O beco do pesadelo (2021)

Por André Dick

O mexicano Guillermo del Toro se mostrou capaz de se adequar ao que Hollywood espera de um diretor sem perder sua característica autoral. Desde seu início de trajetória, ele vem mostrando uma regularidade também no trato da fantasia num contexto capaz de dialogar com a história, como em O labirinto do fauno e no oscarizado A forma da água. No entanto, é A colina escarlate, um terror de origem gótica, que assinalou uma mudança na trajetória de Del Toro: a incorporação de um terror clássico no cenário mais popular de Hollywood.
Em O beco do pesadelo, nova versão de um filme de 1947 baseado no romance de William Lindsay Gresham, ele retoma elementos deste filme de 2015, mas com uma maturidade trazida por A forma da água. Passado nos anos 40, inicia acompanhando Stanton “Stan” Carlisle (Bradley Coooper), que, depois de incendiar sua casa com um corpo debaixo do assoalho, encontra um circo. O seu dono, Clem (Willem Dafoe), pede a sua ajuda para se livrar de um homem, que passou a agir como uma aberração, em prol de um determinado objetivo, depois de se viciar em ópio.

No lugar – uma maravilha visual que remete a trabalhos de Tim Burton, sobretudo Peixe grande e Dumbo, e de Jean-Pierre Jeunet, de forma mais destacada Ladrão de sonhos –, trabalham uma clarividente, Madame Zeena (Toni Collette), e seu marido, Pete (David Strathairn), que usam uma série de recursos para convencer a plateia sobre suas habilidades. Apesar de se aproximar de Zeena, Stan, no entanto, se sente mais atraído por uma outra colega, Molly (Rooney Mara), cujo protetor (Ron Perlman) a acompanha. É com ela que ele vai traçar um caminho que vai levá-lo a conhecer a Dra. Lilith Ritter (Cate Blanchett), com interesse em suas apresentações. Ele é abordado pelo juiz Kimball (Richard Jenkins), interessado em fazer com que ele e sua esposa possam ter contato com o filho morto. Esta parte de O beco do pesadelo parece remeter a O mestre, obra-prima de Paul Thomas Anderson, no qual o criador de uma seita tentava levar um pupilo a seguir seu caminho.

O beco do pesadelo tem muito do estilo de Del Toro: a riqueza visual, o design de produção exuberante e os figurinos magníficos. Soma-se a ele um grande diálogo com o noir dos anos 40 e 50, principalmente. A fotografia de Dan Laustsen e os próprios personagens dialogam muito com outra homenagem ao gênero deste século: Dália negra, de Brian De Palma. Nesse sentido, embora os temas se relacionem ao mistério da clarividência, O beco do pesadelo lida mais com o suspense, o horror e com o mistério que ronda um bom policial e suas referências discretas à história nunca sobrepujam a narrativa. Não apenas Blanchett consegue empregar de maneira exitosa uma personagem que deriva para a psicologia, como o relacionamento que ela desperta remete à femme fatale do cinema mais clássico possível – e Del Toro a coloca em cenários enigmáticos, cercados por cortinas. Ela está especialmente bem, uma atriz que melhorou muito depois das atuações em dois filmes de Terrence Malick, Cavaleiro de copas e De canção em canção. Sua interação com Bradley Cooper, outro ator que se tornou grande depois de O lado bom da vida, é oportuna para tornar O beco do pesadelo num acerto concreto em todos os níveis. Enquanto isso, Rooney Mara é adequadamente delicada e um tanto ingênua, situando-se entre dois extremos.

Se a narrativa na primeira parte mostra essencialmente um homem estranho num ambiente excêntrico, na segunda, quando ele tenta adequar seu interesse a uma realização pessoal, Del Toro amplia o entendimento da obra de maneira mais ampla, mostrando como o homem pode se tornar uma aberração por si próprio. Os homens, aqui, são a ameaça e as atrações não tão belas de um circo humano. Os cenários e figurinos belíssimos parecem sempre esconder algo mais obscuro, o que se percebia em A colina escarlate, outra obra subestimada do diretor. A atuação de Cooper conduz o personagem a um extremo em que o espectador não tem exatamente simpatia, mas interesse por seu projeto. Del Toro mostra uma evolução principalmente ao tratar da maneira como se investiga a capacidade de esse homem de ter determinadas habilidades vistas com desconfiança. Ele nunca resvala para algo mais popular, como fazia até mesmo em A forma da água, do mesmo modo que mostra a violência sem o seu exagero habitual, quase parte de seu estilo, mas de forma mais realista, o que também não é comum num filme distribuído pelos estúdios Disney. Desse modo, O beco do pesadelo se insere naquele grupo de filmes que apresentam uma curiosa inclinação para o retrato histórico que ganha muito com elementos fantásticos. Gostando-se ou não da narrativa, apresenta cinema de verdade.

Nightmare alley, EUA, 2021 Direção: Guillermo del Toro Elenco: Bradley Cooper, Cate Blanchett, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Rooney Mara, Ron Perlman, Mary Steenburgen, David Strathairn Roteiro: Guillermo del Toro e Kim Morgan Fotografia: Dan Laustsen Trilha Sonora: Nathan Johnson Produção: J. Miles Dale, Guillermo del Toro, Bradley Cooper Estúdio: Searchlight Pictures, TSG Entertainment, Double Dare You Productions Distribuidora: Walt Disney Studios

Ataque dos cães (2021)

Por André Dick

A Netflix tem lançado algumas obras ao final de cada ano com o intuito de colocá-las na corrida para o Oscar. Enquanto Não olhe para cima é a faceta polêmica desse recurso, Ataque dos cães, de Jane Campion, traz elementos mais de cinema underground. Do mesmo modo, parece estranha a mistura que ele apresenta. Seria um drama? Um faroeste intimista? Um suspense sobre a descoberta da sensualidade? Talvez ele seja uma mescla de tudo isso.
Lançado no Festival de Veneza, Ataque dos cães mostra os irmãos Burbank, Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), que vivem numa fazenda em Montana, criando gado. George se apaixona por uma viúva, que tem uma posada, Rose Gordon (Kirsten Dunst). Phil logo entra em embate com a possibilidade, implicando com o filho dela, Peter (Kodi Smit-McPhee), que possui características que ele considera afeminadas.

George e Rose se casam, contra a sua vontade, e a partir daí começa uma espécie de encontro entre pessoas radicalmente opostas. Phil julga que ela está interessada no dinheiro do irmão, além de ter problemas com o álcool. Para piorar, o filho dela vai morar com eles na fazenda. A princípio, bastante contrário, Phil começa a ter afeição pelo jovem, o que vai trazer o mote principal para a narrativa de Campion. A diretora de origem neozelandesa já fez um trabalho muito destacado nos anos 90, O piano, que deu o Oscar tanto à Holly Hunter como à pequena Anna Pequin como atriz coadjuvante. Ela possui um estilo muito hábil na construção de personagens. Ataque dos cães parece, a princípio, muito simples, mas a maneira como ela apresenta a narrativa oferece ao espectador traços complexos sobre como os indivíduos se mostram quando ameaçados ou se escondem quando são estranhos num determinado ambiente. Rose, tocando piano num encontro em que estão a mãe (Frances Conroy) dos irmãos Burbank e o governador (Keith Carradine), é um exemplo de conflito interno com a sua própria escolha. E a figura do “cão” do título original se mostra concreta ao longo de algumas situações apresentadas, em que personagens a princípios inocentes ou ingênuos se mostram estranhos.

