Babilônia (2022)

Depois de Whiplash, La La Land e O primeiro homem, já com o Oscar de direção pelo segundo, Damien Chazelle faz de Babilônia uma espécie de volta a um cinema autoral que estava em parte desaparecido, ao homenagear Hollywood com um olhar crítico e melancólico. O seu ponto de partida parece já esclarecer muito: o imigrante mexicano Manuel “Manny” Torres (Diego Calva), em Los Angeles em 1926, ajuda a levar um elefante para uma festa de um executivo da Kinoscope Studios. Lá, ele conhece Nellie LaRoy (Margot Robbie), que se identifica já como estrela, sem de fato ser uma, mas é ajudada por Manny, indo parar nos bastidores do lugar usando drogas. Esta festa inicial já lembra De olhos bem fechados, de Kubrick, inclusive com uma jovem atriz, Jane Thornton (Phoebe Tonkin), tendo uma overdose de drogas com o ator obeso Orville Pickwick (Troy Metcal).
Na festa, estão também a cantora de cabaré Lady Fay Zhu (Li Jun Li) e o trompetista de jazz afro-americano Siddey Palmer (Jovan Adepo), Manny acaba fazendo amizade com Jack Conrad (Brad Pitt), levando-o a se tornar assistente no Kinoscope, onde já tem o amigo George Munn (Lukas Haas). No entanto, Manny tem os olhos voltados para Nelly.

O primeiro ato funciona muito bem, com as filmagens em que Conrad é o astro e LaRoy a atriz recém-chegada, quase lembrando, pelo humor nonsense, as obras dos irmãos Zucker e Abrahams (Apertem os cintos, o piloto sumiu) e Monty Phyton. A maneira como Chazelle mostra as filmagens leva ao êxtase do cinema ainda mudo, com a participação de Spike Jonze como o atrapalhado diretor Otto Von Strassberger, que espera a destreza de Manny conseguir uma câmera para não desperdiçar o dia de filmagem. Isso evoca uma sequência com ritmo intenso mostrando o romantismo da indústria em alcançar um pôr do sol, mesmo que seu astro principal esteja completamente embriagado.
Quando os filmes sonoros chegam ao cinema, tema do segundo ato, Chazelle oscila em conseguir vínculos entre os personagens, com Margot Robbie levemente exagerada, contudo mostra a aproximação entre sua personagem e o modesto Manny. Enquanto isso, acompanhamos Conrad e, quando a história se fixa nele em determinado momento Brad Pitt entrega, principalmente quando a narrativa ingressa no anos 30.

Nesse ponto, Chazelle já aproxima sua obra de Barton Fink e Ave, César!, ambos dos irmãos Coen, mostrando bastidores de filmagens de maneira muito interessante e tensa, ao mesmo tempo que repercute a maneira como Manny é vista em Hollywood, não mais uma estrela dos anos 20, embora uma persona não muito desejada na alta roda. Com isso, há elementos em comum com O artista, na maneira como o artista do cinema mudo passa a ser repentinamente desvalorizado e como ele não consegue se adaptar à altura de suas ambições na nova indústria que se abre, do mesmo modo que as margens do esquecimento eram discutidas por Tarantino em Era uma vez em… Hollywood. A diferença é que Chazelle impõe um certo olhar mais amargurado, o qual caracteriza as figuras de suas narrativas, como em Whiplash e La La Land.
No visual e ritmo, há muito de Baz Luhrmann em Babilônia e às vezes Chazelle não dosa a empolgação com o drama, no entanto o design de produção e a fotografia são ótimas em geral, lembrando o melhor Scorsese dos anos 70, o de New York, New York, com seu exagero amplo e irrestrito. A trilha sonora de Justin Hurwitz marca o ritmo e é belíssima, lembrando a de La La Land, além de muito marcante. Chazelle faz um cinema incrivelmente adulto numa era em que diretores facilitam muito a história para agradar ao público. Por isso, ele é um diretor mais autoral do que a maioria e, embora não agora, será reconhecido e o filme será possivelmente um cult. Isso porque, por mais que se possa lançar considerações sobre os excessos dele, ou suas mudanças de tom, há aqui o que não existe em grande parte dos lançamentos: um estado de cinema verdadeiro. A lágrima e o sorriso podem ficar para a posteridade e é para isso que os astros e estrelas estão trabalhando, mesmo em meio às festas que atravessam a madrugada.

Com três horas de duração, como o novo Avatar de James Cameron, talvez haja um excesso principalmente no segundo ato, mas o final é tão bom, com a inclusão de um personagem nos moldes de David Lynch feito por Tobey Maguire, que se constrói uma escala de pesadelo que representa a própria Hollywood de Chazelle.
Chazelle destaca principalmente a desilusão com que às vezes se vê às vezes a indústria do cinema, porém, ao mesmo tempo, o sonho e o otimismo que podem existir a partir dela. Segundo alguns analistas, para o diretor é preciso ter aqueles que se sacrificam e sofrem para que exista o cinema. Pode-se fazer uma avaliação mais justa ao entender que o filme é sobre artistas falhos e às vezes limitados que ajudam a fazer a indústria e muitas vezes não são reconhecidos. E eles fazem parte literalmente do sangue que é dado em termos de paixão. Chazelle trata disso como poucos. Para ele, as filmagens e a alegria, a confusão e o excesso caracterizam a própria história do cinema. Não por acaso, tudo desliza para uma sucessão de imagens em experimentação nos moldes de Godard com uma grandiosidade que representa a passagem do cinema dos anos 20 para o dos anos 30, com uma carga de nostalgia impressionante. É muito difícil homenagear a arte do cinema depois de tantas obras antológicas. Para Chazelle, é essa transição do sonho inicial para a realidade também coberta pelos sonhos que move a narrativa da humanidade para sempre.

Babylon, EUA, 2022 Direção: Damien Chazelle Elenco: Brad Pitt, Margot Robbie, Diego Calva, Jean Smart, Jovan Adepo, Li Jun Li Roteiro: Damien Chazelle Fotografia: Linus Sandgren Trilha Sonora: Justin Hurwitz Produção: Marc Platt, Matthew Plouffe, Olivia Hamilton Duração: 189 min. Estúdio: Paramount Pictures, C2 Motion Picture Group, Marc Platt Productions, Wild Chickens Productions, Organism Pictures Distribuidora: Paramount Pictures

Babilônia (2022)

Hoje a crítica no meu canal do YouTube é sobre Babilônia, de Damien Chazelle, com Brad Pitt, Margot Robbie, Diego Calva e Tobey Maguire. Também publicarei artigo crítico sobre o filme aqui no site até o Oscar. Obrigado pelo apoio.

