Por André Dick
Depois de seu filme mais polêmico, A professora de piano, Michael Haneke realizou Caché, que dialoga com A estrada perdida, de David Lynch, mostrando o casal Georges e Anne – nomes recorrentes de seus personagens – inserido num bairro ameaçador, com sua entrega diária de vídeos misteriosos. Seu trabalho seguinte, A fita branca, vencedor da Palma de Ouro, é um filme híbrido, ou seja, é difícil definir sua narrativa, uma mistura de suspense, drama e policial do início do século passado. O cineasta austríaco, que este ano recebeu o Oscar de filme estrangeiro com o excelente Amor, consegue compor um grande painel de uma comunidade alemã antes da I Guerra Mundial, entre 1913 e 1914, com a colaboração do trabalho de fotografia de Christian Berger (indicada ao Oscar, como o filme), inspirado em Sven Nykvist, colaborador de Bergman, com sua indefinição entre a claridade do verão, com o sol, e o inverno e sua brancura assustadora.
Nessa comunidade rural, de Eichwald, vive um professor de música, narrador da história, de quem não sabemos o nome (Christian Friedel), que se apaixona por Eva (Leonice Benesch), uma babá. Se ela não é Grace, de Dogville, a comunidade passa também por um momento delicado. O médico da região (Rainer Bock) está voltando de cavalo, e surge um arame que acaba por derrubá-lo. Ele é pai de Anna (Roxane Duran) e Rudolf (Miljan Chatelain), que ficam aos cuidados da parteira local (Susanne Lothar), mãe de um garoto com Síndrome de Down, Karli (Eddy Grahl).
Outros acontecimentos estranhos surgem: um celeiro pega fogo, Karli sofre violência, uma agricultora morre, criando a revolta de um filho. Tudo, no entanto, parece calmo na comunidade, como antes, sempre sob as ordens do Barão (Ulrich Tukur), casado com Marie-Louise (Ursina Lardi), e do pastor (Burghart Klaussner), cujos filhos mais velhos, Klara (Maria-Victoria Dragus) e Martin (Leonard Proxauf), precisam enfrentar ordens diárias. As crianças da região estão sempre sob um estranho domínio de uma força que parece pairar na comunidade, e se esconde durante o dia e atrás de símbolos da pureza, como a da fita branca colocada nos filhos do pastor, que devem ser libertados de todo e qualquer desvirtuamento. Nesse sentido, Haneke tem razão quando diz que seu filme trata da origem do terror: é justamente o que percebemos em seu filme – há uma indefinição no que se refere à situação dos personagens, ameaçados por um movimento que muitas vezes esconde seu nome. O suspense é iminente em cada trajeto que faz a história, embora ele nunca se coloque como simplesmente um artefato de medo.
A fita branca consegue manter um estranho fascínio desde o início, em razão de sua fotografia que evoca ao mesmo tempo um lugar distante e um agrupamento capaz de sair do seu sentimento de morte, mas também por causa de seus personagens, que aparecem e desaparecem sem exatamente fixarem alguma espécie de sentimento definitivo. Desde o menino que se arrisca na ponte, pensando que se não caiu é porque Deus gosta dele, até o professor que deseja casar com Eva, numa espécie de afeto não anunciado, A fita branca se sustenta no equilíbrio entre o drama histórico e a narrativa de fonte literária e religiosa. É interessante como o professor viaja para pedir a mão de Eva em casamento, e ambos não conseguem ao menos se tocar, em razão da espera pelo casamento. Leve-se em conta que Eva reconduz ao cenário do Éden bíblico, e A fita branca, com seu objetivo de mostrar uma história melancólica, consegue tornar essa interpretação mais evidente. O cenário, se visto de maneira diferente, seria mais próximo do idílico: uma espécie de vila estruturada em seus mínimos detalhes, com suas casas organizadas milimetricamente, com agricultores. Daí, A fita branca também dialogar com a Lumberton de Veludo azul, cujo céu azul contrasta com a escuridão não apenas da noite, como também dos personagens: o preto e branco da fotografia de Berger é tão assustador quanto o dia ensolarado captado por Frederick Elmes em Veludo azul. É à noite, com as portas trancadas e os quartos desolados, que muitas figuras de A fita branca se revelam.
É esta sensação de receio diante dos acontecimentos que surge quando vemos o filme: a começar por uma plantação de repolhos que sofre uma transformação em determinado momento. Assim como no recente Amor, Haneke consegue mesclar a perplexidade trazida pelo comportamento humano com uma espécie de sentimento que se esconde em pequenos gestos, como aquele em que o pastor é presenteado pelo filho Gustav (Thibault Sérié) com um pássaro. Lembremos que em Amor o pássaro é uma peça-chave decisiva, e em A fita branca ele também simboliza tanto a vida quanto a morte. Há, nesse movimento do pássaro preso na gaiola, uma influência decisiva do expressionismo alemão, também quando remete a floresta a uma paisagem ameaçadora.
Não apenas isso. A fita branca revela, por trás do puritanismo, uma espécie de tradição que luta para sobreviver baseada especificamente naquilo que não pode não pode ser vista, mesmo sendo, como verdade. A figura autoritária é comum tanto no meio religioso quanto no meio político e no meio da saúde. E ainda há o pai de Eva (Detlev Buck), cujo cuidado autoritário parece mais saudável do que todos os comportamentos vislumbrados no filme: quando o professor viaja para lhe pedir a mão de Eva, recebe o compromisso de conviver com ela durante um ano antes de se casar, para concluir se o seu sentimento é verdadeiro. Todos esses personagens são ligados por Haneke, revelando sua inclinação à força de Estado, para que possa suportar um universo como este. Por isso, ao mesmo tempo, eles não possuem nome próprio, somente a designação, pela qual podem ser entendidos universalmente.
Nesse sentido, mesmo que haja essa analogia, tanto no filme quanto nas declarações de Haneke, das crianças mostradas em A fita branca com a geração que viria a apoiar o nazismo, parece que a narrativa não se mostra tão simbólica ou simplista. Mesmo que a fita branca signifique uma espécie de sinal da raça pura, parece que Haneke desenha mais um mal oculto que é reproduzido por novas gerações diante daquela tradição autoritória que se mostra em vários personagens. Do mesmo modo, o comportamento dos adultos vai sempre contra o que eles mesmos avaliam como correto: a violência opressora é evidente, desde o menino amarrado na cama até o castigo da menina que precisa ficar de costas para os outros. Ainda assim, em meio a uma crueldade do ser humano, sustentado por uma estrutura de Estado, Haneke busca exatamente os personagens que podem não exatamente transformar esse universo, pois também seguem uma tradição, mas não corrompê-lo. É neste ponto que surge o casal constituído pelo professor e pela babá. A espera de um ano para o casamento, segundo o pai dela, pode passar rápido; para Haneke, as gerações, e sua tradição, também podem passar rapidamente e serem vistas como um exemplo a não ser seguido.
Das weisse Band – Eine deutsche Kindergeschichte / The white ribbon, Alemanha/Áustria/França/Itália, 2009 Diretor: Michael Haneke Elenco: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Klaussner, Steffi Kühnert, Josef Bierbichler Produção: Michael Katz Roteiro: Michael Haneke Fotografia: Christian Berger Duração: 144 min. Distribuidora: Imovision Estúdio: Canal+ / X-Filme Creative Pool / Wega Film / Les Films du Losange / Lucky Red