Há um clima de suspense na ação dos personagens, principalmente de Phil e Peter, e quando ele recorda um antigo mestre dele, Bronco Henry, na arte de lidar com o gado parece que Campion o mostra como uma tradição perpetuada. É uma pena somente que Thomasin McKenzie, boa atriz, seja desperdiçada como Lola, uma ajudante da fazenda.
Baseado em romance de Thomas Savage, o filme tem ótimas atuações, principalmente de Benedict Cumberbatch e Kodi Smit-McPhee, e consegue ser eficiente na maior parte do tempo. Por sua vez, Plemons e Dunst estão impecavelmente tímidos. A fotografia de Ari Wegner e a trilha entre a opressão e a beleza harmônica de Jonny Greenwood remetem a Paul Thomas Anderson, uma boa referência de Campion, e há uma certa grandeza no visual que também evoca O portal do paraíso, de Cimino. Quando Campion filma a fazenda, por exemplo, ela sempre procura uma extensão emocional com as montanhas ao fundo, o que acontecia no clássico de Cimino. Também quando mostra George e Rose indo para a fazenda numa estrada deserta e inalcançável. É uma espécie de faroeste mais íntimo nos moldes do que já fez Clint Eastwood em Os imperdoáveis, por exemplo.

Também existe um bom desenvolvimento de personagens, principalmente por meio de lacunas que nunca se preenchem ao longo da narrativa, passando exatamente o vazio existencial que a diretora pretende focar. Os personagens, mesmo Phil e suas botas com esporas se fazendo presentes no chão do ambiente da fazenda, parecem nunca estar à vontade em seus lugares, o que dá ao filme uma sensação contínua de deslocamento, o que se encontra plenamente realizado. O cowboy interpretado por Cumberbatch é a reunião simbólica de diversos temas: a tentativa de coordenar uma família, a busca pelo domínio em relação a outras figuras que passam a fazer parte de sua rotina e a sexualidade encoberta por atitudes que parecem opostas a ela. Ataque dos cães tem uma lentidão que se estabelece aos poucos como bastante impressionante, principalmente em seu surpreendente terceiro ato. É nele que Campion consegue eclodir o suspense que se desenvolve nos dois primeiros atos com uma habilidade ao mesmo tempo clássica e contemporânea, tornando seu filme uma peça complexa sobre os relacionamentos humanos.

The power of the dog, AUS/Nova Zelândia/ING/EUA, Canadá, 2021 Diretor: Jane Campion Elenco: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst, Jesse Plemons, Kodi Smit-McPhee, Thomasin McKenzie, Genevieve Lemon, Keith Carradine, Frances Conroy Roteiro: Jane Campion Fotografia: Ari Wegner Trilha Sonora: Jonny Greenwood Produção: Emile Sherman, Iain Canning, Roger Frappier, Jane Campion, Tanya Seghatchian Duração: 126 min. Estúdio: New Zealand Film Commission, Bad Girl Creek, Max Films, Brightstar, See-Saw Films, Cross City Films, BBC Film Distribuidora: Transmission Films (Austrália e Nova Zelândia) e Netflix (Internacional)

Melhores filmes de 2021

Por André Dick

O cinema em 2021 mostrou uma recuperação principalmente em se tratando de bilheterias em relação ao de 2020, o primeiro ano da pandemia. Isso se mostrou muito comprovado com a bilheteria de Homem-Aranha – Sem volta para casa, ultrapassando em duas semanas 1 bilhão de dólares na arrecadação.
O curioso é que o ano iniciou com um projeto aguardado há anos com uma equipe de super-heróis que tinha recebido uma versão picotada em 2017, desta vez de forma completa, em Liga da Justiça de Zack Snyder, mas diretamente em streaming.
O ano de 2021 teve uma sequência inicial de filmes da temporada do Oscar, como Meu pai, Minari, Bela vingança, Relatos do mundo e Nomadland chegando aos cinemas ou ao streaming do Brasil. Em seguida, encadeou algumas continuações de sucessos, a exemplo de Um lugar silencioso – Parte II e Um príncipe em Nova York 2.
Num momento em que o streaming se mostra cada vez mais fundamental, a Netflix e a Amazon se mostraram outra vez os destaques, acompanhados pela HBO Max e pelo Disney+ disponibilizando lançamentos quase simultaneamente em cinema e vídeo.
A Disney foi, como sempre, muito efetiva na fusão de seus personagens, a exemplo de Viúva Negra, Eternos e o já mencionado Homem-Aranha, ao mesmo tempo que revelou animações de sucesso, como Luca, Raya e o último dragão e Encanto. Também tivemos outras animações de destaque, como A família Mitchell e a revolta das máquinas e Os Croods 2.

Já o musical teve um reavivamento revigorado com Amor, sublime amor, Em algum bairro de Nova York, Tick, tick… BOOM! e o francês Annette, de Leos Carax. O faroeste também foi revitalizado em Cry macho, de Clint Eastwood, sob um ponto de vista contemporâneo, assim como em Vingança e castigo, Relatos do mundo e Ataque dos cães.
M. Night Shyamalan regressou com o sucesso de Tempo, um dos filmes de terror exitosos do ano, ao lado de Maligno e Invocação do mal 3, além de A lenda de Candyman e Halloween kills.
Em termos de ficção científicos, os olhos estiveram voltados principalmente para Duna. Tivemos o derradeiro 007 com Daniel Craig; a aventura nostálgica de Jungle Cruise; o embate entre monstros conhecidos em Godzilla vs Kong. O grande diretor Ridley Scott trouxe dois filmes, O último duelo e Casa Gucci, comprovando seu múltiplo talento. Snyder, que começou o ano com sua versão de Liga da Justiça, também voltou ao universo dos zumbis em Army of the dead. Edgar Wright, anos depois de Baby Driver, retomou sua trajetória com Noite passada em Soho; Wes Anderson comprovou ser dono de um universo incrível em A crônica francesa; Chloé Zhao foi do underground (Nomadland) ao mainstream (Eternos); Jane Campion se destacou com Ataque dos cães; Rebecca Hall estreou na direção com Identidade, assim como Regina King em Uma noite em Miami…, Amy Seimetz em Vou morrer amanhã e Maggie Gyllenhaal em A filha perdida; uma das Wachowski (Lana) voltou à frente de Matrix resurrections; e Steven Spielberg estreou no gênero musical em Amor, sublime amor.