 

O curioso caso de Benjamin Button (2008)

Por André Dick

Esta fábula dirigida por David Fincher pode parecer, à primeira vista, um Forrest Gump com menos humor, mas fica apenas na superfície a comparação. Em certos aspectos também parecido com Peixe grande, de Tim Burton, embora superior, o filme de Fincher tem um lado fabular não apenas pela figura de Benjamin Button, que nasce velho e vai rejuvenescendo. Isso seria o resultado de uma espécie de pedido feito por Monsieur Gateau (Elias Koteas), que está construindo o relógio da estação de trem de Nova Orleans e, tendo perdido seu filho na guerra, gostaria que o tempo contasse para trás (spoilers a partir daqui)..
Nascido no dia de encerramento da Primeira Guerra, em 1918, Button é abandonado pelo pai, Thomas Button (Jason Flemyng) na escadaria de um asilo e acolhido por uma afro-americana, Queenie (Taraji P. Henson), uma enfermeira, e seu namorado Tizzy (Mahershala Ali). Neste ambiente, em que a morte está presente todos os dias, e também trazendo todas as enfermidades no corpo de nenê, Button se refugia do restante do mundo. No entanto, já um pouco crescido (embora curvado e numa cadeira de rodas), é levado pela mãe adotiva a uma missa, sob as preces de um pastor começa a andar – lembrando também o filme com Tom Hanks – e, aos poucos, vai se acostumando a sair de casa, até que conhece Daisy (na infância, Ellen Fanning; na vida adulta Cate Blanchett), cuja avó mora no asilo.

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É esse amor que vai acompanhá-lo a vida toda, até que se reencontram quando têm a mesma idade, ou seja, no meio da vida. Tal drama – de o personagem nunca pertencer totalmente a seu tempo – é o que torna o filme de Fincher tão denso, assim como a maneira com que expõe o relato da mulher apaixonada por Benjamin.
Ao mesmo tempo, temos o relato de Daisy já envelhecida, acompanhada de Caroline (Julia Ormond), sua filha num hospital, que lê o diário de Benjamin, enquanto se aproxima a tempestade do Katrina. Suas lembranças não são apenas aquelas de que a mãe participa, mas principalmente as de Benjamin, que conta sobre o dia em que conhece Ngunda Oti (Rampai Mohadi), que, pelo tamanho, acha ser uma pessoa muito próxima e enfrenta seu primeiro afastamento de casa; sua amizade com o capitão Mike (Jared Harris), que lhe dá um emprego em seu rebocador, o leva para conhecer um bordel, em cuja saída acaba sendo abordado, sem saber, pelo pai; e o seu envolvimento com Elizabeth Abbott (Tilda Swinton, sempre com uma discrição elegante), mulher de um espião inglês, a qual conhece num hotel em que fica hospedado enquanto aguarda o momento de ir para alto-mar.

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Numa dessas idas e vindas, o rebocador de Mike é chamado para servir na Segunda Guerra, e Benjamin se oferece para integrar a tripulação. Todas essas lembranças são filmadas de maneira delicada por Fincher, utilizando de maneira irrepreensível os cenários, quase sempre vazios, mas acolhedores, como aquele em que Benjamin encontra sua amante (o filme recebeu o Oscar de direção de arte) no hotel. Entre idas e vindas para o asilo, Benjamin não consegue esquecer Daisy, sua paixão desde a infância, desde o momento em que conversa com ela debaixo de uma cabana na sala do asilo, iluminado pelas lanternas (como algum registro perdido de Wes Anderson), e ela se torna dançarina, participando de um grande grupo de balé, levando a uma das mais belas cenas – quando ele a contempla dançar depois de anos em frente a um espelho de estúdio.
O roteiro é de Eric Roth, o mesmo que realizou o de Forrest Gump, a partir de uma história de F. Scott Fitzgerald, talvez por isso haja elementos de ligação entre os dois filmes. O terreno é o da fantasia, pouco experimentado por Fincher, a não ser em Alien 3, com todo seu peso e opressão, expandido em policiais de serial killers de Zodíaco, Seven e Millennium e na claustrofobia de O quarto do pânico e Clube da luta. Mas em Benjamin Button o plano trágico do personagem – de ter sido abandonado e não recebido o amor da mãe, como acontece com Forrest – se destaca nas mãos de Fincher.

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Vemos seu personagem por dentro, ou seja, não é um simples arquétipo de fábula ou uma história universal, mas trágico,  o que é traduzido por uma das melhores interpretações até hoje de Brad Pitt. Nesse sentido, ainda mais interessante o romance atemporal de Benjamin pela amada e a noção de que a origem pode também representar o fim, ou vice-versa, e Cate Blanchett, com seu habitual distanciamento , convence. Todos esses sentimentos são reunidos com singularidade por Fincher, e a atmosfera do filme adquire um grau de melancolia que abrange tanto os afastamentos de Button da família e de Daisy (quase forçados) quanto aqueles em relação aos amigos que ele fará, mas certamente não irá manter, seja pela separação, seja pela perda. Há uma ambientação poucas vezes vista em outros filmes, em que o tempo ganha uma aceleração e uma permanência, uma aproximação e uma distância. Benjamin, ao contrário de Gump, não participa de grandes realizações, mas está permanentemente interessado em concretizar seu amor por Daisy e, quando participa de um acontecimento, como o da Segunda Guerra, é mais como coadjuvante.
Ainda assim, isso parece proposital em Fincher: ele está justamente mostrando um personagem singular, que não consegue se inserir nunca no tempo em que está. Também parece não ter interesse especial por isso: ele está mais interessado em reencontrar o espaço onde foi salvo, como se a ele tivesse de se apegar para a continuidade de sua existência. O espaço do asilo é sempre uma referência para a junção dos tempos que se perderam, assim como os comentários de um senhor sobre fatos de seu passado e os encontros tardios com seu pai.

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O que realmente é curioso no filme de Fincher é como esse quadro sentimental de vários personagens não tenta ser, em nenhum momento, piegas: sua emoção surge não dos personagens, mas da maneira como as imagens foram selecionadas. De inegável beleza toda a trajetória do casal pelos anos 60, pintando o apartamento e vivendo de forma descompromissada, acentuando a solidão de cada imagem; ou de Pitt, lembrando o Marlon Brando de O selvagem da motocicleta, andando numa estrada deserta e encoberta por nuvens escuras.
O filme ganha relevo por meio da bela fotografia de Claudio Miranda e da trilha sonora arrebatadora de Alexandre Desplat (lembrando alguns elementos daquela que Morricone fez para Cinzas no paraíso). Miranda filma Benjamin Button com os detalhes que conhecemos em outras obras de Fincher, e ele prossegue a linha de imagem entre o amarelo e o verde de O quarto do pânico, Zodíaco, e, depois de Benjamin Button, de Millennium e A rede social, sempre com as digitais de Fincher. Cada instante do filme de O curioso caso de Benjamin Button consegue arrebatar pela melancolia.

