entrada de ninguém. Leia mais.

5. Além da escuridão – Star Trek

Além da escuridão.Star Trek.Melhores do ano

Num ano em que a ficção científica teve como referência Gravidade, esta segunda parte da nova série dirigida por J.J.Abrams consegue expandir os elementos do primeiro filme em grande estilo, não apenas com momentos referenciais de ação e efeitos especiais, mas com uma atuação ameaçadora de Benedict Cumberbatch. A parceria entre Kirk e Spock também ganha novo fôlego, em razão das atuações de Pine e Quinto, cercada por um elenco coadjuvante de grande talento e um roteiro bem-humorado, repleto de reviravoltas. Este é o blockbuster do ano. Leia mais.

4. Amor pleno

Amor pleno.Melhores filmes do ano

Logo depois de A árvore da vida, Malick traz de volta sua composição de imagens com a colaboração de Emmanuel Lubezski. Quase um filme de cinema mudo, não fosse a trilha sonora e a voice-over da personagem central em busca de um amor impossível, os personagens estão entre as paisagens nubladas da Europa e a claridade dos Estados Unidos, porém esta também pode reservar os traços mais encobertos, sobretudo do personagem indefinido feito por Ben Affleck. Com o conflito entre amor e religião, e a participação de um Javier Bardem isolado das relações sociais, mas querendo entendê-las, Malick constrói mais uma obra extraordinária. Leia mais.

3. O mestre

O mestre

Paul Thomas Anderson produz mais uma obra-prima, com um dueto perfeito entre Philip Seymour Hoffman e Joaquin Phoenix, com a colaboração decisiva de Amy Adams, e uma fotografia que reproduz as sensações dos personagens, de recolhimento e novos cenários. O que poderia ter sido um retrato da cientologia, como no início se esperava, se torna numa referência sobre a tentativa de um homem dominar o outro por meio de truques psicológicos. Esta tentativa reproduz a sensibilidade de uma amizade que pode lembrar também uma obsessão e o reencontro com amores perdidos de um passado entre a guerra e a loucura. Leia mais.

2. Cloud Atlas

Cloud Atlas.Melhores do ano 3

Com seu fluxo sonoro e visual notável, Cloud Atlas consegue traduzir as seis histórias do romance de David Mitchell com apuro narrativo, técnico e de interpretação. Depois de Matrix, os irmãos Andy e Lana Wachowski, com o criador de Corra Lola Corra, Tom Tkwyer, compõem um drama histórico, que também pode ser comédia e ficção científica, assim como filme policial e de suspense. Com vários gêneros e personagens criando vínculos em tempos diferentes, o filme se mostra aberto a todas as possibilidades e traz algumas das melhores atuações do ano (Tom Hanks, Ben Wishaw, Jim Broadbent). Leia mais.

1. Azul é a cor mais quente

Azul é a cor mais quente.Melhores filmes do ano

O diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche transforma a história em quadrinhos de Julie Maroh num dos retratos mais interessantes sobre a saída da adolescência e a descoberta do primeiro amor. É uma narrativa como rara sensibilidade, contando com a fotografia de Sofian El Fani, e com as melhores atuações do ano: Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux estão exatas como Adèle e Emma. Não seria possível considerar comum, sob qualquer olhar, esta história sobre a descoberta também sobre o mundo que nos cerca, pois seria considerar todas as histórias comuns. Kechiche mostra por meio de suas personagens que a descoberta se faz na solidão e no deslocamento, com dificuldade, mas com uma inegável chance de dar certo. Leia mais.

Melhores filmes de 2013

Melhores de 2013 (diretores, atores, atrizes… e categorias técnicas)

Por André Dick

O Cinematographe apresenta, a seguir, listas dos cinco melhores nas categorias principais (diretor, ator, atriz, ator coadjuvante, atriz coadjuvante, roteiro original e roteiro adaptado) e técnicas (fotografia, trilha sonora, coletânea musical, montagem, direção de arte, figurino, efeitos visuais, maquiagem e efeitos sonoros) de filmes exibidos no Brasil ao longo de 2013. Não há, nelas, ordem de preferência.

Melhor diretor

* Abdellatif Kechiche (Azul é a cor mais quente) * Alfonso Cuarón (Gravidade) * Paul Thomas Anderson (O mestre) * Michael Haneke (Amor) * Kleber Mendonça Filho (O som ao redor)

Melhores diretores.2013

Melhor ator

* Joaquin Phoenix (O mestre) * Ethan Hawke (Antes da meia-noite) * Mads Mikkelsen (A caça) * John Hawkes (As sessões) * Matthew McConaughey (Amor bandido)

Melhores atores.2013

Melhor atriz

* Greta Gerwig (Frances Ha) * Sandra Bullock (Gravidade) * Marion Cotillard (Ferrugem e osso) *Jessica Chastain (A hora mais escura) *Adèle Exarchopoulos (Azul é a cor mais quente)

Melhores atrizes.2013

Melhor ator coadjuvante

* Jim Broadbent (Cloud Atlas) * Philip Seymour Hoffman (O mestre) * Leonardo DiCaprio (Django livre) * Daniel Brühl (Rush – No limite da emoção) * Benedict Cumberbatch (Além da escuridão – Star Trek)

Melhores atores coadjuvantes.2013

Melhor atriz coadjuvante

* Helen Hunt (As sessões) * Maeve Jinkings (O som ao redor) * Annika Wedderkopp (A caça) * Amy Adams (O mestre) * Léa Seydoux (Azul é a cor mais quente)

Melhores atrizes coadjuvantes.2013

Melhor roteiro original

* Sang-soo Hong (A visitante francesa) * Ethan Hawke, Julie Delpy, Richard Linklater (Antes da meia-noite) * Paul Thomas Anderson (O mestre) * Derek Cianfrance (O lugar onde tudo termina) * Claire Denis, Jean-Pol Fargeau (Bastardos)

Melhor roteiro original.2013

Melhor roteiro adaptado

* Tom Stoppard (Anna Karenina), do romance de Leon Tolstoi * Jacques Audiard, Thomas Bidegain (Ferrugem e osso), de contos de Craig Davidson * Tom Tykwer, Andy Wachowski, Lana Wachowski (Cloud Atlas), do romance de David Mitchell * Abdellatif Kechiche (Azul é a cor mais quente), da graphic novel de Julie Maroh * Cristian Mungiu (Além das montanhas), de dois romances de Tatiana Niculescu Bran

Melhor roteiro adaptado.2013

Melhor fotografia

* Seamus McGarvey (Anna Karenina) * Emmanuel Lubezki (Amor pleno) * Emmanuel Lubezki (Gravidade) * Frank Griebe, John Toll (Cloud Atlas) * Mihai Malaimare Jr. (O mestre)

Melhor fotografia.2013

Melhor trilha sonora

* Jonny Greenwood (O mestre) * Reinhold Heil, Johnny Klimek, Tom Tykwer (Cloud Atlas) * Alexandre Desplat (A hora mais escura) * Hanan Townshend (Amor pleno) * Michael Giacchino (Além da escuridão – Star Trek)

Melhor trilha sonora.2013

Melhor coletânea musical

* Azul é a cor mais quente * O grande GatsbyBling Ring – A gangue de Hollywood * TabuDjango livre

Melhor coletânea musical.2013

Melhor montagem

* Alexander Berner (Cloud Atlas) * William Goldenberg, Dylan Tichenor (A hora mais escura) * Alfonso Cuarón, Mark Sanger (Gravidade) * Daniel P. Hanley, Mike Hill (Rush – No limite da emoção) * Sophie Brunet, Ghalia Lacroix, Albertine Lastera, Jean-Marie Lengelle, Camille Toubkis (Azul é a cor mais quente)

Melhor montagem.2013

Melhor direção de arte

* Sarah Greenwood, Katie Spencer (Anna Karenina) * Damien Drew, Ian Gracie, Michael Turner (O grande Gatsby) * Eve Stewart (Os miseráveis) * David Crank, Jack Fisk (O mestre) * Hugh Bateup, Uli Hanish (Cloud Atlas)