Alguns atores e atrizes foram muito presentes, a exemplo de Benedict Cumberbatch, no filme de Campion, em O mauritano e Homem-Aranha – Sem volta para casa; Frances McDormand em A crônica francesa e Nomadland; Adam Driver em Annette, O último duelo e Casa Gucci; Meryl Streep em Let them all talk e Não olhe para cima; Timothée Chalamet em Duna, A crônica francesa e Não olhe para cima; Emily Blunt em Um lugar silencioso – Parte II e Jungle Cruise; Rami Malek em Os pequenos vestígios e 007 – Sem tempo para morrer; Amy Adams em A mulher na janela e Liga da Justiça de Zack Snyder; Benicio del Toro em A crônica francesa e Nem um passo em falso; Carey Mulligan em Bela vingança e A escavação; Pete Davis em Amizade adolescente, A arte de ser adulto e O esquadrão suicida; Jason Momoa em Duna e Liga da Justiça de Zack Snyder; Thomasin McKenzie em Ataque dos cães, Noite passada em Soho e Tempo; Tom Hanks em Relatos do mundo e Finch; Zendaya em Malcolm & Marie, Duna e Homem-Aranha – Sem volta para casa; Idris Elba em O esquadrão suicida e Vingança e castigo; Ralph Fiennes em A escavação e 007 – Sem tempo para morrer; Léa Seydoux em 007 – Sem tempo para morrer e A crônica francesa; e Jared Leto em Casa Gucci, Liga da Justiça de Zack Snyder Os pequenos vestígios.
Abaixo, menções honrosas, filmes apreciados e decepções de 2021 segundo o Cinematographe.

Menções honrosas

Vozes e vultos (Shari Springer Berman, Robert Pulcini)
Eu me importo (J Blakeson)
Cry macho – O caminho da redenção (Clint Eastwood)
Pig (Michael Sarnoski)
A filha perdida (Maggie Gyllenhaal)
007 – Sem tempo para morrer (Cary Fukunaga)
Pieces of a woman (Kornél Mundruczó)
Um lugar silencioso – Parte II (John Krasinski)
A família Mitchell e a revolta das máquinas (Michael Rianda)
Apresentando os Ricardos (Aaron Sorkin)
O mauritano (Kevin Macdonald)
Ponto de virada: 11/9 e a guerra contra o terror (Brian Knappenberger)
A mulher na janela (Joe Wright)
Amor, sublime amor (Steven Spielberg)
Identidade (Rebecca Hall)
O último duelo (Ridley Scott)
King Richard – Criando campeãs (Reinaldo Marcus Green)
First cow – A primeira vaca da América (Kelly Reichardt)
Godzilla vs. Kong (Adam Wingard)
Amizade adolescente (James Orley)
Halloween kills (David Gordon Green)
Jungle Cruise (Jaume Collet-Serra)
Vou morrer amanhã (Amy Seimetz)

Apreciados

A escavação (Simon Stone)
A mão de Deus (Paolo Sorrentino)
Maligno (James Wan)
Judas e o messias negro (Shaka King)
Beckett (Ferdinando Cito Filomarino)
Imperdoável (Nora Fingscheidt)
Deserto particular (Aly Muritiba)
Meu pai (Florian Zeller)
Tick, tick… BOOM! (Lin-Manuel Miranda)
Moxie: quando as garotas vão à luta (Amy Poehler)
Tom & Jerry – O filme (Tim Story)
O discípulo (Chaitanya Tamhane)
Kid 90 (Soleil Moon Frye)
Um príncipe em Nova York 2 (Craig Brewer)
Pelé (Ben Nicholas e David Tryhorn)
Homem-Aranha – Sem volta para casa (Jon Watts)
Estados Unidos vs. Billie Holliday (Lee Daniels)
Relatos do mundo (Paul Greengrass)
Cabeça de nêgo (Déo Cardoso)
Undine (Christian Petzold)
Shang-Chi e lenda dos dez anéis (Destin Daniel Cretton)
Fuja (Aneesh Chaganty)

Decepções

Viúva Negra (Cate Shortland)
Shiva Baby (Emma Seligman)
Quo vadis, Aida? (Jasmila Žbanić)
Passageiro acidental (Joe Penna)
No ritmo do coração (Sian Heder)
Flora & Ulysses (Lena Khan)
Ghostbusters – Mais além (Jason Reitman)
Nomadland (Chloé Zhao)
Druk – Mais uma rodada (Thomas Vinterberg)
Cruella (Craig Gillespie)

A seguir, a lista dos 25 melhores filmes de 2021 segundo o Cinematographe, abrangendo lançamentos nos cinemas e streaming no Brasil.

Este faroeste dirigido por Jeymes Samuel é o que se poderia chamar de uma mistura perfeita entre Bastardos inglórios e Django livre, de Quentin Tarantino. Também representa a reunião de um grande elenco de atores afro-americanos, como Idris Elba, Regina King, LaKeith Stanfield, Zazie Beetz, Delroy Lindo e Jonathan Najors. Com um design de produção inventivo e fotografia irretocável de Mihai Mălaimare Jr., que trabalhou com Paul Thomas Anderson em O mestre, Vingança e castigo mostra dois grupos em embate por causa de um acontecimento no passado que traumatizou um dos personagens. Com grande violência, adotando um realismo oposto às cores das cidadezinhas e dos figurinos, Samuel recupera referências de Leone e Eastwood ao lado daquelas de Tarantino, dotado de grande habilidade em fazer a narrativa fluir por meio de uma edição muito ágil.

Conhecido inicialmente por ter sido filmado durante a pandemia, Malcolm & Marie é um bom veículo para comprovar o talento em termos de atuação de John David Washington, que se destacou em Tenet, e de Zendaya, estrela da série Euphoria. É basicamente o diálogo de um casal depois da estreia de um filme dele, que interpreta um diretor de cinema. A história já inicia em alta rotação, mostrando os dois chegando em casa depois desse evento, com ele, Malcolm Elliott, bastante entusiasmado com a recepção de sua obra e ela, Marie Jones, um pouco desconfortável com o comportamento do namorado e o fato de ele não ter lhe agradecido formalmente para a plateia. A fotografia belíssima em preto-e-branco de Marcell Rév acompanha os dois pelo lado de fora da bela casa, à beira da praia em Malibu, quando se dá uma conversa sobre a criatividade. Aos poucos, quando a conversa se transporta do universo criativo para algo mais pessoal, a câmera adentra a casa e se aproxima dos dois, captando cada ângulo e cada um dos dois de forma bastante direta, realista. É uma obra que consegue captar de forma íntima um relacionamento.

Logo numa primeira impressão, parece um dos filmes mais fracos de Edgar Wright, ao lado de Heróis de ressaca, mas, quanto mais se pensa nele, mais cresce, principalmente sua tentativa de mesclar elementos do cinema de Dario Argento e de Refn, com a atmosfera de investigação londrina. Anya Taylor‑Joy, Thomasin McKenzie e de Matt Smith funcionam bem juntos, assim como a fotografia linda e a trilha sonora capturando uma certa época. É uma narrativa com certos sobressaltos, não muita fluência em alguns pontos, no entanto suas viradas são boas, assim como a presença de Terence Stamp. Wright não emprega sua edição criativa, como principalmente a de Scott Pilgrim, contudo talvez seja uma nova fase, mais padronizada, não totalmente fugindo às suas características. Espera-se, apenas, que ele não modifique totalmente sua maneira de filmar, como se sente em alguns momentos, querendo se inserir numa espécie de cinema mais moderado e acessível. É um dos talentos raros das novas gerações e seu terceiro ato, que incomoda a alguns, me pareceu elaborado e efetivo.

