Por André Dick
Neste momento em que Zack Snyder vai conseguir finalmente trazer à cena sua versão original para Liga da Justiça, que teve, depois de um afastamento conturbado seu, uma finalização de Joss Whedon, o diretor de Os vingadores, é interessante lembrar do caso de Superman II. Ele foi feito por Richard Donner ao mesmo tempo que o primeiro, lançado em 1978, mas sua versão de fato não foi lançada nos cinemas em 1980. Em razão de os produtores Alexander e Ilya Salkind não pretenderem pagar um acréscimo financeiro para Marlon Brando, que fazia o pai de Superman, Jor-El, que já tinha feito cenas para o segundo, Donner não aceitou sua exclusão, foi afastado e substituído por Richard Lester, que, para poder assinar o filme, teve de realizar ou refazer ao menos 51% das cenas dele. A versão de Donner foi lançada apenas em 2006 em Blu-ray e DVD, incluindo as cenas com Brando e, apesar de conter quase todas as cenas da versão do cinema, não têm algumas acrescentadas por Lester e possui outras que mudam o significado.
Donner é uma diretor especialista em filmes de ação com drama e comédia, o que pode ser constatado em filmes como Os Goonies e Máquina mortífera. Em Superman, ele estabelece um padrão para o que viria na década seguinte, com o Batman, de Tim Burton, e com certo bom humor recente e vertiginoso de Os vingadores, de Joss Whedon. O Superman de Reeve, e isso se deve sobretudo à visão de Donner, é, sobretudo, alguém indefinido entre tempos diferentes: ao mesmo tempo em que conserva um ar dos anos 40, 50, ele consegue efetuar uma transição para os momentos em que precisa enfrentar seu maior inimigo, Luthor,de maneira plausível.
Na versão de Donner para Superman II, é estabelecida uma conexão diretamente com o final do primeiro. Se na versão de Lester Zod (Terence Stamp), Non (Jack O’Halloran) e Ursa (Sarah Douglas ), expulsos de Krypton no início do original, eram libertados de sua prisão numa espécie de espelho gigante pela explosão de uma bomba tirada pelo Superman da Torre Eiffel, na versão de Donner eles já se libertam com a explosão do míssel teleguiado por Lex Luthor levado ao espaço sideral pelo super-herói antes de fazer o tempo voltar. A versão de Donner reprisa também mais claramente a expulsão de Zod, Non e Ursa por Kal-El (Marlon Brando), enquanto na versão de Lester era mais rápida e quase incompreensível.
Por sua vez, as cenas iniciais no Daily Planet são muito mais interessantes na versão de Donner, não apenas pela fotografia de Geoffrey Unsworth, como pela tentativa de Lois (Margot Kidder) descobrir se Clark Kent (Christopher Reeve) é Superman, primeiro pintando uma foto do super-herói com os óculos e terno do parceiro de trabalho e depois jogando-se do prédio – o que inexiste na versão exibida nos cinemas. Clark está cada vez mais próximo de Lois e ambos, inclusive, vão viajar juntos para as cataratas do Niágara. Na versão de Lester, este trecho se prolonga; com uma cena buscando comicidade na figura de um funcionário do hotel onde se hospedam, na de Donner é mais sintética. No filme assinado por Lester, é quando Lois tenta provar que Clark é Superman, atirando-se nas águas do Niágara. Ele está cansado de ser herói, deseja ser humano, e, para isso, volta às suas origens, à Fortaleza da Solidão, em que está a explicação do seu passado, para tentar ser igual aos demais seres humanos.
Lá estiveram antes Luthor e sua assessora Eve Teschmacher (Valerie Perrine) – na versão de Lester conversando com a mãe, Lara (Sussanah York), de Superman; na de Donner, com seu pai. No entanto, chegam os três criminosos à Terra depois de uma passagem pela Lua (que aparece nas duas versões): coronel Zod, Non e Ursa, mandados embora de Krypton no início do primeiro filme, condenados por Jor-El, e eles vão querer perturbar a população, sobretudo o filho de quem os mandou embora, tendo como aliado Lex Luthor. Luthor tenta chegar às origens do herói, a fim de tentar encobri-lo com sua tentativa de romper o mundo. Mas sua relação com Superman é estranha: ao mesmo tempo que proporciona doses de violência, sobretudo moral, ele não consegue se posicionar como um vilão todo o tempo, e tenta disfarçar com uma ironia seca seu objetivo (e Hackman não quis refazer nenhuma de suas cenas com Lester; aquelas em que aparece foram todas filmadas por Donner).
A questão é como o herói voltará a ser como era antes. Como observa Pauline Kael, “as transições de Clark Kent para Super-Homem e vice-versa agora são números cômicos bem acabados”. Nesse sentido, se a versão de Lester é mais cômica, a de Donner é mais séria, com a presença de Marlon Brando e sequências mais impressionantes (como a inicial). Donner dosa a humanidade de Clark sem torná-la superficial ou maniqueísta (na interpretação talentosa de Reeve). É interessante como os vilões também conseguem ficar no limite do bom humor aceitável, principalmente em sequências com duelos militares e na famosa invasão da Casa Branca -os primeiros numa cidade do interior feitas exclusivamente por Lester.
Há muitas cenas de ação de destaque, efeitos especiais melhores do que o primeiro, e no todo trata-se de uma continuação divertida, apoiado novamente num roteiro de Mario Puzo (criador de O poderoso chefão), com a colaboração de David e Leslie Newman. E a versão de Donner conta com a fotografia de Geoffrey Unsworth, que fez a do primeiro e faleceu em 1979; as cenas modificadas ou acrescentadas por Lester têm a fotografia de Robert Paynte, não tão talentoso. Não existe também, na versão de Lester, a melancolia impregnada por Donner nas bordas de suas versões: o seu Superman é, ao mesmo tempo, um herói e alguém realmente trágico, não com rompantes para o humor exagerado. A maneira como Clark recupera seus poderes com a ajuda do pai é definitiva. Jor-El parece abandoná-lo quando surge do além e lhe transmite os poderes de volta. Não que Lester não perceba a essência dele, mas é certo que Donner consegue desenhá-la de maneira mais adequada, assim como sua relação conflituosa com o pai que não conheceu e com a dualidade entre alguém de outro planeta e o humano. Se eu fosse indicar uma versão do filme, seria a de Donner lançada em 2006.
Superman II – The Richard Donner Cut, ING/EUA, 2006 Diretor: Richard Donner Elenco: Christopher Reeve, Gene Hackman, Marlon Brando, Ned Beatty, Jackie Cooper, Sarah Douglas, Margot Kidder, Valerie Perrine, Susannah York, Terence Stamp, Jack O’Halloran Roteiro: Mario Puzo, David e Leslie Newman Fotografia: Geoffrey Unsworth e Robert Paynte Trilha Sonora: John Williams Produção: Pierre Spengler e Michael Thau Duração: 117 min. Distribuidora: Warner Bros.