Melhor direção de arte.2013

Melhor figurino

* Jacqueline Durran (Anna Karenina) * Catherine Martin (O grande Gatsby) * Paco Delgado (Os miseráveis) * Mark Bridges (O mestre) * Manon Rasmussen (O amante da rainha)

Melhor figurino.2013

Melhores efeitos especiais

* Além da escuridão – Star Trek * Gravidade * Círculo de fogo * O homem de aço * Cloud Atlas

Melhores efeitos visuais.2013

Melhor maquiagem

* Cloud Atlas * Além da escuridão – Star Trek * O hobbit – A desolação de Smaug * Lincoln * A morte do demônio

Melhor maquiagem.2013

Melhores efeitos sonoros

* Além da escuridão – Star Trek * Gravidade * Círculo de fogo * O homem de aço * Rush – No limite da emoção

Melhores efeitos sonoros.2013

Amor bandido (2012)

Por André Dick

Amor bandido.Filme 5

Há muito tempo o cinema de Hollywood tem se afastado de histórias simples ou visto com certa desconfiança aquelas que têm um certo tom de descoberta juvenil num cenário real, preferindo se concentrar em produções com o objetivo de alcançar um público que prefere esses mesmos elementos com mais ação. Nos anos 80, tínhamos filmes como Conta comigo, em que uma turma, caminhando por um trilho de trem, ia em busca de um corpo desaparecido. Baseada em Stephen King, a história apresentava elementos, como este recente Amor bandido, de Mark Twain e Charles Dickens. O novo filme de Jeff Nichols, recém-saído do sucesso de crítica O abrigo, com Michael Shannon, que regressa aqui num pequeno papel, e Jessica Chastain inseridos numa parábola sobre o fim do mundo, procura encontrar este síntese, apresentando a história de um menino, Ellis (Tye Sheridan), que vê o casamento de seu pai, Senior (Ray McKinnon, num diálogo visual direto com o personagem de Harry Dean Stanton em Paris, Texas), e de sua mãe, Mary Lee (Sarah Paulson), se desintegrar lentamente. Eles vivem no Rio Mississippi, na altura do Arkansas, em uma casa flutuante, deixada pela família de Mary Lee. Quando se separarem, o governo destruirá a propriedade. Desde o início, Nichols consegue inserir o espectador neste ambiente, criando uma atmosfera sólida, com a fotografia particularmente acertada de Adam Stone, sustentada por um extraordinário design de som, capaz de captar a natureza. E avisa: este é um filme naturalmente acessível, composto por pedaços de narrativa reconhecíveis e ainda assim naturalmente emotivos e cuja ressonância é sincera.

Amor bandido

Amor bandido.Filme 4

Ellis está em conflito existencial e, numa das peregrinações pelo rio, com o amigo Neckbone (Jacob Lofland), descobre um barco pendurado numa árvore em uma pequena ilha abandonada da região, deparando-se, logo em seguida, com Mud (traduzindo literalmente, Lama), que pede por comida, uma situação que contrasta com sua camisa impecavelmente branca, da qual não se livraria, como ele diz, nem antes de sua arma. Diz que morou no Rio quando era criança e está ali à espera de uma moça. Este fragmento de história é suficiente para que Ellis se interesse em ajudá-lo. Adentrando na adolescência e sem a idealização do amor em sua rotina, interessado por colegas mais velhas que se reúnem em frente a postos de gasolina, principalmente May Pearl (Bonnie Sturdivant), ele se sente deslocado e sem ter alguém para dividir seus conflitos. Embora Neckbone não se interesse muito pela história, ambos passam a ter um vínculo com Mud, que pede a eles para procurar um homem da região, Tom Blankenship (um contido e excelente Sam Shepard), com a franca possibilidade ajudá-lo, enquanto o tio de Neckbone, Galen (Michael Shannon), se mostra preocupado com o que possa estar ocorrendo.
Nichols começa aí sua espécie de conto moral sobre como um menino pode, ao mesmo tempo, buscar o perigo para recuperar aquilo que perdeu com o passar da idade. Quando entra em cena Juniper (Reese Whiterspoon, tentando fugir da imagem deixada por comédias), surgem novos conflitos e é preciso, mais do que desafiar a si mesmo, tentar substituir as próprias escolhas para investir numa história que pode ser diferente da sua. Mud, para Ellis, não pode ter uma história como a sua: por meio dele, é possível recuperar a ideia de uma certa unidade familiar, capaz de trazer ainda conforto e certeza. E a figura da mulher é associada a uma entrada na maturidade, tanto para compreender as escolhas familiares quanto aquelas que irão definir as reuniões no colégio. Em correspondência direta com esta definição, existe a reconstrução do barco para que se possa abandonar o cenário longínquo de uma infância não mais possível de ser alcançada.

Amor bandido.Filme 7

Amor bandido.Filme 6

É interessante como Amor bandido se constrói em cima de uma base muito simples e direta, sem colocar histórias paralelas a fim de impedir a naturalidade da narrativa. Isso, no cinema atual, pode ser visto até mesmo como uma espécie de conservadorismo e retomada de uma certa ideia clássica. Mas quanta diferença pode fazer não apenas um diretor competente, como Nichols é, como também um elenco à altura. Depois de Killer Joe, McConaughey entrega a sua grande atuação do ano, um personagem com variações de tom. Com poucos diálogos, mas uma composição de personagem sólida, ele é apoiado pela figura de Tye Sheridan, um ator excepcional, conhecido do público desde A árvore da vida, e por Jacob Lofland, que sempre entra em cena para conseguir sustentá-la e aparar as arestas, assim como Joe Don Baker tem uma presença assustadora. Há algumas sequências que só possuem vitalidade pela interação do elenco, quando a história parece escapar para saídas mais rotineiras, sobretudo em seu terceiro ato, embora ainda com impacto e narrativa fluente. No entanto, Nichols filma tudo com uma habilidade própria e a colaboração fundamental de Julie Monroe na montagem de suas peças que Amor bandido parece transparecer uma espécie de clássico perdido, de uma história tantas vezes contada que parecemos às vezes esquecer de como ela é vital.

Mud, EUA, 2012 Direção: Jeff Nichols Elenco: Matthew McConaughey, Tye Sheridan, Jacob Lofland, Reese Witherspoon, Sarah Paulson, Ray McKinnon, Sam Shepard, Michael Shannon, Bonnie Sturdivant, Paul Sparks, Joe Don Baker Roteiro: Jeff Nichols Fotografia: Adam Stone Trilha Sonora: David Wingo Produção: Aaron Ryder, Lisa Maria Falcone, Sarah Green Duração: 135 min. Distribuidora: Califórnia Filmes Estúdio: Everest Entertainment / FilmNation Entertainment

Cotação 4 estrelas

Rush – No limite da emoção (2013)