Depois de quase 20 anos do sucesso incrível de Matrix, era esperado que seus personagens fossem trazidos novamente à tona, e isso acontece exatamente em Matrix resurrections. Agora a história reinicia com Bugs, dentro da Matrix, que reencontra um agente que se trata da personificação de Morpheus. Thomas Anderson é responsável por um videogame de sucesso e criador de jogos criados a partir do mesmo universo que vivenciou. Num café, ele costuma encontra Tiffany, mulher casada, que lembra exatamente Trinity, sua antiga companheira, e vai seguidamente ao terapeuta para se manter saudável. A partir daí, pode-se dizer que Matrix resurrections trabalha com uma intertextualidade, ou seja, ele parece o tempo todo estar falando de si como filme parte de uma franquia. Isso em parte resulta num tom bem-humorado, sobretudo com o personagem Morpheus, em parte num tom extremamente romântico, resultado de sua tentativa de reencontrar Trinity. Não por acaso, Lana Wachowski – a única que regressou para a sequência – trabalha esse Matrix como uma espécie de reencontro entre figuras que se parecem muito. É inegável que o universo criado pelas irmãs Wachowski se inseriu na cultura pop como uma espécie de ficção científica situada entre o underground, o cult e o popular. Keanu Reeves, além disso, se tornou uma figura muito mais conhecida, principalmente por sua participação na franquia John Wick. Não apenas porque seu estilo agora lembre de forma mais longínqua o da primeira trilogia, mas sobretudo por sua interação com o restante do elenco, Reeves parece mais maduro para o papel, assim como a diretora insere muitas imagens que remetem à obra-prima Cloud Atlas – sendo este filme quase uma extensão daquele em sua faceta sobre o amor perdurar em universos paralelos ou distantes entre si no tempo. O quarto Matrix é um olhar amplo sobre o afeto e, apesar de ter sido uma decepção nas bilheterias, merece mais reconhecimento.

Kitty Green mostra um trabalho impactante de direção em A assistente, usando a atmosfera de um escritório como elemento decisivo para revelar a opressão de um determinado ambiente de trabalho. Julia Garner interpreta a assistente do título que trabalha para um, ao que parece, grande produtor de Hollywood e, ao lado de colegas, nunca consegue se sentir encaixada onde está.  Isso fica visível por sua atuação, metódica e quase apenas por gestos e impressões, praticamente sem diálogos, uma atuação, como a narrativa deste filme, minimalista. O filme não apresenta um roteiro tão forte quanto a atmosfera, em alguns momentos quase de cinema mudo, porém não compromete. Green mostra um dos grandes momentos deste ano no momento-chave da personagem, quando tudo parece percorrer um caminho inevitável. Possivelmente ele tem um hype acima de sua qualidade, ainda assim é para ser assistido.

O diretor indiano M. Night Shyamalan tem, desde O sexto sentido, um nome ligado ao terror e ao suspense de modo fundamental. Baseado numa história em quadrinhos, Shyamalan acompanha em Tempo um casal em crise, com seu casal de filhos, que chega ao resort luxuoso de uma ilha. Nesta ilha, as coisas começam a se tornar misteriosas – e os personagens, de forma inusitada, começam a sentir a passagem temporal, e logo as crianças são adolescentes. Shyamalan não chega a conseguir uma ordem natural ou fluida para as mudanças, fazendo tudo parecer um pouco descordenado. As atuações de Krieps e Bernal parecem sempre deslocadas, o que funciona. Como outros filmes de Shyamnaalan, a água tem uma função muito interessante em Tempo. É como se a cada vez que as ondas avançassem sobre a areia o tempo escoasse mais rápido. Seu objetivo é sempre a confusão, o mistério, diante de coisas rotineiras. Porém, é nisso que ele acaba lançando um olhar sobre a relação entre dois casais: um em conflito, com o casamento indefinido e outro que chega à adolescência num salto temporal provocado pelo ambiente da narrativa. O cineasta tenta mostrar como os relacionamentos não parecem se modificar mesmo numa passagem de tempo, no entanto a sensação é outra: de que cada relação é, sem dúvida, particular. A união entre fotografia e narrativa acelerada provoca uma estranheza que remete principalmente ao subestimado Fim dos tempos, sempre com uma indagação diante de coisas estranhas acontecendo. Também as montanhas que sufocam a praia lembram as imagens épicas de O último mestre do ar, principalmente do seu terceiro ato, e o aparecimento abrupto de corpos misteriosos remete ao ótimo A visita, um dos melhores de Shyamalan.

Este épico mostra o regresso de Zhang Yimou ao cinema considerado de arte depois de sua tentativa de viabilizar um sucesso mainstream em A grande muralha, com Matt Damon, que acabou não tendo êxito nos Estados Unidos. É um filme que procura renovar o fôlego com enfoque nas dinastias, sempre inspirado em Akira Kurosawa e seu Ran. No entanto, aqui Yimou estabelece, ao que parece, um elo com o cinema de Wong Kar-Wai, principalmente o de O grande mestre, com um design de produção e fotografia de Zhao Xiaoding combinando com um tempo nebuloso, acizentado. Ele deixa de lado o espetáculo colorido de Herói e O clã das adagas voadoras e incorpora mais uma faceta sóbria e soturna, dialogando com grandes espetáculos modernos de Hollywood, em alguns momentos até buscando imagens grandiosas de Peter Jackson na trilogia O senhor dos anéis. A história mostra a tentativa de um homem, Zi Yu (Deng Chao), tomar o controle do Rei Pei Liang (Zheng Kai), que se recusa a retomar o território ocupado por um general, Yang Cang (Hu Jun). É apenas o motivo para uma sequência de lutas espetaculares, com o melhor da arte de efeitos visuais, a qual Yimou deve ter conhecido melhor por sua passagem em Hollywood.

Em 2016, Esquadrão suicida se tornou um grande sucesso de bilheteria e uma grande decepção para o público e a crítica. Dirigido pelo competente David Ayer, trazia uma ótima parceria entre Will Smith e Margot Robbie principalmente, à frente de uma equipe inusitada, tendo o Coringa (Jared Leto) como o principal vilão. Diante da má recepção, a Warner decidiu renovar a equipe, trazendo novos nomes, desta vez sob o olhar de James Gunn. Responsável pelos dois Guardiões da galáxia, que certamente estão entre os filmes mais inspirados da Marvel no cinema, Gunn se torna em O esquadrão suicida um cineasta com toque realmente autoral. Seu trabalho se mostra claramente na sequência rápida de apresentação dos personagens, seguido pela missão que precisam cumprir. Adota um conjunto de imagens curiosamente fascinante, principalmente numa sequência que envolve Arlequina e ratos. É por vezes incrível o uso de cores, não apenas nos figurinos dos personagens, como também em cada detalhe do design de produção e das figuras que aparecem ao longo da narrativa. Isso já estava bastante claro sobretudo no segundo Guardiões da galáxia, um blockbuster experimental que se aproxima muito de O esquadrão suicida em sua forma e por vezes lentidão. A maneira como os personagens usam seus poderes particulares mostra uma grande ousadia em alguns momentos. Robbie é uma excelente atriz mais uma vez, depois dos excessos de Aves de rapina, enquanto John Cena é realmente uma surpresa, em sua melhor participação no cinema depois de Blockers. Já Elba substitui à altura Will Smith, com uma atuação impecável mesmo com um roteiro a princípio não denso, acompanhado pela ótima atuação, mais uma vez, de Joel Kinnaman.