The curious case of Benjamin Button, EUA, 2008 Diretor: David Fincher Elenco: Brad Pitt, Cate Blanchett, Julia Ormond, Elias Koteas, Jason Flemyng, Taraji P. Henson, Mahershala Ali, Fiona Hale, Elle Fanning, Jared Harris, Tilda Swinton Roteiro: Eric Roth Fotografia: Claudio Miranda Trilha Sonora: Alexandre Desplat Produção: Ceán Chaffin, Kathleen Kennedy, Frank Marshall Duração: 166 min. Estúdio: Paramount Pictures / Warner Bros. Pictures / The Kennedy/ Marshall Company Distribuidora: Paramount Pictures (América do Norte) e Warner Bros. Pictures (Internacional)

Ad Astra – Rumo às estrelas (2019)

Por André Dick

O gênero de ficção científica vem ganhando cada vez mais destaque em Hollywood, principalmente nesta década, quando os efeitos especiais se aprimoraram em grande intensidade, não apenas por causa de franquias rentosas, mas também em razão de filmes mais baseados em conceitos. Nesse sentido, Ad Astra – Rumo às estrelas é uma peça típica dessa fase estabelecida de viagens espaciais.
Brad Pitt, em outro grande momento seu este ano, depois de Era uma vez em… Hollywood, interpreta o major Roy McBride, que é convocado para uma missão no espaço: chegar a Netuno, onde estaria seu pai, Clifford (Tommy Lee Jones), dado como morto desde a sua adolescência, depois de participar do Projeto Lima, no qual se pretendia identificar a existência de vida fora da Terra e que pode estar causando danos ao planeta. A primeira etapa é chegar à lua, ao lado do coronel Thomas Pruitt (Donald Sutherland), amigo de seu pai, na base SpaceCom. O território lunar abriga complexos lembrando um shopping center.

Ali, Roy embarca no foguete Cepheus, com destino a Marte. Há um aviso vindo de uma estação espacial norueguesa, onde ele vai se deparar com babuínos sendo testados cientificamente. Na SpaceCom de Marte, o astronauta conhece Helen Lantos (Ruth Negga), e é colocado para gravar mensagens endereçadas ao Projeto Lima, da qual seu pai faz ou fazia parte. Dali ele parte para Netuno, a fim de que possa esclarecer as dúvidas de sua existência.
O personagem de Roy é um solitário, recém-separado de Eve (Liv Tyler) – e o nome dela obviamente é uma referência bíblica – e que não sabe ao certo o destino de seu pai. O espaço se constitui para ele como um grande lugar para solidão se manifestar. James Gray, naturalmente, tem grande proximidade desse tema depois, principalmente, do belíssimo Amantes, mas também do falho, embora tecnicamente perfeito, Era uma vez em Nova York e do ótimo Z – A cidade perdida, aqui com a solidão da selva. Pitt entrega um desempenho tão contido e emocional que se fica perguntando onde estariam os papéis de sua trajetória capazes de extrair tanto sentimento (em alguns momentos lembra muito o de A árvore da vida). Seu personagem tem elementos do Leonard Kraditor, feito por Joaquin Phoenix em Amantes, na sua insegurança diante das decisões a serem tomadas na vida amorosa.

Na maior parte do tempo, Ad Astra parece uma compilação de referências a 2001 – Uma odisseia no espaço e sua passagem pela lua é uma das mais interessantes já feitas no cinema, ao lado justamente da obra de Kubrick e de O primeiro homem, do ano passado, recordando, numa cena de ação, até mesmo o mais recente Mad Max, com uma profusão sonora de grande qualidade e impacto notável. Ao mesmo tempo, ele recorda muito Interestelar, inclusive pelo diretor de fotografia ser o mesmo Hoyte van Hoytema, e em alguns momentos Gravidade, duas referências do gênero de ficção científica dos últimos anos.
Gray focaliza a solidão humana como ponto de partida para a substituição das figuras paterna e materna finalmente pela mulher amada – e o trajeto que o astronauta faz é um mergulho em si mesmo. Metaforicamente, o filme funciona muito bem, não aparando, porém, algumas arestas da narrativa, soando um pouco abruptos os saltos no roteiro. Os personagens não chegam a ser interessantes, no entanto seus intérpretes buscam um acesso direto ao público, sem passarem pelos diálogos. Neste ponto, ele lembra bastante High life, de Claire Denis, no qual Robert Pattinson faz um astronauta vagando no espaço, inclusive na sua lentidão proposital, sem nenhuma lembrança dos blockbusters de Hollywood, mesmo em seu traço romântico, característica que obtém também da versão de Steven Soderbergh de Solaris.

Se o filme de Denis é mais pessimista do que o de Gray e com efeitos especiais menos imponentes, em base eles procuram pelo mesmo caminho de análise de como o ser humano reage à vastidão das estrelas. Pelo seu orçamento maior, Ad Astra amplia seu escopo com mais brilhantismo visual e um design de produção mais variado, embora não totalmente acertado – Gray é um diretor acostumado a lindas ambientações de época –, e entrega uma fotografia capaz de deixar o espectador com a sensação de pairar no espaço. Lamenta-se apenas que a trilha sonora de Max Richter seja muito intrusiva, vaga e tente emular as de Hans Zimmer, sem a mesma qualidade (imagina-se como o filme cresceria com uma trilha do segundo). A jornada desse astronauta torna-se uma viagem pessoal que se estende a quem a acompanha, e profundamente dolorosa em alguns pontos nos quais Gray sobrepõe o drama à técnica que o cerca. Isso talvez se mostre pela presença de um determinado ator, no seu melhor momento em anos, num momento de profunda melancolia causada pelo espaço. É este ator que, com Pitt, ajuda a justificar mais esta obra de Gray, cuja narrativa, de modo singular, consegue realmente mostrar uma viagem espacial capaz de transformar um indivíduo.

Ad Astra, EUA, 2019 Diretor: James Gray Elenco: Brad Pitt, Tommy Lee Jones, Ruth Negga, Liv Tyler, Donald Sutherland Roteiro: James Gray e Ethan Gross Fotografia: Hoyte van Hoytema Trilha Sonora: Max Richter Produção: Brad Pitt, Dede Gardner, Jeremy Kleiner, James Gray, Anthony Katagas, Rodrigo Teixeira, Arnon Milchan Duração: 124 min. Estúdio: 20th Century Fox, Regency Enterprises, Bona Film Group, New Regency, Plan B Entertainment, RT Features, Keep Your Head Productions, MadRiver Pictures, TSG Entertainment Distribuidora: Walt Disney Studios Motion Pictures

Era uma vez em… Hollywood (2019)

Por André Dick

O cineasta Quentin Tarantino, desde os anos 90, quando lançou Cães de aluguel, Pulp Fiction e Jackie Brown, vem se tornando uma das maiores referências para a cultura pop e mesmo para um cinema voltado a um experimentalismo com temas já conhecidos ou simplesmente parecendo homenagear fases específicas da história. Se os dois Kill Bill enveredavam pelo diálogo com as obras de artes marciais, À prova de morte era uma espécie de homenagem ao cinema dos anos 70 e Bastardos inglórios uma das melhores manifestações de como se tomar liberdade com fatos históricos sem chegar ao desrespeito ou à simples sátira.
Nesta década, Tarantino se voltou ao gênero que sempre idolatrou, principalmente por causa de Sergio Leone e Sergio Corbucci: o do faroeste. Não por acaso, investiu sua trajetória em Django livre e Os oito odiados, o primeiro um faroeste mais clássico, embora com elementos inovadores, e o segundo utilizando a mesma camada de histórias em blocos dos seus demais filmes num ritmo mais europeu.

Lançado no Festival de Cannes, Era uma vez em… Hollywood, pelo próprio título, já estabelece uma ligação direta com o cinema de Sergio Leone, principalmente com os excepcionais Era uma vez no Oeste e Era uma vez na América. No entanto, Tarantino, ao contrário de Leone, é um cineasta mais interessado no aspecto pop e na metalinguagem de sua narrativa.
Ao abordar a vida de um astro de Hollywood dos anos 50 em decadência, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), e a amizade com seu dublê, Cliff Booth (Brad Pitt), que lhe dá carona dia e noite, Tarantino tem um olhar não apenas para o cinema antigo, aquele de Wilder em Crepúsculo dos deuses, no qual uma atriz se mostrava esquecida numa mansão para redescobrir uma nova chance com um roteirista em desuso, como também para sua linguagem como meio de expressão e reflexo da vida.

