Por André Dick
A produção mais polêmica do início da década passada possivelmente tenha sido O último mestre do ar. Baseado numa animação conhecida da Nicklodeon, ele foi adaptado por M. Nioht Shyamalan, que já vinha de uma sequência de obras criticadas, Fim dos tempos e A dama na água, e, muito em razão do orçamento de seu filme, teve uma bilheteria longe do esperado. Recentemente circulou um vídeo de 2015 em que Dev Patel, pedia desculpas a alguns fãs pela existência dele.
Bem, é verdade que Shyamalan nunca regressou a este universo por causa da soma de problemas. Mas está longe de ser um desastre – pelo contrário, dentro de sua abordagem é um dos filmes equilibrados a tratar de uma influência espiritual no cinema. Ele lida de maneira competente com a direção de arte, com o figurino (bem trabalhado) e os efeitos especiais (da Industrial Light & Magic, de George Lucas).
Basicamente, é uma adaptação do personagem da Nicklodeon, um menino, Aang (Noah Ringer), que está num iceberg e é libertado por Sokka (Jacjson Rathbone) e sua irmã Katar (Nicola Peltz), que pertencem à Tribo da Água do Sul. Podendo ser o Avatar, ou o último mestre do ar, Aang tem um bisonte voador, Appa, que pode levar o espectador a se lembrar do cão gigante voador de A história sem fim e pretende impedir o crescimento da opressão da Nação do Fogo sobre as outras três nações, do Ar, Terra e Água.
O príncipe da Nação do Fogo, Zuko (Patel), identifica que a libertação de Aang aconteceu e vai atrás para que os moradores da Água do Sul o entreguem. No entanto, Aang consegue escapar com seus novos amigos montado no Appa, para o Templo do Ar do Sul – onde vai se encontrar com seu eu espiritual, seu modo Avatar. Numa vila do Reino da Terra, o menino diz a Katara e Sokka que só domina o elemento do ar e precisa dominar os outros – e pretende ir para a Tribo da Água do Norte, onde os mestres podem lhe ensinar a lidar com a água. Em meio à sua jornada, Aang é traído e precisa enfrentar o comandante dos arqueiros da Nação do Fogo, Zhao (Cliff Curtis).
O roteiro de Shyamalan. baseado nos personagens de Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko, encadeia essa história com certa antilinearidade, dispondo as sequências como em camadas separadas, interligadas apenas pelos personagens e por suas sensações. É como se eles estivessem desprendidos de uma real aventura, no entanto isso não evita que o filme tenha exatamente um espírito de humanidade, que alcança todos os personagens. Há uma certa paz e tranquilidade na abordagem que alcança um sentimento de busca pela espiritualidade, que é do próprio personagem, interpretado com perspicácia por Ringer, que depois só atuaria em Cowboys & aliens. Há uma certa influência de O pequeno Buda, de Bernardo Bertolucci, em algumas cenas de meditação, além de estabelecer um contato com fantasias dos anos 80 na projeção de montanhas gélidas, como em Willow, e navios em alto-mar, remetendo a Troia. Com a trilha sonora de James Newton Howard e a fotografia de Andrew Lesnie, que trabalharam com Peter Jackson em O senhor dos anéis e King Kong, O último mestre do ar se constrói tecnicamente de maneira muito interessante, com grandes cenários e uma sensação de grandiosidade. Fala-se que a narrativa teria sido encurtada em meia hora pela Paramount e talvez em alguns momentos haja sobressaltos desnecessários, no entanto quando há o enfrentamento final tudo parece ter se encaminhado para que ocorresse de maneira interessante.
É Aang o responsável por dar a chave de interesse a O último mestre do ar, com um misto entre sabedoria e humildade, contrapondo-se ao vilão feito por Patel com um certo ar soturno que funciona de maneira geral, em parceria, algumas vezes, com Curtis. Shyamalan também consegue situar o filme de maneira geográfica, expondo o espectador a um universo fantasioso com diversas localidades, sem nunca lotar as cenas de ação com peso demais, até o terço final com uma ótima variedade de imagens envolvendo a água e que transcorre dentro de um plano mesmo poético e contrário muitas vezes à intenção da animação – talvez sua maior crítica. Shyamalan, como em toda sua obra, cerca O último mestre do ar de elementos dos seus demais projetos, principalmente na construção do personagem central, com um figurino que remete à jovem cega de A vila ou ao segurança feito por Bruce Willis em Corpo fechado. Shyamalan também tenta dialogar com a fantasia de filmes de Spielberg e Lucas, tornando a sequência final em algo mais épico e imprevisto do que o restante da trama, no entanto sem deslizar as cenas para um blockbuster genérico.
The last airbender, EUA, 2010 Diretor: M. Night Shyamalan Elenco: Noah Ringer, Dev Patel, Nicola Peltz, Jackson Rathbone, Shaun Toub, Aasif Mandvi, Cliff Curtis Roteiro: M. Night Shyamalan Fotografia: Andrew Lesnie Trilha Sonora: James Newton Howard Produção: M. Night Shyamalan, Sam Mercer, Frank Marshall Duração: 103 min. Estúdio: Nickelodeon Movies, Blinding Edge Pictures, The Kennedy/Marshall Company Distribuidora: Paramount Pictures