O espectador reconhece em geral o quanto David Ficher foi importante para o gênero que mistura policial e caçada a criminosos, depois principalmente de Zodíaco e Seven. Seus derivados não costumam ser tão interessantes porque apostam, de modo geral, no seu ritmo, dificilmente copiável. Em Os pequenos vestígios, John Lee Hancock toma como referência em muitos momentos o clássico Zodíaco, mas o faz de maneira ainda mais lenta e abrindo várias lacunas nas quais o espectador pode interpretar à sua maneira o que está acontecendo, mais do que exatamente no filme de Fincher. Hancock tem um grande roteiro feito para o cinema, em Um mundo perfeito, de Clint Eastwood, e há alguns anos fez o interessante Walt nos bastidores de Mary Poppins. Aqui ele utiliza um estilo visual nos moldes de thriller oriental para mostrar um policial, Joe Deacon (Denzel Washington), e um detetive, Joe Baxter (Rami Malek), perseguindo um assassino de prostitutas nos arredores de Los Angeles. A maneira como o cenário é filmado sugere um filme passado num lugar distante, talvez em outra época, como também indica o ritmo. Malek e Washington estão convincentes em personagens estagnados na situação e, no caso do segundo, sem conseguir se mover no tempo, preso às memórias. Leto, indicado a melhor ator coadjuvante no Globo de Ouro e no SAG Awards, é instável e segue seus melhores momentos como ator, capturando características de sua atuação em Blade Runner 2049, principalmente. Os três formam uma espécie de mosaico que remetem também aos filmes de Atom Egoyan, com sua falta de intenção em acelerar a trama ou costurar os pontos para que o espectador possa se acomodar com a distribuição da narrativa. Hancock mostra um talento que não apresentava, por exemplo, em Um sonho possível, que deu o Oscar de melhor atriz a Sandra Bullock, fazendo um policial quase antimainstream para um grande estúdio, com um grande elenco que poderia anunciar uma sucessão de frases de efeito e, ao fim de tudo, se mostra apenas preso ao mistério de sempre.

Em Eternos, os efeitos visuais e o design de produção ganham um olhar notável, com uma beleza plástica poucas vezes vista no universo Marvel e que novamente possuem uma influência de Snyder em sua composição. Os personagens, a começar por Sersi, apresentam uma real relevância nas costuras da trama. Ikaris possui uma visão conturbada e o espectador se ressente em vê-lo agir de certo modo, assim como Kumail Nanjiani é muito engraçado como um dos eternos que se tornou ator em Bollywood. Em igual sintonia, Keoghan aparece bem, depois de suas participações em O sacrifício do cervo sagrado e Dunkirk, Gemma Chan e Madden apresentam uma boa interação, fazendo a narrativa evoluir e Brian Tyree Henry toma para si a maior parte das sequências das quais participa. O reencontro dos Eternos, ao mesmo tempo, tem elementos do subestimado It – Capítulo 2, principalmente na maneira como Zhao dispõe a edição, estendendo algumas passagens até o limite, como se quisesse mostrar novos pontos para o cinema blockbuster, com o auxílio essencial da fotografia de Ben Davis. Os personagens têm a aura solitária de suas figuras de Domando o destino e Nomadland, mas, numa trama a princípio aventuresca, há um conflito de intenções, e é isso que transforma Eternos num experimento bastante sólido.

Um dos mais graciosos desenhos da Pixar, além de subestimado, Luca remete ao cinema italiano de modo vital, com um conjunto de imagens luminosas e belas. Ele trabalha com a ideia de dois seres, Luca (Jacob Tremblay) e Alberto (Jack Dylan Grazer), que são peixes-monstros numa cidadezinha da costa italiana. Eles se envolvem em conflitos com seres humanos, em razão de sua condição estranha. Com toques de A pequena sereia e obras italianas de Fellini e Sorrentino, Luca se mostra uma das animações mais interessantes, em alguns momentos um delírio visual que remete ao melhor Miyazaki, de O castelo encantado, com uma direção muito delicada de Enrico Casarosa, combinando temas sobre a amizade e a importância de construção de uma ideia familiar. Na mesma medida, mostra a aceitação essencial e o respeito pela diferença. Num ano com animações muito boas, a exemplo de A família Mitchell e a revolta das máquinas, Luca faz lembrar por que a Pixar é uma referência em sua área.

Não olhe para cima possivelmente seja o filme mais interessante e bem acabado de Adam McKay, um diretor que se tornou conhecido por suas comédias mais excêntricas com Will Ferrell, mas que entregou duas obras com pretensões ao Oscar: A grande aposta e Vice. Este é um Oscar bait, não apenas por seu elenco, mas também por seu roteiro e edição com objetivos de ser uma sátira feroz. Funciona na maior parte do tempo, sobretudo por causa de DiCaprio e Lawrence, e por uma excepcional Cate Blanchett, roubando as sequências em que aparece, e um afinado Jonah Hill. Mark Rylance aparece bem. A maneira como McKay mostra a sociedade diante de um risco de extermínio da humanidade tem algumas gags muito eficazes e acaba colocando todos num liquidificador. Cada vez mais filmes com objetivos de serem polêmicos ou com viés políticos se tornam entediantes, não apenas porque destacam uma certa recepção segmentada, que se demasiadamente inteligente para qualquer visão a ser entregue ao espectador, como fazem com que essa recepção se julgue detentora de certo conhecimento. Não olhe para cima confunde exatamente o espectador porque seleciona figuras ligadas a uma certa verdade. Diante disso, é um retrato bastante fiel de certo ângulo da sociedade de modo geral, com sua tendência a massificar todas as situações não exatamente no melhor sentido. É agitado, editado com certa pressa, mas o que se fecha com seus objetivos, tem uma certa humanidade (os personagens nunca se sentem caricaturas, apesar de certas falas e situações serem exageradas ao extremo) e mesmo uma sensibilidade. Para acrescentar, os efeitos visuais são impecáveis principalmente porque não se trata de um filme com o objetivo de ser espetáculo visual (embora sua fotografia seja excepcional).

Este é um dos melhores trabalhos de estreia, neste caso a de Regina King, revelando um encontro fictício entre  Malcolm X, Muhammad Ali, Jim Brown e Sam Cooke em um quarto de hotel em Miami, em 1964, depois da vitória de Ali sobre Sonny Listo. Com um peso político no roteiro, no entanto de forma fluida e orgânica, Uma noite em Miami… tem algumas das melhores atuações do ano: Kingsley Ben-Adir como Malcolm X; Eli Goree como Muhammad Ali; Aldis Hodge como Jim Brown; e Leslie Odom Jr. espetacular.como Sam Cooke. Com um grande domínio sobre esses atores, Regina faz uma estreia fabulosa, organizando extensos diálogos como se filmasse uma peça teatral, no entanto com uma grande vibração e extremamente cinematográfica em sua coreografia e no estabelecimento de um design de produção capaz de elucidar o grande momento histórico revelado pela obra.