Por André Dick

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O diretor Ron Howard sempre foi visto como um diretor sem marca autoral, ao qual estúdios recorrem quando querem alguma competência e o mínimo de riscos. Dos anos 80, quando dirigiu filmes que até hoje servem como referência do gênero fantasia (Splash, Cocoon e Willow) e uma bela comédia familiar (O tiro que não saiu pela culatra), ele passou os anos 90 com um interessante filme sobre a rotina dos bombeiros (Cortina de fogo) e a tentativa de fazer uma espécie de Rede de intrigas mais acessível (O jornal), até ter conseguido respeito com Apollo 13 e, já nos anos 2000, ganhar o Oscar por Uma mente brilhante. Embora não se saiba como ele fez projetos como O Código Da Vinci e O grinch, também realizou os subestimados A luta pela esperança e Frost/Nixon e, mais uma vez com roteiro de Peter Morgan, se recupera com seu novo filme, mostrando competência como diretor de atores. Dificilmente veremos más interpretações nos filmes de Howard, e não é diferente em Rush – No limite da emoção. Também dificilmente veremos uma montagem precária e um trabalho técnico sem cuidado. Embora pareça que o cinema tem mostrado um aperfeiçoamento nesse campo, não significa que se consiga mesclar a ele uma genuína emoção. Quando acerta, Howard consegue, e com aguçado senso de humor.
Rush inicia (daqui em diante, pequenos spoilers) mostrando o duelo entre Niki Lauda (Daniel Brühl) e James Hunt (Chris Hemsworth) já nos bastidores da F3, em 1970, quando Hunt o prejudica para poder vencê-lo. Depois de se desentender com o pai, Lauda busca um patrocinador para que possa disputar a Fórmula 1 e mostra seu talento também como técnico, apontando mudanças no carro para que ele tenha mais velocidade na pista. Hunt, por sua vez, recebe o apoio do milionário Lord Hesketh (Christian McKay). Desajeitado com as mulheres, ao contrário de Hunt, Lauda conhece Marlene Knaus (Alexandra Maria Lara), enquanto seu rival se casa com Suzy Miller (Olivia Wilde), que chegará mais tarde a Hollywood. Howard vai mostrando essa passagem do tempo e esses relacionamentos de maneira interessante, sem sobrecarregar a montagem ou as etapas.

Rush.Filme 7

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Pelo contrário, Howard consegue criar um paralelo entre esses corredores, sem prejudicar um ou outro, nem tornar este vínculo criado pela rivalidade em algo exagerado. Com os diálogos de Peter Morgan, que ao mesmo tempo soam despretensiosos e ágeis, Rush se estrutura em sua montagem praticamente perfeita, sem sobras, sobretudo quando passa a mostrar as corridas do campeonato de 1976, quando Lauda e Hunt entraram em disputa direta pelo título, pois ambos possuíam carros sofisticados. São essas corridas, criando uma ligação direta com acontecimentos pessoais, que tornam Rush num filme cujo tema – o desafio à morte, a tentativa de superar as limitações como esportista – ressoa uma emoção baseada nas imagens e no embate entre figuras, não na tentativa de o diretor soar mais complexo à medida que a trama avança. Neste caso, a narrativa tem êxito quando trabalha os conflitos e o sentimento despertado pelo receio de não conseguir chegar ao objetivo final.
Com uma fotografia notável de Anthony Dod Mantle, captando bem a atmosfera dos anos 1970, das corridas, inclusive das arquibancadas dos autódromos, assim como o espaço apertado dos carros, a velocidade deles e a dimensão das pistas, Rush consegue atrair o olhar também para momentos mais sensíveis – sempre em vista de mostrar o olhar de cada figura para as situações, que demandam ou não perigo. Talvez em razão de uma narrativa com figuras tão fortes Howard e o roteirista Morgan tenham deixado um pouco de lado as figuras coadjuvantes, mas isso não chega a atrapalhar o andamento da história e a propriedade com que é contada. Nem mesmo as inevitáveis provocações, até certo ponto previsíveis, entre os dois, reduzindo muitas vezes Lauda e Hunt a polos opostos que se atraem para o embate: o inglês playboy que adora festas e o austríaco que precisa provar a si mesmo que pode dominar a F1 de forma definitiva.

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A fim de que Howard chegue aos seus objetivos, dependeria de seus dois atores, e a resposta é a mais positiva possível. Depois de fazer parte de uma histórias mais marcantes de Bastardos inglórios, Brühl se mostra um ator cada vez mais eficiente, em sua mescla entre humor e arrogância, e Hesworth se mostra aqui muito mais à vontade do que em Thor e outros blockbusters, com inegável talento para contrabalançar a pretensão com uma certa ingenuidade. Ambos conseguem transformar Rush numa das experiências mais interessantes do cinema em 2013, ajudados pela compactação entre a montagem de Daniel P. Hanley e Mike Hill e a trilha sonora de Hans Zimmer, não tão presente quanto na série Batman de Cristopher Nolan, mas ainda assim eficiente para colaborar nos momentos de suspense. Na categoria de filmes envolvendo o duelo entre dois esportistas, não lembro de tal envolvimento desde o fundamental e hoje quase esquecido vencedor do Oscar de 1981, Carruagens de fogo, antológico não apenas pela trilha de Vangelis, como também por ampliar toda a tradição que cerca o esporte. Em filmes dessa natureza, o esporte acaba sendo apenas um motivo para expressar outros temas, que acabam sobrecarregados exatamente pela emoção dele. Rush é certamente um dos mais exemplares.

Rush, EUA/ALE/Reino Unido, 2013 Direção: Ron Howard Elenco: Chris Hemsworth, Daniel Brühl, Christian McKay, Olivia Wilde, Alexandra Maria Lara Roteiro: Peter Morgan Fotografia: Anthony Dod Mantle Trilha Sonora: Hans Zimmer Produção: Andrew Eaton, Brian Grazer, Brian Oliver, Eric Fellner, Ron Howard Duração: 123 min. Distribuidora: Califórnia Filmes Estúdio: Revolution Films

Cotação 4 estrelas e meia

Barbara (2012)

Por André Dick

Barbara.Filme

Há muito ainda a ser tratado no cinema sobre a divisão entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental. Barbara é um desses projetos em que a história parece ter um papel exemplar para mostrar o que pode ter acontecido, ao mesmo tempo em que recupera, por meio de imagens, um certo estado de conflitos da humanidade. Situado em 1980, ele mostra a trajetória de Barbara (Nina Hoss), uma médica que tentou escapar da Alemanha Oriental e trabalhava num hospital renomado de Berlim, mas é descoberta pela Stasi e enviada para uma pequena cidade, onde precisará prestar serviço médico, ao lado de uma equipe chefiada por André Reiser (Ronald Zehrfeld), que sabe de sua história, e opta sempre pelo silêncio. Este é um lugar onde há um estado de urgência e as pessoas se sentem anestesiadas, seja quando dão voltas pelo bairro, seja quando se fuma embaixo de uma árvore. Reiser também cometeu um erro médico quando trabalhava em Berlim, sendo transferido pela Stasi e servindo de informante das pessoas que devem ser vigiadas. Barbara está entre as pessoas sobre as quais deve ter um controle, porém desde o início o diretor Christian Petzold consegue transformar uma relação quase silenciosa no estopim de um filme em que a espionagem poderia tornar as vidas das pessoas envolvidas quase inutilizadas e acontece o contrário, pois em primeiro lugar parece haver o interesse pelo outro. Para esses personagens, existe, irremediavelmente, ação, sempre situados entre a vida e a morte, a apatia do cotidiano e a necessidade de se tomar decisões diante de uma cirurgia.

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É isto que Barbara consegue compor para o espectador: uma sensação de conflitos que só podem ser remediados pela ajuda ao próximo, mas sem o caráter de exagero emocional e sim como um acesso inevitável aos relacionamentos que parecem abalados por um sistema exterior e ainda assim conseguem se manter. Barbara, a princípio, simboliza uma imagem fria, sem emoções, que tenta ocupar seu tempo livre com passeios de bicicleta que podem levar a um ponto de encontro, no entanto apenas para adiar o que não pode ser mais adiado. Aos poucos, o médico-chefe começa a ficar interessado por Barbara, mas ela só pensa em conseguir passar para a Alemanha Ocidental, a fim de ficar com seu amado Jörg (Mark Waschke).
Com seus passeios de bicicleta anônimos, tentando fugir ao olhar da Stasi, a médica vai aos poucos tentando se libertar das amarras, mas Petzold não chega a visualizar a situação de modo desgastante, como em A vida dos outros, e sim com um silêncio crescente. O hospital é o ponto de encontro para amenizar o cotidiano, e a chegada de uma menina, Stella (Jasna Fritzi Bauer), fugitiva de um terrível campo de trabalhos forçados acelera a aproximação entre Barbara e André. Este desconfia que a menina está fingindo ao chegar ao hospital, mas se descobre que ela tem meningite. A partir daí, há uma aproximação dela da figura de Barbara, que, silenciosa, pretende seguir sua vida longe do olhar da Stasi, na Alemanha Ocidental. Mas há um ponto de separação no Mar Báltico.