É interessante como Tarantino acompanha esse astro inicialmente, numa conversa com um produtor, Marvin Schwarz (Al Pacino), capaz de lhe trazer novos trabalhos, embora não sejam os que pretendia ter, e, ao mesmo tempo, regressando em flashback aos filmes feitos por ele. Em seguida, Tarantino, como em Pup Fiction, estabelece pacientemente o cenário, mostrando Dalton em sua casa nas colinas de Los Angeles, tendo como vizinhos o cineasta Roman Polanski (Rafał Zawierucha) e sua esposa Sharon Tate (Margot Robbie). Quando Tarantino mostra o casal indo a uma festa, ele o revela mais do que como o símbolo de uma época do que como personagens – e talvez não se discorde que, apesar da cena do cinema, Margot Robbie não chega a ter chance de mostrar seu grande talento como atriz.
Dalton, por sua vez, entra em estúdio para filmar uma série considerada exótica, com um diretor idem, Sam Wanamaker (Nicholas Hammond), um parceiro de cena engraçado, James Stacy (Timothy Olyphant), e se depara com uma jovem atriz, Trudi Fraser (Julia Butters), cuja presença parece trazer a ideia do que ele gostaria de ser: um ator de respeito. Essas passagens talvez sejam as mais sensíveis da carreira de Tarantino, que nunca teve exatamente na calmaria absoluta seu caminho.

Esses momentos remetem a obra a um diálogo inexplicavelmente bem feito, apesar de aleatório: enquanto o espectador acompanha Dalton em suas filmagens, também vê  Sharon Tate indo assistir ao filme dela recém-lançado no cinema, quando a fotografia de Robert Richardson melhor capta a atmosfera de 1969.. A maneira como Tate se vê na tela e como ele gostaria de se ver é um dos grandes momentos do cinema recente. Ao mesmo tempo, acompanhamos Booth numa peregrinação estranha a uma comunidade, onde encontra um antigo dublê, George Spahn (Bruce Dern), com o qual trabalhou. Essas histórias parecem independentes, no entanto, além da metalinguagem, é evidente que elas conversam entre si: entre a realidade e o mundo imaginário do cinema pode haver menos distância.
Era uma vez em… Hollywood é um filme em parte comportado para os padrões de Tarantino, com diálogos aparentemente deslocados, no entanto, como é de praxe, eles ressoam no conjunto e estabelecem uma unidade. Por outro lado, nessa espécie de retração, Tarantino parece expandir sua visão: as obras das quais ele trata de forma mesmo clara se sentem mais a serviço da composição dos personagens. Dalton, por exemplo, é uma figura introspectiva, feita na medida certa por DiCaprio, tendo como referência sua atuação em O lobo de Wall Street. Enquanto Martin Scorsese conseguiu extrair dele uma veia histriônica quase insuspeita, Tarantino a reaproveita sob um olhar mais saudoso – do cinema que homenageia. Sua amizade com Brad Pitt também é bem desenvolvida. Ótimo ator, Pitt talvez esteja aqui em seu melhor momento da década ao lado daquele de À beira mar.

Entre os temas culturais, Tarantino foca um pouco no universo hippie e, de certo modo, parece uma visão oposta àquela de Milos Forman em Hair. Usando um humor perverso, ele abdica de fazer qualquer desenho empático e opta pela sátira e pela ameaça, principalmente nas figuras de Pussycat (Margaret Qualley, novamente um destaque depois de Novititae) e Lynette “Squeaky” Fromme (Dakota Fanning). Importa, para o entendimento, o entrelaçamento entre a comunidade dos hippies e a série de faroeste filmada por Dalters, como se representassem um universo só, não exatamente o antigo ou o contemporâneo, em que se passa a ação, principalmente quando Charles “Tex” Watson (Austin Butler) cavalga por uma planície depois de abandonar turistas numa visita às colinas de Hollywood (para Tarantino, o destino do gênero, mesmo que ele tenha vários exemplares de qualidade nos últimos anos, inclusive seus filmes). Um rancho com uma comunidade de hippies parece virar o cenário de um duelo. O cineasta, mais uma vez, mesmo se aproveitando de elementos históricos, não está interessado em seguir o esperado, uma característica sua e no ato final empreende um humor característico de sua obra de maneira ampla. Há referências claras ao período dos anos 70 de Robert Altman, principalmente Um longo adeus, e é visível que Tarantino acompanha o trabalho mais recente de Paul Thomas Anderson, especificamente Vício inerente, ao estender longas sequências que parecem inúteis e, na verdade, são indispensáveis para entender o contexto de época, com um design de produção sempre destacado. Nesse sentido, Era uma vez em… Hollywood se mostra um filme mais interessado na dinâmica entre personagens tão distantes quanto próximos, independentes de longas conversas, e em como a paisagem ajuda a estabelecer vínculos, entregando novos elementos na obra de Tarantino.

Once upon a time in… Hollywood, EUA, 2019 Diretor: Quentin Tarantino Elenco: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Emile Hirsch, Margaret Qualley, Timothy Olyphant, Austin Butler, Dakota Fanning, Bruce Dern, Al Pacino, Kurt Russell Roteiro: Quentin Tarantino Fotografia: Robert Richardson Produção: David Heyman, Shannon McIntosh, Quentin Tarantino Duração: 161 min. Estúdio: Columbia Pictures, Bona Film Group, Heyday Films, Visiona Romantica Distribuidora: Sony Pictures Releasing

Thelma & Louise (1991)

Por André Dick

Durante alguns anos, depois do sucesso de público e crítica de Os duelistasAlien e Blade Runner – o terceiro de forma tardia –, Ridley Scott tentou encontrar um novo rumo para sua carreira. Realizou obras como A lenda, Perigo na noite e Chuva negra, para chegar à consagração, nos anos 90, com Thelma & Louise. Mesmo que não tenha sido indicado ao Oscar de melhor filme, Scott teve sua primeira nomeação, assim como seu elenco feminino.
Geena Davis é Thelma Dickinson, dona de casa infeliz por causa do marido egoísta, Darryl (Cristopher McDonald). Amiga da garçonete Louise Sawyer (Susan Sarandon), casada com o músico Jimmy (Michael Madsen), as duas partem em viagem a bordo de um Thunderbird 1966. No caminho, Thelma precisa ser protegida pela amiga de um homem (Timothy Carhart), desencadeando uma situação imprevisível que atrai a polícia no encalço das duas, promovendo uma caçada. Enquanto Thelma conhece JD (Brad Pitt), um cowboy de estrada errante, Louise tenta ser a ponta extrema, tentando trazer equilíbrio. As duas, porém, se sentem insatisfeitas com suas vidas, e o acontecimento que desencadeia a história parece apenas complementar essa sensação (daqui em diante, spoilers).