Ataque dos cães, de Jane Campion, tem ótimas atuações, principalmente de Benedict Cumberbatch e Kodi Smit-McPhee, e consegue ser eficiente na maior parte do tempo. A fotografia de Ari Wegner e a trilha de Jonny Greenwood remetem a Paul Thomas Anderson, uma boa referência de Campion, e há uma certa grandeza no visual que também evoca O portal do paraíso, de Cimino. Também existe um bom desenvolvimento de personagens, principalmente por meio de lacunas que nunca se preenchem ao longo da narrativa, passando exatamente o vazio existencial que a diretora pretende focar. Os personagens, principalmente o de Kirsten Dunst, parecem nunca estar à vontade em seus lugares, o que dá ao filme uma sensação contínua de deslocamento, o que se encontra plenamente realizado. E o cowboy interpretado por Cumberbatch é a reunião simbólica de diversos temas: a tentativa de coordenar uma família, a busca pelo domínio em relação a outras figuras que passam a fazer parte de sua rotina e a sexualidade encoberta por atitudes que parecem opostas a ela. Ataque dos cães tem uma lentidão que se estabelece aos poucos como bastante impressionante, principalmente em seu surpreendente terceiro ato.

Este é um dos trabalhos mais apurados de François Ozon, um diretor que vem se caracterizando por uma multiplicidade de estilos. A referência direta é Me chame pelo seu nome, mas, passado na França, a narrativa de Verão de 85 parece mais autêntica, também com um elenco que a princípio parece amador, remetendo aos trabalhos dos anos 70 e 80 de Eric Rohmer. Alexis (Félix Lefebvre), um jovem melancólico de 16 anos, que é resgatado quando seu barco vira no mar por David (Benjamin Voisan), de 18 anos. Eles começam uma intensa relação, que Ozon filma com certa procura por um cinema já perdido no tempo, com um uso intenso de cores e um trabalho elaborado de narrativa, efetuando a edição como se fosse um filme antigo.

É interessante como Villeneuve faz uma ficção científica em Duna por meio quase apenas de imagens, remetendo, no início, a Tarkovsky, de Solaris, sendo sob certo aspecto até experimental. No entanto, sua maior influência é, sem dúvida, o estilo adotado por Zack Snyder desde Batman vs Superman, e incrivelmente os Atreides têm muitos elementos dos Wayne de Snyder, com um certo tom soturno familiar. A caminhada que Paul e Duque Leto fazem numa colina à beira-mar lembra muito o Wayne de Affleck caminhando ao redor da mansão. Também a estética das naves remete ao que Snyder apresenta principalmente em sua versão finalizada de Liga da Justiça. Em termos de design de produção e figurinos, o filme não tem a inventividade do filme de Lynch, lembrando um pouco, em termos de iluminação, os filmes mais soturnos da saga Harry Potter, mas compensa com efeitos visuais notáveis e uma boa noção de naves espaciais inovadoras. Visualmente, porém, é monocromático, desértico mesmo, fazendo às vezes ecoar um A hora mais escura, de Kathryn Bigelow, sobretudo com a analogia entre Arrakis e um país do oriente médio, sendo que o diretor de fotografia Greig Fraser é o mesmo. E, se a versão dos anos 80 tinha a trilha de Toto, aqui Villeneuve conta com a de Hans Zimmer, com acordes que remetem à de Alexandre Desplat, igualmente do filme de Bigelow.

Desde o aviso de sua aposentadoria precoce por volta de 2014, Steven Soderbergh fez o melhor para a sua carreira: não cumpriu a própria promessa. Depois de sua volta aos cinemas, ele entregou alguns dos seus melhores filmes até hoje, A lavanderia e Logan Lucky. Em 2021, ele apresenta Nem um passo em falso, um excepcional filme de gângsters passado na Detroit dos anos 50. Um grupo de criminosos (Benicio del Toro, Don Cheadle e Kieran Culkin) precisa roubar um determinado documento que vai levar a uma sucessão de acontecimentos, envolvendo uma família (com David Harbour, Noah Jupe e Amy Seimetz). Tudo é parte de uma trama intrincada, na qual surge um policial (Jon Hamm) tentando desvendar os casos. Com uma notável direção de arte, figurinos primorosos e atuações calibradas, este filme de Soderbergh faz parte daquele número de peças subestimadas do cinema. O clima remete a Vício inerente, de Paul Thomas Anderson, e, como esse diretor, Soderbergh recupera certos elementos do cinema dos anos 70 para continuar o que faz de melhor: a recuperação de modelos de atuação e reviravoltas incrivelmente divertidos. Se Onze homens e um segredo lança um olhar pop sobre o universo da criminalidade, Nem um passo em falso se sente mais como uma tentativa de retomar Robert Altman com elementos de Scorsese.
Em Let them all talk, outro filme excepcional de Soderbergh, lançado nos EUA em 2020 e que chegou ao streaming no Brasil em 2021, ele mostra uma escritora que fez muito sucesso com um determinado livro e ganhou um Pulitzer, interpretada por Meryl Streep. Ela recebe uma proposta da sua agente que deseja conseguir obter sua próxima obra literária: uma viagem de cruzeiro com duas amigas da faculdade. Junto com elas, embarca o sobrinho da editora (Lucas Hedges), que deseja entrar em contato com uma geração mais antiga, a fim de contrapô-la ao de sua faixa etária, procurando comparativos. Soderbergh parte dessa premissa muito simples e que poderia redundar num encontro de amigas descartável num dos melhores momentos de sua carreira. Mostra técnicas de filmagem experimentadas principalmente em A lavanderia, com forte uso de iluminação em algumas cenas e falta saudável de uma linearidade na narrativa. Seu talento para apresentar os personagens é visível, assim como a atuação naturalista das atrizes, começando por Meryl Streep, mas intensificada com Dianne Wiest e Candice Bergen. O mesmo acontece com Lucas Hedges, talvez no melhor momento de sua carreira, mais do que em Manchester à beira-mar, pelo qual foi indicado ao Oscar de coadjuvante e um ator que, apesar de fazer bons filmes, não chega a explorar uma veia dramática. Com uma edição notável, de própria autoria, Soderbergh consegue sempre fazer a trama fluir como se fosse algo que pertencesse à rotina do espectador.

Casa Gucci ele trabalha com personagens que almejam o poder, no entanto não sabem bem o motivo nem como fazê-lo. Nesse sentido, Driver oferece nuances, assim como Gaga entrega falas de impacto e uma boa desenvoltura, embora não tão exitosa quanto a que mostrou em Nasce uma estrela. Scott consegue unir elenco e roteiro de modo que há um crescimento forte dessas figuras. A transformação de Maurizio é muito bem trabalhada, e seu envolvimento com Patrizia elaborado em minúcias, principalmente a partir da metade do filme, quando a relação entre eles é trabalhada de modo dúbio e eficiente e se insere outra personagem entre eles. A edição é ágil, com cenas compactas, tecendo uma espécie de miniépico nas relações entre esses personagens, remetendo a O siciliano, de Michael Cimino, e à trilogia dos Corleone de Coppola sobretudo em algumas paisagens e tons da espetacular fotografia de Dariusz Wolski, o mesmo de O último duelo. O filme também, pela trilha sonora, consegue uma atmosfera intensa de anos 70 e depois dos anos 80, remetendo, por vezes, a Wall Street, de Oliver Stone, sem nunca cansar em seus 158 minutos. É por isso um dos filmes mais subestimados de 2021, para mim superior a O último duelo e que continua mostrando o talento inesgotável de Scott em recriar seu estilo cinematográfico em cada detalhe, de verdadeiro amor ao cinema ainda baseado em imagens grandiosas, mesmo quando revela apenas a rotina de figuras que tentam se encontrar.