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O diretor Christian Petzold costura esta trama a princípio simples com sequências de grande beleza, todas discretas, sem nenhuma tentativa de manipular o espectador. A mais interessante delas, contrastando a experiência médica (e a experiência de ambos) se dá em frente à tela “A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp”, de Rembrandt. Aqui está um exemplo de como uma referência artística pode ser incorporada a um filme de modo sensível e atuante sobre a narrativa, pois simboliza a aproximação dos dois médicos e vai ressoar em outros pontos, mesmo existindo o afastamento. Em Barbara, há a plena sensação de que a responsabilidade com o outro irá substituir a espionagem e a ajuda pode ajudar substituir qualquer tipo de discurso. Esses personagens são profundamente humanos, e a narrativa cria contrastes e ligações interessantes entre um e outro.
Na verdade, diante disso, o que importa sempre é a humanidade, nunca o sistema em que ela está inserida, o que Petzold ressalta bem com seu filme feito mais de intervalos de silêncio, entremeado pelo barulho do cenário (do vento, da estrada onde Barbara passa de bicicleta, das portas do hospital), criando um ambiente situado entre a natureza, oferecendo uma impressão de liberdade, e a frieza dos corredores, tanto dos corredores quanto das casas, quando receber a visita de alguém para arrumar um piano se torna ameaçador. Nina Hoss faz um trabalho metódico como Barbara, assim como as ações dela como médica, e Ronald Zehrfeld consegue elaborar alguém interessado pela figura misteriosa e perseguida com qualidade rara em atores. Quando Hoss e Zehrfeld contracenam juntos, Barbara atinge um patamar diferente, revelando como atores podem compor um cenário diferente não apenas dentro do filme, mas no olhar do espectador.

Barbara, ALE, 2012 Direção: Christian Petzold Elenco: Nina Hoss, Ronald Zehrfeld, Jasna Fritzi Bauer, Mark Waschke, Rainer Bock Roteiro: Christian Petzold, Harun Farocki Fotografia: Hans Fromm Trilha Sonora: Stefan Will Produção: Florian Koerner von Gustorf Duração: 105 min. Distribuidora: Pandora Filmes Estúdio: Arte / Schramm Film Koerner & Weber / Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF)

Cotação 4 estrelas

A grande beleza (2013)

Por André Dick

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Neste novo filme de Paolo Sorrentino, que colocou Sean Penn em 2011 como um roqueiro em Aqui é o meu lugar, o excelente Toni Servillo interpreta Jep Gambardella, que há muitos anos não publica um romance, afastado do que considera a “grande beleza”, ou seja, não se sente mais tocado pelo mundo real, criando para si próprio um mundo fantasioso. Ele inicia sua história em sua festa de 65 anos no alto de um edifício, com outdoor da Martini iluminando ao fundo, mulheres atrás de vidraças ou dançando de forma frenética. Estamos em Roma, e é preciso, como se diz em determinada altura, haver desfiles, acompanhados de cocktails e muita música. As cores são efusivas, contrastando com imagens anteriores, em que se mostra a calma de turistas em chegada à cidade para visitar algumas belíssimas paisagens, com pouca variação de tons de luz. Está feita a demarcação de A grande beleza: agitação por um lado e tranquilidade aparente por outro.
Mas, se era esperada uma história não linear, Sorrentino surpreende e mostra o escritor no dia seguinte vagando por Roma, com mais interesse do que o escritor de Nostalgia e com uma coleção de imagens que buscam um simbolismo de Federico Fellini. Depois de assistir a uma performance numa ruína, ele encontra a artista para uma entrevista e, ao tratar de sua editora, Dadina (Giovanna Vignola, excelente), ele comenta que ela é anã. Gambardella deseja sublinhar que ela é anã não como resposta a uma colocação, ou para fazer um chiste, mas porque este mundo que ele irá visualizar, para ele, é excêntrico, ou seja, para Sorrentino, colocar a sua editora num escritório, ao lado de um urso de pelúcia maior do que ela, pode divertir o espectador. Independente de se achar essa piada visual distante de uma grande beleza, não há dúvida de que neste filme os escritores formariam um grupo pretensamente à margem, interessado em discutir a respeito de temas existenciais em sacadas e mergulhado numa tentativa de encontrar a “grande beleza”, mas também inserido em festas exageradas.

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Seria divertido se Sorrentino não se colocasse exatamente como esses escritores. Há um pano de fundo da história de A grande beleza que oferece lembranças, memórias, diários deixados e evoca uma emoção, a relação conturbada entre uma mãe e seu filho, ou seja, uma grande base emocional, e Servillo nos entrega uma cena de choro implacavelmente realista. Mas isto, para Sorrentino, torna-se um material excessivamente emotivo e não serve àquilo que para ele quer tornar episódico: A grande beleza, em quase dois terços dele (entre o início e o final), reúne imagens estranhas e por vezes desconectadas, nas quais personagens entram e saem sem o devido desenvolvimento emocional, mas com uma trama absolutamente linear entre essas imagens, buscando o onírico. Justamente o sonho de diversos grupos de intelectuais que discutem em sacadas.
Há um intervalo (o filme é composto por eles), por exemplo, num bar, quando a imagem fica em câmera lenta e quando se pode ver a mão de Wes Anderson e os Tenenbaums posicionados à direita. Isso cria uma sucessão de camadas não correspondentes ao sentimento do personagem, mas ao diretor do filme. Há um excesso aqui de estilo, e o Sorrentino pretende empregar todos, a fim de dar alguma consistência emocional às imagens e não aos personagens, utilizando a direção de arte como base. E Roma, cuja decadência mitológica começou na época de Petrônio, se torna na verdade decadente porque Gambardella a sente assim. Sorrentino até parece saber dos truques, mas lhe falta manejo para torná-los mágica e utiliza Gambardella como um meio para colocar ideias em questão. Não acompanhamos o personagem e sim o diretor – mas a caminhada com o escritor, às vezes acompanhado de Lello Cava (Carlo Buccirosso), talvez fosse mais divertida, mesmo porque Servillo, independente do resultado de A grande beleza, continua sendo um grande ator.
Segundo o diretor, embora ele deseje, nas entrelinhas, dizer o oposto, a vida só terá algum interesse se cercado por um cenário mais parecido com o de uma loja de cosméticos, com uma atmosfera de vernissage, de desfile de moda, porém com a devida ênfase em fazer críticas, seja à moda, seja aos políticos do país, à arte (no momento mais delicado do filme) ou à religião (no terceiro ato, com alguns dos momentos de humor e agridoces mais acertados), colocando-se numa posição superior ao discurso criticado. No entanto, ele não hesita em colocar o logo da Martini em destaque no início do filme, ao lado do título do filme, assim como Sofia Coppola na verdade promove Paris Hilton em Bling Ring.
Tudo em A grande beleza é ostensivamente calculado, a partir de sua epígrafe inicial, para que o espectador não se sinta perdido e qualquer emoção não sentida seja irrelevante em razão das imagens. Quando Gambardella vai a uma boate de strippers e conhece Ramona (Sabrina Ferilli), ou a um velório, é como se fugisse de seu cenário literário (evocando “a grande beleza”) com aquilo que soa cotidiano em demasia – mas ele não desiste e pretende visualizar o velório pelo menos como um ponto de moda. Assim como Lello Cava, Ramona é uma figura interessante, que poderia ser melhor desenvolvida, mas ela não consegue ser efetiva, pois seria dar importância em demasia à humanidade. Trata-se de um problema de percurso. Para Sorrentino, a beleza está apenas no que se considera literário, numa visão, claro, afastada de qualquer realidade, e nas imagens compostas com simetria magistral (veja-se a sequência com os pássaros na sacada). Aquilo que seria “excessivamente cotidiano”, envolvendo as pessoas de sua época, deixa de ser interessante ou, na visão do personagem, literário, e, por mais que pareça, isso não muda.