Iniciando a jornada no Arkansas, rumo ao interior dos Estados Unidos, com suas planícies que se perdem de vista, Ridley Scott quer mostrar as duas como símbolos femininos, de desejo de liberdade, e consegue. Mas o faz caindo algumas vezes em poucas nuances, embora a roteirista Callie Khouri substitua certo drama pela ação de em momentos-chave de forma convincente. Isso porque a polícia planeja para capturar as duas e o chefe da operação, Hal Slocumbe (Harvey Keitel), não chega a convencer por causa do roteiro apressado em seu caso, embora Keitel seja ótimo intérprete. Slocombe acaba sendo o personagem masculino mais elaborado, uma espécie de psiquiatra do caso que está ocorrendo com as duas, tentando entender o que as leva a agir de forma extremada. No entanto, Ridley Scott emprega uma direção tão boa e os diálogos fluem de maneira tão precisa que o espectador permanece atento até o final antológico. E as duas personagens centrais combinam, cada uma com personalidade definida.

O roteiro, vencedor do Oscar, aponta linhas interessantes, deixando a impressão de que, num panorama de libertação de mulher, Thelma e Louise simbolizam a própria época na qual vivem. Isso, no entanto, é apenas aparente. Em Tomates verdes fritos, lançado também em 1991, uma senhora (Kathy Bates) conhece uma idosa (Jessica Tandy) numa clínica, e a mais experiente decide contar a história de duas mulheres que, para se manterem amigas, enfrentaram alguns homens e a Ku Klux Khan, que vinham em busca de afrodescendentes no vilarejo onde elas moravam. Já em Thelma & Louise, Scott brinca com os estereótipos: o caminhoneiro (Marco St. John) com que se deparam prova do próprio tipo que emprega. A mulher se vinga à altura do que tentaram lhe fazer e passa a agir de forma diferente, porém, no fundo, reserva uma imagem para si própria, que não é a do homem, nem a de ocupar o espaço dele, e sim o seu lugar: o fato definitivo é colocar em questão as maiores características de ambas, também de mudança geracional. Num momento interessante, duas senhoras observam Louise com o olhar triste pela janela de um estabelecimento e ela imagina que a consideram desarrumada: quando vai passar o batom, ela o joga fora. As duas senhoras parecem almejar a liberdade que a imagem de Louise, mesmo em fuga, proporciona. Este, porém, é apenas um exemplo em meio a tantos, alguns subentendidos. Alguns anos antes, George Miller já havia tratado de algumas questões sob o tom da comédia em As bruxas de Eastwick.

A dupla de amigas se envolve com novos problemas e sua saída é fugir para o México, como faziam os cowboys no Velho Oeste. O medo delas é, na verdade, sua maior fortaleza. Mas Thelma e Louise não chegam a se considerar invencíveis, e Scott deixa isso claro. Não é incomum se esperar nisso de Ridley Scott, que fez personagens femininas anteriormente tão marcantes, como a Ripley de Alien e a Rachel de Blade Runner.
Quem se destaca mais é Geena Davis, que surpreende num papel difícil. Susan faz uma Louise antológica, no entanto Ridley, seguindo o tom de Chuva negra, um sucesso de bilheteria, na dose equilibrada entre seu visual e a narrativa, não chega a se arriscar, apesar dos bons movimentos de câmera, e, com uma bela fotografia de Adrian Biddle e algumas músicas country de qualidade, opta por fazer um road movie clássico e libertador. Embora sua narrativa soe às vezes superficial, não pelas atrizes, trata-se de uma de suas grandes conquistas como diretor. Por sua vez, certamente influenciada por Vanishing Point, por exemplo, a mescla entre drama, humor e ação é o grande trunfo do roteiro de Khouri.

Thelma & Louise, EUA, 1991 Diretor: Ridley Scott Elenco: Susan Sarandon, Geena Davis, Harvey Keitel, Michael Madsen, Cristopher McDonald, Brad Pitt, Timothy Carhart, Marco St. John Roteiro: Callie Khouri Fotografia: Adrian Biddle Trilha Sonora: Hans Zimmer Produção: Ridley Scott eMimi Polk Gitlin Duração: 129 min. Estúdio: Pathé, Percy Main Productions, Star Partners III Ltd., Metro-Goldwyn-Mayer Distribuidora: Metro-Goldwyn-Mayer

War machine (2017)

Por André Dick

Um dos lançamentos este ano da Netflix, War machine (que ficou sem título em português) é uma comédia de guerra nos moldes de Uma repórter em apuros, de qualidade, com Tina Fey e Martin Freeman. No entanto, ao contrário de jornalistas, o roteiro mostra mais exatamente a rotina dos militares na Guerra do Afeganistão. Eles são coordenados pelo general Glen McMahon (Brad Pitt), personagem baseado no general Stanley McChrystal. Ele chega ao país tentando conversar com o presidente Hamid Karzai (Ben Kingsley), que não o leva muito a sério, e tem entre seus comandados Willy Dunne (Emory Cohen), Greg Pulver (Anthony Michael Hall) e Matt Little (Topher Grace), seu assessor de imprensa. McMahon também conhece o soldado Ricky Ortega (Will Poulter), mais comedido, e o rebelde Billy Cole (Lakeith Stanfield). A questão é que ele está lá para ganhar a guerra e não simplesmente controlá-la, como pedem seus superiores, entre eles Pat McKinnon (Alan Ruck), Edith May (Sian Thomas), Dick Wabble (Nicholas Jones) e Ray Canucci (Griffin Dune). Para o general, ganhar significa tentar convencer o povo de que as tropas dos Estados Unidos estão ali para educar.

É muito fácil avaliar o filme sob o ponto de vista político, e ele não é exatamente favorável ao comportamento na área bélica de Barack Obama (herdado de George W. Bush), traço já analisado também no ótimo Castelo de areia, mas o diretor australiano David Michôd não tem exatamente o intuito de apresentar uma peça social. Ele é bastante satírico no modo como mostra o general feito por Pitt, num overacting que faz lembrar seu Aldo Raine de Bastardos inglórios, e particularmente achei o ator num de seus melhores momentos, com timing de humor ótimo. Os coadjuvantes, principalmente Hall (dos filmes sobre adolescentes de John Hughes), estão muito bem, auxiliando realmente na narrativa.
Em certos momentos, como o encontro do general com a mulher, Jeanie (Meg Tilly, surpreendente, uma das principais atrizes dos anos 80), a dramaticidade está presente, mas em geral o filme se situa entre ser um MASH e um Patton (principalmente este) contemporâneos, com uma excelente fotografia de Dariusz Wolski, habitual colaborador de Ridley Scott e Woody Allen. Há também uma interessante composição sobre a maneira com a qual o estrangeiro se infiltra em outro país, o que podemos ver sob o ponto de vista mais bem-humorado também no recente Rock em Cabul, com Bill Murray.