Depois de vencer o Festival de Veneza com Um pombo pousou num galho refletindo sobre a existência, o sueco Roy Andersson passou a ser mais reconhecido como um surrealista nos moldes dos filmes de Buñuel, mas com maior influência pictórica. Como seu filme anterior, Sobre a eternidade mostra as ações de indivíduos de maneira pausada, teatral, com uma fotografia capaz de capturar o cenário como se fosse um quadro realmente, no qual se movem os seres humanos, entretanto sem muita vitalidade. A diferença em relação ao seu cinema anterior aos dos anos 2010, é que Andersson não está interessado em algum discurso, como ainda acontece, por exemplo, em Eles, os vivos, e sim apenas nos gestos dos personagens enfocados. O espectador é convidado a visitar lugares, como em todo o filme, quase surrealistas, e as janelas lembram cabines. O ambiente, com a mesma cor em tom bege e uma claridade por vezes de uma luz quase teatral, é tão espantosamente estranha quanto cada situação enfocada. Lindo em todos os aspectos, o filme de Andersson capta uma época perdida no tempo, como se o espectador estivesse visitando um museu e tentando ver como seria a vida concentrada em pinturas. A fotografia extraordinária de Gergely Pálos, de qualquer modo, acaba acrescentando um tom de comédia – um humor patético –, sobretudo com a utilização de pontos referenciais no enquadramento (as mesas, cadeiras, portas, o chão, e o que aparece ao fundo de tudo e quase não pode ser notado). Andersson dá a impressão de jogar com sua experiência em publicidade para tentar tornar pop a arthouse: neste, sentimos realmente a narrativa com densidade, com o que aparenta ser um fio quase transparente. Como Um pombo pousou num galho refletindo sobre a existência, esta não é uma simples obra de scketches, e sim um panorama existencial.

Este filme inicialmente despertou polêmica porque, a princípio, foi considerado um filme estrangeiro na corrida ao Globo de Ouro, quando se trata de uma produção norte-americana. Trata-se de uma obra com elementos bastante orientais baseado numa tradição cinematográfica norte-americana, principalmente aquela de Terrence Malick, de Dias de paraíso até A árvore da vida, influência evidente do diretor Lee Isaac Chung.  É sensível de modo autêntico e familiar de uma maneira muito sutil, mostrando a inserção dos Yi, uma família coreana, nos Estados Unidos, mais especificamente na zona rural de Arkansas, onde Jacob (Steven Yeun), o pai, espera fazer sua fazenda, com o apoio da esposa Monica (Steven Yeun) e ao lado dos dois filhos, David (Alan Kim) e Anne (Noel Kate Cho), e da avó, Soon-já (Youn Yuh-jung). A atuação do casal central é ótima, mas quem rouba a cena é Yuh-jung, como a avó, seguida por Kim, que faz o neto. Com belíssima fotografia de Lachlan Milne, Minari tem um início lento, mostrando essa família aos poucos se adaptando à nova casa, afastada de tudo, e depois parece engrenar unindo temas que mesclam gerações e o comportamento diante de novas aspirações.

O diretor francês Leos Carax regressa depois de nove anos ao cinema, mais exatamente depois de sua obra-prima Holy Motors, com a desconstrução do musical hollywoodiano numa obra tão surrealista quanto qualquer uma de David Lynch, no entanto com certo romantismo que remete a uma nostalgia, embora cercado de estranheza. Adam Driver e Marion Cotillard formam um par perfeito. Driver é o comediante Henry McHenry, que pede em noivado a famosa soprano Ann Desfranoux (Cottilard). Quando acontece algo a ela, McHenry se une a um antigo colega de Ann, interpretado por Simon Helberg, que consegue se mostrar um grande coadjuvante depois do sucesso em The Big Bang Theory. Carax, que venceu o prêmio de melhor direção em Cannes, demonstra um grande domínio novamente sobre as imagens, entregando um espetáculo sensorial de rara qualidade. Há referências claras a Cidade dos sonhos, assim como uma edição que parece misturar realidade e onirismo, revelando sempre ambientes iluminados de maneira que provoca estranhamento em todos os níveis explorados pelo diretor.

Baseado na atuação de Carey Mulligan como Cassandra “Cassie” Thomas, uma moça que trabalha numa cafeteria e à noite frequenta bares ou clubes se passando por uma mulher ébria, a fim de atrair homens tentando ver nisso uma oportunidade para assediá-las, este filme costura alguns temas polêmicas de maneira original. O espectador, aos poucos, vai conhecendo por que a personagem se comporta dessa maneira, visualizando acontecimentos de seu passado, e Mulligan, uma atriz que se tornou conhecida por filmes de grande circulação, mas com bases no underground, como Drive, tem uma performance fascinante, com nuances, assim como se apresentou há alguns anos em Vida selvagem, estreia na direção de Paul Dano. A princípio, parece um filme apenas com mensagem determinada, quando se torna mais complexo quando avança no retrato de mais um personagem. Também é efetivo ao usar os cenários da casa da personagem como se fosse uma extensão de uma infância prolongada, com cores fortes. A personagem acaba se envolvendo com um ex-colega do curso de Medicina (Bo Burnham, diretor de Oitava série), o qual decidiu largar por um motivo que vai aos poucos se revelando e também vive com os pais, preocupados com a falta de relacionamentos dela. A partir de determinado ponto, quando questões pessoais que pareciam esquecidas voltam à tona, tudo acaba saindo dos trilhos. A diretora Emerald Fennell utiliza bem a fotografia de Benjamin Kračun desde o início, assim como vai relacionando os atos como se fossem capítulos de uma história. Há momentos mais graves, deixando a critério do espectador imaginar o que a personagem faz, e outros verdadeiramente angustiantes. Sob certo ponto de vista, ele poderia ser apenas uma história capaz de compensar a personagem com saídas fáceis, mas prefere levá-la a lugares imprevistos.

Em Pinóquio, há um tratamento por vezes soturno e até desanimador, ou assustador para crianças pequenas, e é quando Garrone mais se aproxima de seu excepcional O conto dos contos, no qual conseguia refazer certa iconografia das fábulas com um tratamento original e dedicado a ampliar o olhar delas para o espectador. Tudo é pictórico e atrativo em igual escala. E a maquiagem verdadeira, sem CGI, em Pinóquio, pode parecer estranha a princípio, mas se encaixa neste universo de teatro vivo encenado por Garrone de modo dedicado e animador. Enquanto Benigni tem uma atuação afetiva e muito boa, Federico Ielapi não se mostra tão à vontade no papel central, porém não prejudica. Em linhas gerais, Garrone se desapega um pouco do estilo de Terry Gilliam, embora ainda o tenha, precisamente dos experimentos As aventuras do Barão MünchausenO mundo imaginário do Dr. Parnassus Os irmãos Grimm, focando mais numa melancolia à margem de seus personagens, e na sua hora final emprega um crescente emocional que se resolve na sequência derradeira. Por vezes, parece haver uma edição estranha em sua primeira hora, no entanto os acontecimentos vão se encadeando melhor depois. Fala-se que Guillermo del Toro fará sua versão neste ano da mesma história. Precisará ter qualidade rara para se equivaler ou superar esta.