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Em meio a esses personagens, é o de Dadina aquela peça-chave para uma certa humanidade, de uma ponte entre a juventude e a velhice. No entanto, neste caso também Sorrentino está mais interessado no urso de pelúcia maior do que ela em seu escritório. É como se fosse o mesmo conflito de Gil Pender de Meia-noite em Paris, com a diferença de que Allen é mais positivo, no sentido de que escolhemos viver a época por também escolhermos as pessoas. Sorrentino, no entanto, só vê a beleza de Roma nos turistas e em obras históricas, nos seios fellinianos das mulheres, nos parques esverdeados. Não há mais mulheres interessantes, a não ser por uma noite na cama, mas apenas a moça do penhasco da juventude, embaixo da lua, nesta melancolia eterna do personagem. Nesse sentido, A grande beleza é um fascinante culto ao passado que só regressa em imagens fantasiosas.
Quando Paolo Sorrentino plana com sua câmera sobre os personagens ou faz contorcionismos malabarísticos com ela, seja sobre uma piscina ou diante de pessoas sentadas ao pôr do sol olhando uma apresentação, ou quando coloca mulheres para dançar e a câmera se aproxima lentamente do rosto de Gambardella (fazendo lembrar o superior, embora subestimado, O fabuloso destino de Amélie Poulain), para colocar o letreiro do título do filme destacado ao fundo, e mesmo quando filma alguém caminhando pela cozinha apenas para destacar o espremedor laranja sobre ela, podemos desconfiar, afinal, por que Baz Luhrmann é visto como um diretor exagerado. Tudo no filme de Sorrentino é uma justificativa para a “grande beleza”, com a fotografia de Luca Bigazzi, que lembra um grande quadro de proporções maravilhosas, mas não tem textura nem movimento de filme, e sim de um vídeo elaborado com imagens de cartão postal. Mesmo algumas belas sequências, como a de Gambardella visualizando o teto e seu passado, soam apenas um enfeite para o bolo. Já no ano passado, Leos Carax colocava a “beleza do gesto” como uma epígrafe de seu personagem, Mr. Oscar, andando em uma limusine, em Holy Motors. Neste filme intitulado exatamente de A grande beleza, temos Paolo Sorrentino emulando todos os trejeitos que são qualidade de outros autores, mas com ele se reproduzem em alta frequência, devidamente com o status de filme artístico. Pode até parecer, mas não precisaríamos de um outdoor noturno para saber que não é.

La grande bellezza, ITA/FRA, 2013 Diretor: Paolo Sorrentino Elenco: Toni Servillo, Sabrina Ferilli, Giovanna Vignola, Anna Della Rosa, Carlo Buccirosso, Carlo Verdone, Franco Graziosi, Galatea Ranzi, Giorgio Pasotti, Iaia Forte, Ivan Franek, Luca Marinelli, Massimo Popolizio, Pamela Villoresi, Serena Grandi, Sonia Gessner, Vernon Dobtcheff Roteiro: Paolo Sorrentino Fotografia: Luca Bigazzi  Trilha Sonora: Lele Marchitelli Produção: Nicola Giuliano, Francesca Cima, Fabio Conversi Duração: 142 min. Distribuidora: Europa Filmes / Mares Filmes Estúdio: Indigo Film

Cotação 2 estrelas

Willow – Na terra da magia (1988)

Por André Dick

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Este filme foi a concretização de um dos maiores sonhos de George Lucas. Com um custo de 35 milhões de dólares (ainda mais significativos para sua época), e locações excepcionais na Nova Zelândia e País de Gales, Willow teve a desconfiança desde o seu lançamento, como se fosse uma espécie de continuação de Star Wars, passada numa Terra-média de Lucas. O marketing acabou pesando na expectativa de que o resultado correspondesse aos maiores sucessos de Lucas. E, lançado no mesmo verão de Uma cilada para Roger Rabbit, acabou por ficar em segundo plano. Depois de 25 anos e muitas críticas contrárias, é possível voltar a ele, com o olhar de um tempo passado, mas remetendo também ao presente, por meio da edição comemorativa em Blu-ray, que, assim se espera, também seja lançada no Brasil.
Assinado por Ron Howard, com fotografia primorosa e música excelente (de James Horner), um dos problemas normalmente apontados em Willow é o roteiro de Lucas, que mistura várias histórias, mas, fazendo uma releitura dele, isso não estraga o resultado. Olhar para este filme depois de um tempo considerável mostra que, mais do que trazer o peso da nostalgia, ele faz jus a uma década que trouxe filmes memoráveis de fantasia, como A história sem fim, Labirinto e A lenda, com suas falhas e virtudes, todos sem a mesma elaboração visual dos contemporâneos, como O senhor dos anéis, também pela época e pelos efeitos especiais serem feitos de forma quase artesanal, quase sem computadores, mas com uma genuína força própria e não raro cenários criativos.

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A história inicia com o nascimento de um bebê com uma marca determinada de nascença, que, segundo as profecias, destruirá a rainha Bavmorda (Jean Marsh). Ela manda persegui-lo, mas ele é jogado num rio, que o leva à aldeia dos Nelwyn (gente pequena), onde Willow Ugford (Warwick Davis) e sua família o encontram. Com o sonho de ser um feiticeiro de sua aldeia – e o cuidado que se tem com o desenho de produção do local é próprio de Lucas –, Willow tem receio de se manter com o bebê, justamente porque chegam ao seu vilarejo cachorros gigantes com cabeças de porcos tentando encontrá-lo. O feiticeiro líder, High Alwin (Billy Barty), coloca Willow na missão de entregar o bebê a um Daikini (no linguajar do filme, gente grande). Mas a fada Cherlindrea (Maria Holvöe), num momento que remete claramente à obra clássica Peter Pan, de John Barrie, vem avisá-lo que Elora Danan (feita pelas gêmeas Kate e Ruth Greenfield) tem poderes para destruir a rainha. Willow se junta a um herói debochado, Madmartigan (Val Kilmer), encontrado dentro de uma jaula para prisioneiros, e à feiticeira Raziel (Patricia Hayes) para destruir Bavmorda, enquanto precisa passar por bosques, montanhas e outros contratempos, com a parceria de dois brownies (Kevin Pollak e Rick Overton) – homenzinhos minúsculos, que parecem saídos das aventuras de Gulliver. No seu encalço, seguem Sorsha (Joanne Whalley) , filha de Bavmorda, e  General Kael (Pat Roach), que, parecendo um Darth Vader da Idade Média, é, na verdade, uma homenagem às avessas de Lucas a Pauline Kael, a crítica histórica de cinema.

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Acompanhada de um figurino elaborado, a direção de arte reproduz muito bem um tempo-espaço singular, e mesmo as referências à religião e a filmes (há uma perseguição com carroças como se fossem bigas, à la Ben-Hur; os personagens lembram Star Wars, do próprio Lucas), não tiram do filme um ar ingênuo cada vez mais raro. Mas o que realmente salta aos olhos em Willow é seu cuidado visual. Há, nele, uma espécie de resquício do cuidado que vemos em O retorno de Jedi, com as imagens de florestas e, nesse sentido, a sua fotografia, uma cortesia de Adrian Biddle, é uma das maiores conquistas do filme. As locações na Nova Zelândia, com montanhas, lagos, florestas e longas planícies, conseguem dar um pano de fundo notável, e não é por acaso que Jackson também filmou nesse país – além de ser o seu de origem – O senhor dos anéis e O hobbit. Willow, ao mesmo tempo em que se alimenta das jornadas de Tolkien – naquela época em livro –, consegue expandir o seu universo, povoando-o de elementos das mais variadas histórias, não apenas bíblicas, mas cinematográficas. A jornada em que Willow vai se encontrando com outros amigos não deixa de ter também um elo com O mágico de Oz, assim como as suas feitiçarias e mágicas têm um traço de Idade Média e as aldeias, algo que remete a uma idade muito antiga. No entanto, essa mistura feita por Lucas de fábulas e contos clássicos ressurge numa mescla de gêneros, tornando Willow num filme nem para crianças nem para adultos, mas com uma espécie de atmosfera que adota principalmente os elementos universais.