Especialmente bem feito é o jantar em que comparecem Glen e sua esposa Jeanie, em homenagem ao Afeganistão, no qual ele comete uma ligeira confusão de postos de homenagem e homenageado, ou quando o casal fica a sós para discutir a relação e tudo se resume, para o comandante, a uma questão de calendário.
Se as melhores falas parecem ser de Greg Pulver, feito por Hall, sintetizando o absurdo da guerra e as mudanças de rumo quando se está em jogo a política e não exatamente a salvação de vidas humanas, é uma pena que Michôd, que dirigiu o excelente Reino animal e o irregular The rover, se estenda um pouco mais no terceiro ato e tire um pouco o foco do personagem central, o que atenua a agilidade. Quando se dá mais espaço para o campo de combate, a obra parece tentar algum diálogo com Nascido para matar e outros recentes do gênero, sobretudo os filmes de Bigelow, não trazendo exatamente nenhuma novidade, a não ser uma sátira em relação ao comportamento dos comandantes dessas tropas. Ainda assim, War machine é um filme muito interessante sobre os efeitos da guerra e a posição de quem imagina controlar tanto ela quanto as vidas com que lida.

Tal elemento é explorado nos diálogos de Glen com Hamid Karzai, numa atuação cômica exitosa de Kingsley, normalmente boa escolha para esses papéis, a exemplo do que já mostrou em O ditador. Baseado num artigo de Michael Hastings (no filme, Scoot McNairy) escrito para a Rolling Stone, o filme está sendo criticado principalmente por mostrar Obama como um presidente que deu espaço a militares excêntricos. Neste sentido, a obra em si de Michôd não é discutida. Está se perdendo a carga de crítica ressonante que ela apresenta, principalmente se lembrarmos outros filmes de guerra este ano tão elogiados e sem a resposta devida em qualidade. E lembre-se ainda que o trecho final, com a participação inesperada de um astro do cinema, é um dos encerramentos mais eficientes do ano, mostrando a circularidade de uma guerra em que se não havia razão no início tampouco terá em seu final.

War machine, EUA, 2017 Diretor: David Michôd Elenco: Brad Pitt, Emory Cohen, RJ Cyler, Topher Grace, Anthony Michael Hall, Anthony Hayes, John Magaro, Scoot McNairy, Will Poulter, Alan Ruck, Lakeith Stanfield, Josh Stewart, Meg Tilly, Tilda Swinton, Ben Kingsley Roteiro: David Michôd Fotografia: Dariusz Wolski Trilha Sonora: Nick Cave/Warren Ellis Produção: Brad Pitt, Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Ted Sarandos, Ian Bryce Duração: 122 min. Estúdio: Plan B Entertainment, New Regency, RatPac Entertainment Distribuidora: Netflix

Aliados (2016)

Por André Dick

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Depois de apostar em animações na década passada, como Beowulf, O expresso polar e Os fantasmas de Scrooge, Robert Zemeckis vai aos poucos regressando aos filmes com atores: primeiro, foi O voo, com uma atuação notável de Denzel Washington, o segundo A travessia, apresentando Joseph Gordon-Levitt num papel curioso, e agora Aliados. Zemeckis foi uma das grandes descobertas de Steven Spielberg. Revelado no divertido Febre da juventude, sobre um grupo de jovens que tentava chegar aos Beatles antes de eles se apresentarem num programa dos Estados Unidos, Zemeckis coescreveu 1941 e realizou algumas pérolas dos anos 80, a exemplo de Tudo por uma esmeralda, De volta para o futuro e Uma cilada para Roger Rabbit, esses dois últimos produzidos por Spielberg. Nos anos 90, completou a trilogia de De volta para o futuro e dirigiu Forrest Gump, que lhe deu os Oscars de melhor filme e direção, além da já clássica ficção científica Contato, tendo Jodie Foster e Matthew McConaughey à frente do elenco. Ainda na virada do século ele realizou uma das melhores obras com Tom Hanks, Náufrago.
Baseado num roteiro de Steven Knight, Zemeckis mostra o encontro na Segunda Guerra Mundial de um oficial da inteligência canadense Max Vatan (Brad Pitt) e a integrante da Resistência Francesa Marianne Beausejour (Marion Cotillard). Eles viajam para Casablanca, no Marrocos, a fim de empreenderem uma missão contra nazistas. Isso porque Marianne tem contatos com os alemães e faz com que ambos possam ingressar num determinado local.

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Ambos se mostram interessados em serem verdadeiramente um casal, também para disfarce, principalmente por parte de Marianne. A aproximação surge aos poucos, embora a princípio Max queira se concentrar apenas nas suas tarefas como espião, e uma tempestade no deserto é vista como o ponto de conciliação entre duas pessoas solitárias. Já envolvido, ele passa a desconfiar que Marianne pode ser uma espiã da Alemanha. Os seus superiores, principalmente Frank Heslop (Jared Harris) e um oficial da SOE (Simon McBurney), passam a querer que ele faça testes a fim de provar isso, e o filme segue a linha de um thriller de espionagem com toques de romance.
Max entra em contato com alguns homens, Guy Sangster (Matthew Goode), e um piloto chamado George Kavanagh (Daniel Betts), a fim de descobrir se ela de fato pode não ser a pessoa que diz que é. Sua única familiar a dividir seus receios é a irmã Bridget (Lizzy Caplan, subaproveitada) e, a partir desse ponto, Aliados se mostra como a construção de um homem acuado por um futuro que terá de construir em desconfiança. Nesse sentido, Cotillard constrói uma Marianne de maneira interessante: se, por um lado, sabemos que ela tem um preparo para o combate, ela se mostra vulnerável na maioria das vezes. O espectador, porém, não tem certeza se ela é uma pessoa que pode prejudicar ou não Max e viver uma vida tranquila com ele.

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A narrativa simples trata, na verdade, do enigma de estar apaixonado por alguém que verdadeiramente não se conhece, o que rende, por parte do roteiro, sequências em que o personagem de Pitt se sente realmente conturbado. É interessante como ele em nenhum momento se sente disponibilizado às tarefas que precisa efetuar e, nesse sentido, a possível vida tranquila que poderia ter com Marianne representa o reencontro com suas próprias origens longe da carreira que empreendeu. Os símbolos que Zemeckis distribui ao longo da história remetem algumas vezes a outras obras, como Império do sol e Ponte dos espiões, ambos de Spielberg, principalmente na empatia melancólica que os personagens centrais despertam – longe de qualquer manifestação de êxito, esses são personagens que procuram apenas o sossego em meio ao eclipse humano de uma Guerra Mundial.
Até certo ponto, parece que Zemeckis deseja oferecer uma versão romântica da Segunda Guerra Mundial – e as batalhas aéreas que ele filma lembram sobretudo as de Esperança e glória, dos anos 80 – quando, na verdade, está mostrando como esta faceta pode ser colocada em dúvida ou mesmo corrompida quando não existe num ambiente capaz de mantê-la.

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A química entre Pitt e Cotillard só perde em destaque para a fotografia brilhante de Don Burgess e para a reconstituição de época detalhista. Existe aqui, no mote da história de Knight, autor de roteiros como o de Senhores do crime, de Cronenberg, não apenas uma clara homenagem ao clássico Casablanca, como referências a O céu que nos protege e Bastardos inglórios. Como nesses filmes – o de Bertolucci mostra especificamente um casal em crise numa viagem pelo Saara depois da Segunda Guerra Mundial –, os personagens são enigmáticos, e não se sabe muito bem qual o posicionamento de cada um. O clima é de uma peça europeia, bem mais lento do que normalmente um filme norte-americano costuma ser, com revelações sendo feitas aos poucos, sem nenhuma pressa. Possivelmente faltam alguns elementos: a narrativa não desenvolve os personagens centrais de maneira que o espectador possa se interessar mais por eles, e algumas soluções soam excessivamente fáceis. De qualquer modo, esta é uma história com reais atrativos e que Zemeckis entrega ao espectador com sua competência habitual de artesão.