É surpreendente não a qualidade de A crônica francesa, o que sempre se espera de Wes Anderson, mas como ele oferece novos elementos dentro do seu universo. É uma das maiores homenagens à Nouvelle Vague. Benicio del Toro, Adrien Brody e Léa Seydoux estão fabulosos na primeira história de A crônica francesa, ele como o artista “torturado” e preso Moses Rosenthaler, ela como Simone, uma guarda da cadeia; e Timothée Chalamet e Frances McDormand na segunda, ele no papel de um rapaz revolucionário, Zeffirelli, apaixonado por Juliette (Lyna Khoudri), ela como uma jornalista que analisa a juventude anárquica. O terceiro tem a história mais contida, embora calibrada e divertida como as demais, focando um grupo criminoso cujo líder (Edward Norton) enfrenta o comissário de polícia (Mathieu Amalric). Como elo de narrativa, o editor Arthur Howitzer Jr., interpretado por Bill Murray da publicação A Crônica Francesa. Está clara a admiração do diretor pelo cinema francês em cada momento. Ao mesclar imagens em preto e branco com coloridas, ele foge um pouco ao senso de fantasia de seus filmes anteriores, parecendo, às vezes, querer emular Godard, todavia com estilo próprio. A segunda parte tem muito dos filmes revolucionários dos anos 60, com a filosofia patética de Anderson tentando satirizar cada instante dessa época, com uma fidelidade impressionante a cada artista referenciado. Há também muito, principalmente no ciclista feito por Owen Wilson, alusões a Jacques Tati. O filme de Anderson merecia muito mais a Palma de Ouro em Cannes do que Titane, na minha opinião. Trata-se de um cinema ao mesmo tempo ousado e despretensioso. É talvez o filme mais experimental do cineasta e mesmo assim muito acessível para quem compartilha seu humor inusitado. Roteiro brilhante em todos os níveis, com diálogos que fluem de modo bem-humorado, além da narração muito perspicaz de Anjelica Huston, sobretudo pelas atuações espetaculares de todo o elenco. Nisso, apenas um reparo: parece que alguns nomes, como o de Elisabeth Moss, estão no filme apenas como adereço, já que não têm personagens minimamente desenvolvidos. De modo geral, há mais aqui, na edição e obsessão com simetrias, uma semelhança com O grande Hotel Budapeste, embora sua maneira de filmar seja ainda mais teatral e com movimentos encenados que remetem também ao cinema mudo. A fotografia de Robert D. Yeoman é, como de praxe, linda, assim como a trilha sonora de Alexandre Desplat tem exímia naturalidade. Não é um filme emocional como outros de Anderson, a exemplo de Os excêntricos Tenembaums e Moonrise Kingdom, mas dentro da sua disposição de cenas incrivelmente conectadas ele se sente cinema de primeiro nível.

Neste projeto, há cenas completas que já tinham recortes nos trailers originais de Liga da Justiça, ou seja, é muito provável que o filme a ser lançado antes da edição de Joss Whedon em 2017 era muito parecido com este – com exceção feita à divisão, que possivelmente foi uma ideia posterior, para comportar melhor as 4 horas. Independente de qualquer coisa, Liga da Justiça de Zack Snyder é um dos grandes acontecimentos do ano e um verdadeiro feito diante de tantos percalços. Ele tem uma aura suficientemente distinta para se comparar com Watchmen – O filme, talvez o filme mais arriscado de Snyder, e com Batman vs Superman, seu momento mais subestimado. Para os fãs de quadrinhos, é impecável, mesmo que o cineasta atenue seu estilo, empregando poucas canções e pouca câmera lenta, apesar de usá-la bem em momentos específicos. Snyder entrega uma obra-prima, o fim da “era dos heróis” e, ao mesmo tempo, um reinício, dotado de uma visão própria e ainda muito humana. Muito será feito ainda na indústria para tentar se equivaler a esse triunfo de adaptação dos quadrinhos. Extraordinário se fosse sintetizar, como tanto queriam os produtores em 2017.

Melhores de 2021 (diretores, atores, atrizes… e categorias técnicas)

Por André Dick

Cinematographe apresenta, a seguir, listas dos melhores nas categorias principais (diretor, ator, atriz, ator coadjuvante, atriz coadjuvante, elenco, roteiro original e roteiro adaptado) e técnicas (fotografia, trilha sonora, montagem, design de produção, figurino, maquiagem, efeitos visuais e som) de filmes disponibilizados comercialmente nos cinemas e streaming do Brasil ao longo de 2021. Nas categorias de atores e atrizes, selecionam-se mais nomes para destacar ao leitor diversas atuações. Não há, nelas, ordem de preferência. O próximo post apresentará os melhores filmes do ano.

Melhor diretor

Wes Anderson (A crônica francesa), Leos Carax (Annette), Zack Snyder (Liga da Justiça de Zack Snyder), Ridley Scott (Casa Gucci), Roy Andersson (Sobre a eternidade)

Melhor ator

Benicio del Toro (A crônica francesa), Anthony Hopkins (Meu pai), Adam Driver (Annette), Leonardo DiCaprio (Não olhe para cima), Benedict Cumberbatch (Ataque dos cães)

Melhor atriz

Andra Aday (Estados Unidos vs. Billie Holiday), Meryl Streep (Let them all talk), Olivia Colman (A filha perdida), Carey Mulligan (Bela vingança), Rosamund Pike (Eu me importo)

Melhor ator coadjuvante

Jared Leto (Casa Gucci), Leslie Odom Jr. (Uma noite em Miami), Jared Leto (Os pequenos vestígios), Simon Helberg (Annette), LaKeith Stanfield (Judas e o messias negro)

Melhor atriz coadjuvante

Yuh-Jung Youn (Minari), Cate Blanchett (Não olhe para cima), Jodie Foster (O mauritano), Elle Burstyn (Pieces of a woman), Dianne Wiest (Let them all talk)

Melhor roteiro original

A crônica francesa * Annette * Minari * Não olhe para cima * Bela vingança

Melhor roteiro adaptado

Duna * Pinóquio * Casa Gucci * Liga da Justiça de Zack Snyder * Uma noite em Miami

Melhor fotografia

A crônica francesa * Sobre a eternidade * Amor, sublime amor * Identidade * Casa Gucci

Melhor trilha sonora

Ataque dos cães * Duna * Liga da Justiça de Zack Snyder * Amor, sublime amor * A crônica francesa

Melhor design de produção

Amor, sublime amor * Duna * Noite passada em Soho * Apresentando os Ricardos * Pinóquio

Melhor figurino

Pinóquio * Casa Gucci * Noite passada em Soho * Amor, sublime amor * Apresentando os Ricardos

Melhor maquiagem

Noite passada em Soho * Apresentando os Ricardos * Casa Gucci * Annette * Pinóquio

Melhores efeitos sonoros

Duna * 007 – Sem tempo para morrer * Liga da Justiça de Zack Snyder * Godzilla vs. Kong * Homem-Aranha – Sem volta para casa

Melhores efeitos visuais

Duna * Liga da Justiça de Zack Snyder * Eternos * Godzilla vs. Kong * Matrix ressurrections