Por André Dick
O diretor Destin Daniel Cretton, Andrew Lanham e Marti Noxon fizeram o roteiro desta aguardada adaptação de O castelo de vidro, de Jeanette Walls, com um elenco em alta conta e visando às premiações principais do fim do ano. Se não houve uma resposta à altura do esperado, o novo experimento do diretor de Temporário 12 tenta contar de maneira atrativa a história de Jeanette Walls (Brie Larson na versão adulta, Ella Anderson na versão jovem e Chandler Head na versão infantil), filha de Rex (Woody Harrelson) e Rose Mary (Naomi Watts), dois pais errantes.
Ela lembra do passado com os irmãos Lori (Sarah Snook na versão adulta, Sadie Sink na versão jovem e Olivia Kate Rice na versão infantil), Brian (Josh Caras na versão adulta, Charlie Stowell na versão jovem e Iain Armitage na infantil) e Maureen (Brigette Lundy-Paine na versão adulta, Shree Crooks na versão jovem e Eden Grace Redfield na versão infantil), enquanto está num compromisso sério com David (Max Greenfield).
Trata-se de uma história autobiográfica, sobre uma família disfuncional, em que o pai alcóolatra leva a família para viver a verdadeira liberdade pelas estradas dos Estados Unidos, alugando casas diferentes e fugindo de federais. Qualquer semelhança com Capitão Fantástico não é mera coincidência, mas aqui há uma base dramática mais acentuada, principalmente nos conflitos de Jeanette com seu pai. Como lidar com alguém que imagina não possuir o problema que de fato tem? Se no início Jeanette é tirada de um hospital com queimaduras no corpo porque não seria o ambiente propício para cuidá-la, como se sentir segura com alguém que não cumpre as promessas? O espectador lembra que Temporário 12, filme anterior de Cretton, mostrava crianças abandonadas recolhidas num abrigo, a partir das memórias do próprio diretor. Aqui essas crianças não estão abandonadas, mas inseridas num sistema em que não estão preparadas para se adaptar. Não fica muito claro por que Rex age desse modo, mas o momento em que volta à sua casa de origem pode oferecer explicações indiretas e não expositivas (o roteiro é muito bem pensado). Junto a isso, a fotografia de Brett Pawlak captura uma certa solidão impositiva.
O castelo de vidro é um filme muito interessante na maneira como apresenta seus personagens. Se Rex é um easy rider, a mãe é uma pintora (abstrata, como ela diz), tentando manter sua arte enquanto não há o que servir para os filhos. Há uma mescla de drama com moldes gregos aqui, mas sem acentuar a tragédia e sim mostrando conflitos dos pais com uma vida estruturada de forma previsível segundo eles. Claro que há um certo romantismo nesse olhar, mas Harrelson e Watts em seus papéis conseguem traduzir o conceito sem soarem pretensiosos ou deslocados. Harrelson vem se especializando em papéis à margem desde sempre (e neste ano aparece ótimo também em Quase 18 e Wilson), enquanto Watts foge ao seu estilo mais uma vez, fazendo uma mãe distante de qualquer diálogo real.
A personagem de Larson obviamente quer negar a sua origem e se adaptar a uma vida tranquila em Nova York, mas ela não consegue se libertar das amarras do passado. Nesse sentido, o corpo, vestido com roupas simples ou não, evita qualquer afastamento completo da infância, e isso se demonstra numa bela cena em que Jeannette o mostra a outro homem. O diretor, nisso, deseja contrastar o ambiente vazio do presente da personagem, com sua arquitetura exemplar, com a agitação da casa familiar no passado e sua desconjuntura, inclusive nas casas sem cuidado de limpeza ou simples organização – por vezes funciona, por vezes não. No momento em que essa família se reencontra não é para reparar o que aconteceu e sim acentuar as divergências, no entanto é quando Cretton se mostra mais sensível a alterações narrativas, não conseguindo prover cada personagem secundário de substância real.
A história se concentra em Jeannette e não em seus irmãos, embora eles apareçam também, e cresce à medida que mostra o relacionamento com o pai, desde a infância – e as atuações de Chandler Head e Ella Handerson talvez sejam até melhores que a de Brie Larson, que é boa e continua sua parceria iniciada com Cretton em Temporário 12. Há um momento levemente manipulador, quando ela e seu pai estão deitados olhando as estrelas, mas o diálogo funciona. Noxon, um dos roteiristas, dirigiu O mínimo para viver, sobre a anorexia, e acerta aqui no equilíbrio entre esses personagens como já acontecia em seu filme. Se Capitão Fantástico tentava demonstrar um discurso ideológico, em O castelo de vidro há uma discrição mais abrangente, sobretudo por meio da personagem de Rose Mary, mantendo a discussão mais no plano familiar. Cretton aborda de forma interessante as atitudes do pai que sempre fala em liberdade, mas tem um apego sentimental a Jeannette, não querendo que ela tenha uma vida própria ou mesmo um envolvimento sério com algum homem. Sua atitude é infantil, mas essa ligação é desenhada desde o momento em que ele tenta ensiná-la a nadar numa piscina pública, simplesmente jogando-a na água, sem saber boiar, ou quando ele volta para casa com um corte no braço e ela costura a ferida com uma agulha, no momento melhor desenvolvido e ressonante da narrativa. Em outros instantes, essa aproximação entre os dois não é calibrada o suficiente, mas quando Larson e Harrelson entregam sua melhor participação é quando a narrativa cresce e O castelo de vidro se mostra decisivamente belo.
The glass castle, EUA, 2017 Diretor: Destin Daniel Cretton Elenco: Brie Larson, Woody Harrelson, Naomi Watts, Max Greenfield, Ella Anderson, Chandler Head, Sarah Snook, Brigette Lundy-Paine, Josh Caras Roteiro: Destin Daniel Cretton, Andrew Lanham, Marti Noxon Fotografia: Brett Pawlak Trilha Sonora: Joel P. West Produção: Gil Netter, Ken Kao Duração: 127 min. Estúdio: Gil Netter Productions Distribuidora: Lionsgate