Por André Dick
A adaptação de Dumbo em live-action segue o cronograma dos estúdios Disney de adaptações com atores ou cenários repletos de CGI das animações clássicas do estúdio. Nos últimos anos, tivemos vários sucessos nesse campo: Malévola, Cinderela, Mogli – O menino lobo, A bela e a fera e neste ano ainda serão lançados Aladdin e O rei leão. Baseado no original de 1941, um dos filmes prediletos de Walt Disney, a nova versão é dirigida por Tim Burton.
O filme começa mostrando Holt Farrier (Colin Farrell), que está voltando da Primeira Guerra Mundial para o circo Medici Bros, coordenado por Max Medici (Danny DeVito). Ele é pai viúvo de Milly (Nico Parker) e Joe (Finley Robbins) e, tendo vindo da guerra sem um braço, é contratado para cuidar de um elefante recém-nascido, com grandes orelhas, o que o torna excêntrico, chamado Dumbo. Isso desperta o interessa de um grande empresário, VA Vandevere (Michael Keaton), que deseja comprar o circo de Medici para obter a atração e levá-la para Dreamland (um equivalente de Tomorrowland), sempre ao lado de Colette Marchant (Eva Green), uma trapezista da França.
Surge também J. Griffin Remington (Alan Arkin), um grande magnata de Wall Street. O original dos anos 40 ainda se mantém como uma animação de qualidade primorosa, mas, como alguns clássicos da Disney, se sente estranhamente incompleto. Essa é a dificuldade que Burton tem, em primeiro lugar: Dumbo não comporta uma história com muitos caminhos, sendo essencialmente a história de um filhote de elefante afastado da mãe, no original com econômicos 64 minutos (pouco menos da metade da sua versão com humanos). Isso estabelece uma emoção que é captada às vezes no original, no entanto nunca trabalhada exemplarmente, como se repete aqui. E Burton se arrisca a criar camadas de diferentes personagens, o que não havia no original, restrito quase totalmente à visão do mundo dos animais (e não há aqui, especialmente, o ratinho amigo de Dumbo) e faz algumas referências curiosas a Santa Sangre, de Jodorowsky, com o auxílio do roteiro de Ehren Kruger, que escreveu Os irmãos Grimm, por exemplo.
Com a fotografia de Ben Davis, que fez trabalhos ótimos em Guardiões da galáxia e Três anúncios para um crime, substituindo Bruno Delbonnel, parceiro de Burton em suas últimas empreitadas, o ótimo e subestimado Sombras da noite e o delicado O lar das crianças peculiares, e a trilha sonora de Danny Elfman, tentando inovar nos acordes, com eficácia, Burton realiza o que pode com o material: Dumbo é uma fantasia com elementos emotivos e de valorização da família, com um personagem marginalizado, como é de praxe na trajetória do diretor, de Batman a Ed Wood e de Edward, mãos de tesoura a Willy Wonka.
Mais: Burton consegue, por meio da figura de Marchant, criar um vínculo materno não apenas dela com as crianças de Farrier, como também com o próprio Dumbo. É Eva Green, possivelmente, o melhor elo de ligação da história com o espectador, embora Farrell também esteja bem e Keaton e DeVito bastante efetivos – principalmente Keaton, parecendo interpretar Will Arnett, de Arrested development. No caso do personagem de Medici, não há como não lembrar de outra participação de DeVito na filmografia de Burton, em Peixe grande e suas histórias maravilhosas, que contém imagens expandidas aqui, sobretudo por causa da imagem do circo no imaginário.
É possível perceber, desde a imagem do trem no início, toda a carga de estilo de Burton, que leva seu filme para pontos familiares do espectador, e fazem lembrar, sobretudo, A fantástica fábrica de chocolate (a imponência de Dreamland), no entanto inicialmente o cineasta está tentando dialogar com o cinema dos anos 40, com referências a Buck Jones por meio de Holt Farrier – ambos passaram por ferimentos na guerra. Também é interessante como Burton consegue criar uma atmosfera inovadora em seu projeto utilizando uma fotografia com cores de pôr do sol, o que remete, em determinado momento, a Cinzas do paraíso, de Terrence Malick, influenciado claramente pelas pinturas de Edward Hopper. A partir do segundo ato, ele, por meio da grandiosidade, retoma um design de produção vital de Rick Heinrichs, que remete a seus projetos desde Batman – O retorno, e Vandere lembra em parte Max Schreck, vilão daquela obra. E, se há algo que aprendemos com a filmografia de Burton, é que não se pode dissociar a narrativa que ele conta da maneira como a conta: fazer isso é simplesmente subvalorizar seu olhar atento para a captura de imagens inesquecíveis, como aquelas dos animais solitários à noite, numa selva enjaulada, em contraposição a outro momento do roteiro.
Se o desenho animado dos anos 40 é muito mais ingênuo e baseado em trapalhadas dos elefantes, assim como se utiliza deles falando, a versão de Burton, como parte de sua trajetória, é mais soturna. Mais ao final, quando os personagens infelizmente ficam em segundo plano, prejudicando Farrell e Green, fica exposta essa grande diferença. O discurso de crítica contra o corporativismo soa quase sempre estranhíssimo num filme dos estúdios Disney (num momento em que compram a Fox), no entanto está de acordo com seus projetos anteriores. Aliás, é curioso que Burton, que saiu da Disney para seguir seu caminho particular nos anos 80 (com Frankenweenie e As aventuras de Pee-Wee), tenha se voltado, desde Alice no país das maravilhas, a conversar com esse imaginário e mesmo a reproduzi-lo para novas gerações. A sua diferença é basicamente autoral: quando vemos Dumbo, sabemos estar diante de uma obra de Burton. De algum modo, mesmo que não pareça, ele nunca coloca seu universo definitivamente à venda. É curioso que neste caso ele lembre essencialmente o criador da Disney.
Dumbo, EUA, 2019 Diretor: Tim Burton Elenco: Colin Farrell, Michael Keaton, Danny DeVito, Eva Green, Alan Arkin, Nico Parker, Finley Robbins Roteiro: Ehren Kruger Fotografia: Ben Davis Trilha Sonora: Danny Elfman Produção: Justin Springer, Ehren Kruger, Katterli Frauenfelder, Derek Frey Duração: 112 min. Estúdio: Walt Disney Pictures, Tim Burton Productions, Infinite Detective Productions, Secret Machine Entertainment Distribuidora: Walt Disney Studios Motion Pictures