Allied, EUA, 2016 Diretor: Robert Zemeckis Elenco: Brad Pitt, Marion Cotillard, Jared Harris, Matthew Goode, Lizzy Caplan,Simon McBurney Roteiro: Steven Knight Fotografia: Don Burgess Trilha Sonora: Alan Silvestri Produção: Graham King, Robert Zemeckis, Steve Starkey Duração: 124 min. Distribuidora: Paramount Pictures Brasil Estúdio: GK Films / Paramount Pictures

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A grande aposta (2015)

Por André Dick

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Este novo filme de Adam McKay, diretor de O âncora, Ricky Bobby e Quase irmãos (todos com Will Ferrell) e também presente na direção e roteiros de Saturday Night Live, é baseado num livro escrito por Michael Lewis, sobre a crise financeira de 2007-2008, causada, como todos sabem, por uma bolha no mercado imobiliário. Em 2005, a possibilidade de isso acontecer, especificamente em 2007, é antevista por Michael Burry (Christian Bale). Ele configura esse mercado como completamente instável, baseado em empréstimos fora de qualquer padrão. Visto como uma pessoa antissocial (e assumindo-se como tal), ele vai a vários bancos para tirar lucro da ideia, apostando o dinheiro da empresa para ganhar em cima da esperada perda na área. Os bancos apostam que o mercado é seguro, e ele acaba sendo visto como um desequilibrado; riem dele pelas costas.
Num determinado local, quem ouve a história de suas peregrinações é Jared Vennett (Ryan Gosling), que logo nota que as previsões são verdadeiras, e se junta a Mark Baum (Steve Carell). Os dois descobrem que a possível quebra está ligada a CDOs, grupos de empréstimo. Baum trabalha com Porter Collins (Hamish Linklater), Danny Moses (Rafe Spall) e Vinnie Daniel (Jeremy Strong), tentando ser convencida pela esposa, Cynthia (Marisa Tomei), a largar a profissão e o universo de Wall Street. A profissão de quem lida com o dinheiro é constantemente satirizada em A grande aposta e associada, como no filme de Scorsese, a strippers e boates onde ele é jogado pelos ares.

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Há também, na mesma escala, os investidores Charlie Geller (John Magaro) e Jamie Shipley (Finn Wittrock), sabendo das ideias de Burry por via indireta, que passam a trabalhar para o ex-banqueiro Ben Rickert (Brad Pitt). Todos esses personagens estão envolvidos com a mesma possibilidade, no entanto nunca são vistos juntos, ou seja, eles apenas anteveem o que irá acontecer sem terem certeza de que isso acontecerá – ao mesmo tempo em que têm essa certeza.
McKay trabalha com esse elenco de maneira muito competente, mas estranhamente desigual, sendo prejudicado pela montagem, que dá espaço maior a personagens não tão interessantes quanto os de Bale, Pitt, Rosling e Carell, os principais (e fiquei imaginando se tivessem conseguido encaixar aqui Jim Carrey em seus melhores momentos). Todos estão muito bem, especialmente Carell, na atuação dramática que poderia ter lhe rendido uma nova indicação ao Oscar e complementa, em outro plano, aquela excelente que teve em Amor a toda prova (em que também contracena com sua esposa aqui, Tomei). O personagem de Bale é fascinante, principalmente no início, quando lhe é dado um merecido espaço, com suas manias, fuga do stress por meio de uma bateria e a Síndrome de Asperger. McKay, ainda assim, se equivoca ao restringi-lo somente a um espaço, sendo como o homem que não vê os outros, mas sabe tudo o que irá acontecer aos outros. Falta, digamos, um ponto alto, capaz de atrair todos os personagens, mesmo separados, para o mesmo núcleo dramático.

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O roteiro é bastante complexo, principalmente para quem não sabe os detalhes da crise, ou seja, em certos momentos parece mais para o público norte-americano. No início, existe a impressão de que se trata mais de uma comédia satírica sobre o que aconteceu, porém, aos poucos, vai se anunciando mais um drama nas entrelinhas referentes aos personagens, sobretudo nas atuações de Pitt e Carell, às vezes oportunizando mesmo uma lição de moral, o que seria dispensável diante do que o filme nos mostra (e dificilmente A grande aposta pode ser visto como uma comédia, do modo como é vendido, não mais, por exemplo, do que um Cosmópolis, uma sátira ferina de Cronenberg tanto ao capitalismo exacerbado quanto aos ocupantes de Wall Street).
Há uma agilidade sensível na direção, ao mostrar personagens falando para a câmera. Isso às vezes funciona, outras não (passa a ser um recurso estranho quando ele se ausenta por muito tempo), no entanto a montagem vai selecionando muitas imagens para que o espectador nãos e distraia, mesmo que não entenda plenamente o contexto. Para isso, ele coloca Margot Robbie (curiosamente de O lobo de Wall Street) e Selena Gomez para dar explicações práticas das negociações em andamento, sobretudo, no segundo caso, quando há uma reunião em Las Vegas para discutir os rumos da economia. Há uma certa linguagem moderna que, por vezes, acaba se chocando com as reflexões do filme, mais exatamente do personagem de Carell, e isso cria um conflito claro na estrutura.

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Às vezes, ele lembra O lobo de Wall Street pela bateria de diálogos rápidos (Pitt tentou, lembremos, comprar os direitos e fazer esse filme), assim como uma excelente obra dos anos 90, chamado O sucesso a qualquer preço. E é interessante como todos os atores envolvidos no projeto já participaram de filmes com uma sátira ou crítica ao chamado capitalismo (mesmo Gosling fez Lost river, que trata também de pessoas sendo desalojadas e não deixa de ser uma metáfora da bolha financeira de 2008). Mas aqui não há o talento de Martin Scorsese quando, em O lobo de Wall Street, desmontou esse universo com o auxílio da atuação de DiCaprio. Havia mais foco na maneira como se dava esse olhar, e os personagens eram caricaturais, sem nenhum moralismo, quando aqui pelo menos o personagem de Pitt aparece para dizer palavras capazes de mostrar os verdadeiros erros. É interessante como McKay, um diretor de comédias, acaba levando mais a sério e querendo demonstrar com dados e definições de conceitos esse universo. Tudo é entregue para que o espectador possa selecionar as partes capazes de deixar o panorama mais claro; às vezes não fica, mas o elenco se esforça.
Mesmo com todas as falhas, ainda há mais virtudes em A grande aposta e uma real vida nas atuações, sem a neutralidade forçada e esforçada, por exemplo, de um Spotlight. Nisso, a fotografia de Barry Ackroyd, apesar de lembrar bastante a da série The Office (com Carell), e outras séries, diga-se de passagem, oferece um movimento ininterrupto e capta melhor os cenários, seja do centro de Nova York, dos escritórios ou de Las Vegas. A grande aposta acaba tendo como referência uma dissolução interessante de gêneros no fim das contas, além de contar com um elenco estelar em grande forma, apesar de alguns não terem o tempo necessário para poderem brilhar, talvez mesmo porque não quisessem, com a consciência de que o roteiro e a visão sobre o colapso financeiro e suas consequências até hoje, inclusive seu reaproveitamento sob outras formas, conta mais para o espectador ter consciência sobre o tema.