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Willow vai passar pela provação de exercer seu conhecimento sobre feitiçaria, e nisso Warwick Davis é, sem dúvida, excelente. Ele forma uma boa dupla com Kilmer, um ator naquele momento conhecido pela comédia Top Secret! e por ser rival de Tom Cruise em Top Gun. Na pele de Madmartigan, Kilmer tenta transparecer um elo de humor com o Han Solo de Harrison Ford, baseando-se no mesmo estilo de que ele seria apenas um fora da lei, muitas vezes pensando apenas no lado financeiro e de diversão, correspondido pela indefinição entre a atração e a agressividade da personagem de Sorsha, interpretada por Joanna Whaley como se estivesse nos anos 50. Temos alguns momentos que remetem a essa amizade construída depois da perseguição na taverna logo diante de uma cachoeira e depois na subida de uma montanha, uma das chaves da amizade elaborada por Willow.
Estruturado num roteiro com esquema definido, sem grandes intervalos temporais, mas com uma edição talentosa, Ron Howard revela aqui um dos seus trabalhos mais interessantes. É costume se dizer que Howard não sabe dirigir, mas ele tem sensibilidade e boa coordenação sobre os atores, certamente mais do que Lucas. Seus filmes costumam ter boas atuações, como Apollo 13, Uma mente brilhante, A luta pela esperança, Frost/Nixon e Rush e a aversão que se tem à sua obra, ao que parece, é justamente por se tratar de um diretor não autoral que consegue ser indicado seguidamente a prêmios importantes.Em Willow, ele consegue aliar o estilo que mostra em Splash e Cocoon, mesclando realidade e fantasia, com o carisma dos personagens de seus melhores filmes e acrescenta a esta fantasia projetada por Lucas um humor involuntário normalmente ausente em seu criador. Daí este filme de fantasia ser um dos mais antológicos já realizados.

Willow, EUA, 1988 Diretor: Ron Howard Elenco: Warwick Davis, Val Kilmer, Joanna Whalley, Billy Barty, Maria Holvöe, Patricia Hayes, Jean Marsh, Kevin Pollak, Rick Overton, Pat Roach, Kate e Ruth Greenfield Roteiro: Bob Dolman, George Lucas Fotografia: Adrian Biddle Trilha Sonora: James Horner Produção: Nigel Wooll Duração: 130  min. Estúdio: Imagine Entertainment / Lucasfilm Ltd / Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)

Cotação 5 estrelas

A visitante francesa (2012)

Por André Dick

A visitante francesa 4

A atriz Isabelle Huppert teve sua maior projeção na juventude com o antológico O portal do paraíso. Do início dos anos 80 até hoje ela se tornou uma das atrizes mais constantes no cinema, fazendo até quatro filmes por ano. Talvez por isso possa parecer estranho que um filme como A visitante francesa, que marca seus 60 anos, fique tão esquecido e alheio às discussões. Certamente por se tratar de um experimento novo do diretor sul-coreano Sang-soo Hong (de Hahaha e do ainda mais recente Filha de ninguém), esta é uma comédia sensível e agridoce, uma espécie de mescla dos melhores elementos de Abbas Kiarostami – o diálogo natural, de obras como o excelente Um alguém apaixonado, com o qual concorreu em Cannes, e Close-up – e Eric Rohmer – a delicadeza em relação ao clima de romance e o que se espera (ou não) dele. O filme investe na história de uma jovem estudante de cinema, Won-joo (Jung Yoo-mi), que deseja escrever um roteiro, para tentar fugir de problemas financeiros, e está na praia de Mohang, acompanhada de sua mãe Park Sook (Yoon Yeo-jeong). Ela imagina uma mulher francesa em situações diferentes, mas desta vez não há um excesso de metalinguagem, que poderia encobrir as relações e os personagens para simplesmente conduzi-las a uma participação abafada pela sugestão de teorias de linguagem e experimentos que acabam não oferecendo o devido efeito.

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Diante de filmes em que a literatura e a cultura foram um peso este ano – e não uma liberação –, a exemplo de Dentro da casa, Depois de maio, Vocês ainda não viram nada! e A grande beleza (cada um com sua cota de qualidades, mas praticamente ineficazes em proporcionar uma sensação realmente humana, de colocar personagens não como meros efeitos de linguagem e de diálogos com a arte, e sim também como seres humanos), A visitante francesa consegue trazer uma sensação de bem-estar. Nele, a vida e seus personagens podem se repetir e se renovar pela imaginação não intrusa da narradora, mas como figuras que têm sua própria mobilidade e não soam pretensiosas, mas componentes de um cenário em que a descoberta acontece por meio de diálogos sem uma colocação enfática, mas simplesmente integrados a cada situação.
O filme traz três histórias com a figura da francesa Anne, em situações diferentes. Inicia com aquela em que a personagem, como diretora de cinema, visita um amigo diretor, Jong-soo (Kwon Hae-Hyo), na Coreia do Sul, casado com Geum-hee (Moon So-ri), havendo um flerte, num hotel à beira de praia, assim como aquele da estudante de cinema. A segunda mostra a personagem, casada com um empresário, encontrando um amante, Moon-soo (Moon Sung-Keun), desta vez ele um diretor de cinema, nessa casa, às voltas com a perda de um celular, e a terceiro mostra Anne na praia, hospedada na casa de uma senhora, Park Sook (Yeo-jeong Yoon), sendo assediada por um homem, que está no local com a esposa – a história que mais estabelece uma relação com a primeira, pois trata-se do mesmo casal. Nos três cenários, também, há um jovem salva-vidas (Yoo Jun-sang, excelente), que pode ou não saber a localização de um farol. As ideias variam como se fossem não apenas não três histórias, ou esboços, mas complementares na mesma história e na mesma tentativa de Anne se autodescobrir como mulher. Em meio a conversas sobre traição, situações indiscretas, arrependimento e uma leve sensação de melancolia em cada parte do filme, sobretudo quando Anne se posiciona diante do mar, Sang-soo Hong mostra que o ser humano está dividido não apenas em sua língua e na sensação de ser estrangeiro, mas em seus relacionamentos, traições, adultérios, e na busca por um sentido de explicação – a tentativa de Anne conversar com um monge (Kim Youngoak) está entre elas.

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Mas esta não é uma história definitivamente sobre os costumes nos relacionamentos ou impacto de um mundo estrangeiro na vida de um indivíduo, assim como não o era Encontros e desencontros, de Sofia Coppola. Ele lida mais com a subjetividade das escolhas, em situações diferentes, mas que se assemelham não apenas em razão dos personagens e das paisagens e sim pela rotina da qual se tenta escapar por meio da imaginação e da memória. Se as três histórias possuem facetas particulares, sabemos, ao final, que elas poderiam fazer parte unicamente de uma mesma história, e não por acaso a personagem principal delas é a mesma francesa, Anne. No diálogo com o roteiro da estudante de cinema, é ela que pode costurar a relação entre ficção e realidade. E, como personagem independente, ela pode inclusive tomar sua vida própria, sem dar mais explicações a quem quer que seja.
Sang-soo Hong contribui ainda para esta experiência com a bela fotografia de Hong-yeol Park e Yune-jeong Jee, mostrando, ao mesmo tempo, a alegria de um cenário modesto e a permanência dessas imagens na memória como um panorama oriental. A visitante francesa tem paisagens tão palpáveis quanto a de uma obra de Akira Kurosawa e, se não há o mesmo estilo e grandiosidade do mestre de Ran, sabemos que aqui as relações voltam a um plano de discussão próximo e um uso de cores atraente. Não parece, a princípio, boa parte do cinema atual: quase não há cortes, oferecendo agilidade ao filme, mesmo com suas repetições, quando muito alguns zooms, num clima de anos 70 (talvez Altman), e um certo ar precário em tudo, o que torna a experiência cinematográfica situada num lugar sem tempo e sem lugar definidos, auxiliando na recepção e na certeza de que A visitante francesa é uma pequena joia esquecida.

Da-reun na-ra-e-seo/In another country, Coreia do Sul, 2012 Diretor: Sang-soo Hong Elenco: Isabelle Huppert, Moon So-ri, Moon Sung-Keun, Yeo-jeong Yoon,Yoo Jun-sang, Kim Youngoak Roteiro: Sang-soo Hong Fotografia: Hong-yeol Park, Yune-jeong Jee Trilha Sonora: Yong-jin Jeong Produção: Kim Kyoung Hee Duração: 89 min. Distribuidora: Pandora Estúdio: Jeonwonsa Film

Cotação 4 estrelas e meia

Bastardos (2013)

Por André Dick

Bastardos 4

Depois de assistir a Bastardos, pode-se ter a sensação essencial de que o cinema de Claire Denis é um dos mais complexos da atualidade. É difícil delimitar para onde ela está conduzindo o espectador, quando consegue colocar um enfileiramento de imagens a princípio desconexas, com idas e vindas no tempo, em busca de uma montagem implícita às ações e personagens enigmáticos, sem muito a falar. Nos anos 70, havia o cinema feito por Costa-Gavras com essa profusão de montagem, em Z, e tivemos Oliver Stone em seus melhores momentos de JFK fazendo o mesmo, mas não havia neles essencialmente algo encoberto ou soturno, sem possibilidade de vir à luz do dia. Há filmes de Claire Denis dificilmente suportáveis, mesmo com sua influência notória no cenário contemporâneo, a exemplo de Bom trabalho (com um Denis Lavant perambulando quase sem nenhum diálogo) e 35 doses de rum, mas nunca houve antes um filme dela tão centrado no gênero noir, mas de maneira própria, com algo (e não há nenhuma aproximação forçada aqui, mesmo com a admiração particular) de Twin Peaks – Fire walk with me e A estrada perdida, de David Lynch. Mas, se Lynch ainda é um entusiasta da imagem surreal, Claire Denis busca no realismo também dos cenários uma forma de traduzir os seus personagens, embora, como o criador de Twin Peaks, possua uma imagem hipnótica, quase onírica, e não é diferente neste Bastardos, cuja fotografia de Agnès Godard consegue traduzir a força do elenco e de cada situação encenada.
Em Bastardos, temos Marco Silvestri (Vincent Lindon, excelente), um capitão de navio que acaba voltando para a cidade a fim de amparar a sua irmã, Sandra (Julie Bataille). Ela acabou de ficar viúva de Jacques (Laurent Grévill), que se suicidou, e sua filha, Justine (Lola Créton), está hospitalizada, em razão de ter sido molestada sexualmente. Tudo indica que Jacques se suicidou em razão de negócios com Edouard Laporte (Michel Subor). Silvestri acaba se mudando para o apartamento ao lado de onde vive Laporte, com Raphaëlle (Chiara Mastroianni), e acaba por se envolver também com ela, buscando uma certa ideia familiar, pois ela ainda tem um filho, Joseph (Yann Antoine Bizette).

Bastardos 9

Bastardos 6

Não sabemos muito bem desenhar o perfil de Silvestri, pois pouco nos é oferecido de seu passado e, ainda menos, de seus objetivos futuros. Mas pode-se notar, ao longo de toda a narrativa, que ele é um andarilho, sempre em busca de uma fuga da família ou de compreender o próprio arrependimento em querer sempre abandoná-la. Mais do que uma tentativa de descobrir o motivo da morte de Jacques, ele, a partir de determinado momento, parece se entregar não apenas aos desejos para reparar a vida financeira da irmã como também à sua amante, pela qual pretendia descobrir apenas o segredo para chegar a uma definição dos acontecimentos. Parece, então, a forma perfeita esta adotada por Denis em apresentá-lo, inserido em diversos fragmentos de filme, num diálogo sobre sua própria incapacidade de ordenar uma vida fora da sua profissão, por meio da montagem singular de Annette Dutertre. Neste sentido, sua chegada de volta não se constitui exatamente em períodos de ligação com os personagens do filme, mas de afastamento, como ele sempre adotou, é o que se percebe nas entrelinhas, em sua vida. Algumas sugestões são passadas ao espectador por meio de imagens solitárias (a exemplo de uma consulta dele na internet), no entanto o apartamento vazio que ele pretende alugar e não conseguirá preencher com pessoas é o elemento mais claro de ligação com seu traço psicológico.
Este é, sem dúvida, um personagem trágico, capaz de alcançar uma proporção ainda mais estranha à frente da direção de Claire Denis. Se no início não conseguimos definir muito bem por que uma jovem caminha nua pela rua ou por que estamos às voltas com questões psiquiátricas, logo percebemos que Denis não é como Soderbergh, em busca da saída fácil, da surpresa aparente em Terapia de risco. Trata-se de uma cineasta capaz de delinear seus personagens por meio do cenário. E os cenários são noturnos, encobrindo as ações dos personagens. Raphaëlle se mostra não uma femme fatale, apesar de algumas sequências dizerem o contrário, mas uma mãe de família confusa em permanecer ao lado do milionário ou de se entregar a um estranho. Por sua vez, Silvestri busca a estrada deserta, fazendo um trajeto irrecuperável, longe da personagem da personalidade, para este mesmo trajeto iluminar uma sequência mais adiante, a fim de conseguir chegar ao passado de sua sobrinha – e pode se deparar com um portão que pode dar em uma casa de campo, inocente apenas a princípio, como em um filme de Haneke. É nesta correspondência entre os caminhos que faz o personagem de Marco e o traçado anteriormente pela sobrinha aquele meandro capaz de interessar a Denis: esses personagens só se encontram na ausência um do outro; os cenários por onde um passa e o outro passou não deixam nenhum rastro a não ser aquele da busca desses personagens pela explicação moral.

Bastardos 8

Bastardos 3

Denis contrapõe os cenários calmos e inocentes a um passado familiar de difícil definição, no qual segredos são escondidos e finalmente mostrados, mas dentro do devido tempo, a fim de compor um mosaico difícil e de permanente reavaliação, e se no início o personagem central parece anunciar uma espécie de dominação masculina sobre a figura de Raphaëlle e impermeável à chantagem emocional de Sandra, com o passar do tempo, e a confusão da narrativa apoiando isto, ele se mostra cada vez mais volúvel e inseguro. Suas cenas de atração por Raphaëlle se moldam à narrativa como um mistério a ser desvendado pelo espectador, assim como suas idas à clínica se mostram cada vez mais estranhas diante do que realmente está acontecendo ao seu redor. Do mesmo modo, personagens coadjuvantes, a exemplo de Dr. Béthanie (Alex Descas), parecem se perder numa teia de intrigas contra a sua própria vontade, tornando o mote de Bastardos ainda mais interessante e forçando o espectador a enfrentar cenários e sensações não tão agradáveis quanto parecia antes. A força deste filme de Claire Denis se concentra justamente na concisão alcançada em cada sequência e a maneira como a montagem se desenha, oscilando entre um passado não resolvido e um presente ambientado num vazio incapaz de prometer o futuro almejado por esses personagens. Se a narrativa de Bastardos pode parecer um tanto desesperançosa, Claire Denis dá mais uma vez resultados eficazes, ajudando a inovar um gênero cujas revelações costumam já ser sabidas de antemão. Seu filme é, ao mesmo tempo, uma homenagem ao cinema noir e uma fuga dele, com outro elemento, aquele mais próximo ao silêncio a ser vivido ou não pelo personagem, mas com força o suficiente para ressoar.