The big short, EUA, 2015 Diretor: Adam McKay Elenco: Christian Bale, Steve Carell, Ryan Gosling, Brad Pitt, Finn Wittrock, Marisa Tomei, Max Greenfield, John Magaro, Karen Gillan, Melissa Leo, Hamish Linklater, Billy Magnussen, Rafe Spall, Tracy Letts Roteiro: Adam McKay, Charles Randolph Fotografia: Barry Ackroyd Trilha Sonora: Nicholas Britell Produção: Brad Pitt, Dede Gardner Duração: 130 min. Distribuidora: Paramount Pictures Estúdio: Plan B Entertainment / Regency Enterprises

Cotação 3 estrelas e meia

 

À beira mar (2015)

Por André Dick

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A cada ano, surge uma série de filmes bastante superestimados pelo público e pela crítica, alguns em mais intensidade e outros menos. E há aqueles que simplesmente são renegados como se estivessem entre as piores obras feitas durante o ano. Um dos casos mais sintomáticos é o de À beira mar. Logo depois de Invencível, filme sobre a Segunda Guerra Mundial, Angelina (agora assinando com os sobrenomes Jolie Pitt) se caracterizou como a diretora deixada de lado pelo Oscar – uma vez que seu filme era visto como um dos favoritos à estatueta. Em seguida, ela abandonou o escopo épico de Invencível, claramente subestimado, para se deter num drama íntimo, filmado com Brad Pitt, com quem é casada e forma o casal de Hollywood mais conhecido. Este movimento já havia sido perseguido por Stanley Kubrick em De olhos bem fechados, ao reunir Tom Cruise e Nicole Kidman sobre os mistérios da noite e de um casal em vias de se separar.
Em À beira mar, o roteiro é completamente diferente: ele parece recorrer mais àqueles filmes dos anos 70 de Éric Rohmer em que os silêncios se produziam em mais quantidade do que os diálogos e nunca fica bem entendida a relação entre os casais. Não por acaso, o filme de Jolie Pitt foi recepcionado como uma diluição desses filmes. Mais recentemente, tivemos a trilogia de Richard Linklater acompanhando o casal Jesse e Celine por paisagens europeias. Comparado a essa trilogia, À beira mar se sente quase como um filme sem roteiro, devido aos poucos diálogos e a uma repetição do cotidiano durante vários dias.

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No entanto, isso pode esconder o mesmo olhar que Jolie Pitt – atriz em relação à qual nunca tive especial admiração, mesmo em suas melhores interpretações – já mostrava em Invencível: ela prefere captar o ambiente e as atuações do que exatamente seguir uma narrativa linear. E a atmosfera de À beira mar talvez seja ainda mais forte do que aquela que vemos em Invencível, com o casal Vanessa (Jolie Pitt) e Roland (Pitt), escritor que se despediu dos tempos mais inspirados por meio de sobredoses de álcool, que chegam a uma praia de Malta.
Visivelmente abatida por uma depressão, Vanessa passa a maior parte do tempo na cama, enquanto Roland finge que tentará escrever na taverna de Michel (Niels Arestrup). Determinado dia, chega um casal recém-casado ao lugar, Lea (Mélanie Laurent) e François (Melvin Poupaud). Vanessa e Roland passam a observá-los por meio de um buraco existente na parede do quarto, fazendo com que a intimidade alheia passe a ser a intimidade que eles não têm mais. Trata-se de uma história bastante concisa e pouco expansiva, mas Jolie Pitt, como em Invencível, consegue extrair uma densidade e solidão desse par de casais. Os enquadramentos que ela dá à cidade costeira, por meio da direção de fotografia de Christian Berger, são realmente dedicados, e os detalhes dos figurinos – por exemplo, quando Vanessa chega está sempre com vestidos escuros, e quando passa a tentar encontrar uma saída para seu abatimento surgem cores claras e vermelhas  –, além do design de produção de Jon Hutman, que trabalhou com Angelina em Invencível, ajudam a construir também a narrativa.

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Jolie Pitt se encontra num bom momento como atriz, mas é de Brad que ela consegue extrair aquela que seja a atuação mais detalhada e notoriamente envelhecida do astro. Não apenas porque À beira mar também faz o contraste entre um casal mais velho – e Brad e Jolie Pitt não estendem nenhum traço de egocentrismo, pelo contrário eles parecem mostrar uma determinada aceitação de culpa e de envelhecimento, de tédio diante do que consideram seu casamento – e um mais jovem, sempre sob uma ótica interessante de que a paisagem externa, belíssima, pode não atrair e mostrar mais do que detalhes na parede. Nesse sentido, Roland passa, às vezes, a ser um narrador do que acontece no quarto ao lado, como se ele estivesse escrevendo uma nova obra, e também estivesse tentando salvar o seu casamento por meio dessa comparação.
Que alguns críticos, como Peter Travers, tenham extraído uma analogia, por causa de um diálogo, de que À beira mar cheira a peixe podre, não é de se surpreender. Melhores são as comparações de Angelina: entre as rochas e o mar e a água da banheira onde submerge também como se colocasse a melancolia em primeiro lugar; as cortinas balançando e o pescador que volta todos os dias de sua ida ao mar; o olhar agridoce do personagem de Pitt diante de Michel e sua saudade da esposa; a dualidade entre a escrita disfarçada e aquela que surge do contato com a realidade.

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Esta parece mais interessada em vislumbrar a juventude de Lea e François, como se eles fossem recuperar a dela. Lamentavelmente, no empuxe final do terceiro ato parece que a ambição de Angelina Jolie em filmar um estudo europeizado de personagens vindos dos Estados Unidos se perde em certo simplismo, e Mélanie Laurent é claramente subaproveitada; isso, porém, não é o bastante para prejudicar a narrativa e tirar o seu lado enigmático.
Mais do que tudo, À beira mar é sobre a perda de uma juventude e o encontro com uma possível melancolia da qual é preciso sair quando se tem ainda vigor e vontade. Esse é um registro arriscado de Jolie Pitt, mais próximo do cinema europeu, não apenas de Rohmer, como de Antonioni, e serve como uma espécie de assinatura de seus conceitos como diretora, que deseja seguir uma linha certamente independente, mesmo com a possibilidade de fazer apenas outros filmes que sigam a um Sr. e Sra. Smith. É um filme sobre o significado que move um casal, sobre suas ambições e seus receios de se encontrar. Uma grande surpresa.

By the sea, EUA/FRA, 2015 Diretora: Angelina Jolie Pitt Elenco: Angelina Jolie Pitt, Brad Pitt, Mélanie Laurent, Melvil Poupaud, Niels Arestrup Roteiro: Angelina Jolie Pitt Fotografia: Christian Berger Trilha Sonora: Gabriel Yared Produção: Angelina Jolie Pitt, Brad Pitt Duração: 122 min. Distribuidora: Universal Pictures Brasil Estúdio: Jolie Pas / Universal Pictures

Cotação 4 estrelas e meia