Les salauds, FRA, 2013 Direção: Claire Denis Elenco: Vincent Lindon, Alex Descas, Chiara Mastroianni, Julie Bataille, Lola Créton, Michel Subor, Yann Antoine Bizette, Laurent Grévill, Christophe Miossec, Claire Tran, Elise Lhomeau, Eric Dupond-Moretti, Florence Loiret Caille, Grégoire Colin, Hélène Fillières, Michel Subor, Nicole Dogue, Sharunas Bartas Roteiro: Claire Denis, Jean-Pol Fargeau Fotografia: Agnès Godard Trilha Sonora: Stuart Staples Produção: Brahim Chioua, Laurence Clerc, Olivier Théry-Lapiney Duração: 100 min. Distribuidora: Imovision Estúdio: Alcatraz Film / Wild Bunch

Cotação 5 estrelas

Um estranho no lago (2013)

Por André Dick

Um estranho no lago 7

Vencedor do prêmio de melhor diretor e filme de temática gay na mostra paralela “Un certain regard”, no Festival de Cannes deste ano, em que competiu com, entre outros, Bling Ring, Um estranho no lago vem sendo lançado em circuito mundial aos poucos, fazendo polêmica. Se Azul é a cor mais quente tem as cenas de sexo entre as personagens principais que polarizam boa parte das atenções, o filme de Alain Guiraudie parece ainda mais ousado: perde-se a conta das vezes em que vemos os personagens, todos homens, em nu frontal ou em cenas de sexo explícitas. Mas Um estranho no lago, e isto marca sua principal diferença, assim como Azul é a cor mais quente, não utiliza as cenas de sexo no vazio; elas fazem parte de uma trama, esta envolvendo suspense e alguns elementos de thriller.
Não parece haver muita dúvida sobre a influência de dois filmes na obra Um estranho no lago: de Parceiros da noite, um dos filmes mais fracos da carreira de William Friedkin, e o episódio do Lago Berryessa da obra Zodíaco, de David Fincher. As influências estão todas lá. Da Nova York noturna, somos transportados para um lago no interior da França, em época indeterminada, onde alguns homens praticam nudismo e têm encontros casuais, principalmente no meio do bosque que existe no lugar, e as árvores acabam trazendo um elemento de mistério e suspense, seja revelando ou escondendo os que ali transitam, assim como há uma tranquilidade angustiante nas águas do lago. Guiraudie mostra o rapaz Franck (Pierre de Ladonchamps), que faz amizade com um senhor, Henri (Patrick D’Assumçao). Este recém se separou da mulher e vai todos os dias ao logo, mas fica a distância, apenas observando a movimentação. Com o passar dos dias, Franck, apesar de gostar de conversar com ele, se interessa e se apaixona por Michel (Christophe Paou).

Um estranho no lago 9

Um estranho no lago 8

Ao assistir Um estranho no lago, veio à lembrança a polêmica em 1993, ou seja, há duas décadas, de que a vida sexual de Antonio Banderas e Tom Hanks em Filadélfia seria promíscua, despertando incômodo contra o diretor Jonathan Demme. É curioso que, 20 anos depois, uma abordagem mais arriscada e mostrando um jovem que mistura o prazer com a experimentação do perigo ou da morte tão próxima seja recebida de modo contrário. O jovem Franck não está preocupado em usar preservativos na relação com os homens, tampouco está preocupado se está apaixonado por um homem que pode afinal estar colocando diretamente em risco sua vida.
Assumpçao faz Henri de forma perfeita, sendo o grande destaque do filme, com sua solidão e o medo de se aproximar do jovem Franck, e Guiraudie situa nele a sustentação emocional da narrativa, pois revela uma busca de si mesmo nas águas deste lago. Quando Michel lhe diz que acha estranho que desperdice o tempo olhando o lago, Guiraudie parece perguntar ao espectador se todos que ali transitam não estão, ao mesmo tempo em que buscam o sexo casual, atrás apenas de afeto e companhia. Não parece ser este o caso de Franck, quando parece preferir o risco à calmaria. Ou seja, embora o cenário seja tranquilo, o personagem central está, na verdade, buscando o contrário – e a morte pode estar envolvida nesse sentimento – porque, para Guiraudie, não há lugar fora dali que isso pode ser buscado. O lago se constitui numa espécie de refúgio contínuo para esses personagens.

Um estranho no lago 5

Um estranho no lago

Criando uma atmosfera fantástica de claustrofobia, também em razão da excepcional fotografia de Claire Mathon (contrastando as cenas do dia e as noturnas com perícia, sobretudo ao aproveitar o reflexo do sol nas águas do lago e a vegetação verde), com grande influência nas cenas noturnas do Ceylan de Era uma vez na Anatólia, Guiraudie não reserva a mesma atenção para os personagens centrais. Embora seja parte da história não desenhar os personagens além do próprio lago – Franck deseja encontrar Michel fora dali, mas não é correspondido –, Guiraudie faz uma narrativa tão pré-concebida, dirigida a um final em forma de esquema e simbologia, que parece não haver muito envolvimento sentimental do espectador com esses personagens. Os temas estão espalhados ao longo do filme: a solidão, as árvores, a tranquilidade do lago que pode esconder a morte, o cenário cercado por pedras, os faróis noturnos dos carros, tentando iluminar um cenário que parece tão claro durante o dia, mas Guiraudie tenta criar subterfúgios para não explorar suficientemente estes personagens, reduzindo suas experiências a trocas de diálogos não tão ousadas quanto as cenas de sexo. Em razão dos atores principais, embora eles façam um trabalho competente (mesmo dramaticamente inferior ao de Léa e Adèle em Azul é a cor mais quente), falta uma densidade emocional ao filme, e nunca chegamos a estar especialmente interessados neles, assim como eles parecem entre si.
Ainda assim, Um estranho no lago consegue, ao contrário de outros thrillers recentes, extrair vários recursos de um cenário a princípio limitado. É interessante como Guiraudie filma sempre o estacionamento onde vão parando os carros daqueles que frequentam o lugar (buscando uma rotina), quando mostra as árvores quase como testemunhas do que acontece, quando coloca Henri também como alguém excluído da comunidade, visto com desconfiança, ou quando revela um voyeur observando os casais tentando ver naquele cenário algo que desperte algum sentido de provocação. Guiraudie obviamente desejava isso, mostrando as cenas de sexo de forma tão fria e impessoal que certamente se equivalem àquele pergunta do investigador (Jérôme Chappatte): como podem fazer sexo num lugar onde pode ter acontecido algo tão lúgubre? Ou seja, as relações de afeto, mostradas sem ênfase e a distância, tornam-se tão geladas quanto, ao que parece, as águas do lago à noite e tão distantes quanto os sentimentos dos personagens. É certamente a atração desses pelo perigo que acaba fazendo do personagem de Henri uma peça vital da trama e, se o final é conduzido de forma tão drástica e abrupta, oferecendo ao espectador uma certa surpresa, mas não completa (o filme é radicalmente pré-concebido), também pensamos onde estará esse personagem à noite, quando ele procura alguém também longe do lago. Trata-se de uma figura que, ao fugir de seu instinto ou de seu afeto, acaba, na verdade, se deparando com os mesmos sentimentos originais. A pergunta que fica e torna Um estranho no lago tão claustrofóbico é: Franck terá algum outro lugar para ir sem ser impedido antes, inclusive por si mesmo?

L’inconnu du lac, FRA, 2013 Diretor: Alain Guiraudie Elenco: Pierre de Ladonchamps, Christophe Paou, Patrick d’Assumçao, Emmanuel Daumas, François-Renaud Labarthe, Gilbert Traina, Gilles Guérin, Jérôme Chappatte, Mathieu Vervisch, Pierre Deladonchamps, Sébastien Badachaoui Roteiro: Alain Guiraudie Fotografia: Claire Mathon Produção: Sylvie Pialat Duração: 97 min. Distribuidora: Imovision Estúdio: Les Films du Worso

Cotação 3 estrelas e meia