O beco do pesadelo (2021)

Por André Dick

O mexicano Guillermo del Toro se mostrou capaz de se adequar ao que Hollywood espera de um diretor sem perder sua característica autoral. Desde seu início de trajetória, ele vem mostrando uma regularidade também no trato da fantasia num contexto capaz de dialogar com a história, como em O labirinto do fauno e no oscarizado A forma da água. No entanto, é A colina escarlate, um terror de origem gótica, que assinalou uma mudança na trajetória de Del Toro: a incorporação de um terror clássico no cenário mais popular de Hollywood.
Em O beco do pesadelo, nova versão de um filme de 1947 baseado no romance de William Lindsay Gresham, ele retoma elementos deste filme de 2015, mas com uma maturidade trazida por A forma da água. Passado nos anos 40, inicia acompanhando Stanton “Stan” Carlisle (Bradley Coooper), que, depois de incendiar sua casa com um corpo debaixo do assoalho, encontra um circo. O seu dono, Clem (Willem Dafoe), pede a sua ajuda para se livrar de um homem, que passou a agir como uma aberração, em prol de um determinado objetivo, depois de se viciar em ópio.

No lugar – uma maravilha visual que remete a trabalhos de Tim Burton, sobretudo Peixe grande e Dumbo, e de Jean-Pierre Jeunet, de forma mais destacada Ladrão de sonhos –, trabalham uma clarividente, Madame Zeena (Toni Collette), e seu marido, Pete (David Strathairn), que usam uma série de recursos para convencer a plateia sobre suas habilidades. Apesar de se aproximar de Zeena, Stan, no entanto, se sente mais atraído por uma outra colega, Molly (Rooney Mara), cujo protetor (Ron Perlman) a acompanha. É com ela que ele vai traçar um caminho que vai levá-lo a conhecer a Dra. Lilith Ritter (Cate Blanchett), com interesse em suas apresentações. Ele é abordado pelo juiz Kimball (Richard Jenkins), interessado em fazer com que ele e sua esposa possam ter contato com o filho morto. Esta parte de O beco do pesadelo parece remeter a O mestre, obra-prima de Paul Thomas Anderson, no qual o criador de uma seita tentava levar um pupilo a seguir seu caminho.

O beco do pesadelo tem muito do estilo de Del Toro: a riqueza visual, o design de produção exuberante e os figurinos magníficos. Soma-se a ele um grande diálogo com o noir dos anos 40 e 50, principalmente. A fotografia de Dan Laustsen e os próprios personagens dialogam muito com outra homenagem ao gênero deste século: Dália negra, de Brian De Palma. Nesse sentido, embora os temas se relacionem ao mistério da clarividência, O beco do pesadelo lida mais com o suspense, o horror e com o mistério que ronda um bom policial e suas referências discretas à história nunca sobrepujam a narrativa. Não apenas Blanchett consegue empregar de maneira exitosa uma personagem que deriva para a psicologia, como o relacionamento que ela desperta remete à femme fatale do cinema mais clássico possível – e Del Toro a coloca em cenários enigmáticos, cercados por cortinas. Ela está especialmente bem, uma atriz que melhorou muito depois das atuações em dois filmes de Terrence Malick, Cavaleiro de copas e De canção em canção. Sua interação com Bradley Cooper, outro ator que se tornou grande depois de O lado bom da vida, é oportuna para tornar O beco do pesadelo num acerto concreto em todos os níveis. Enquanto isso, Rooney Mara é adequadamente delicada e um tanto ingênua, situando-se entre dois extremos.

Se a narrativa na primeira parte mostra essencialmente um homem estranho num ambiente excêntrico, na segunda, quando ele tenta adequar seu interesse a uma realização pessoal, Del Toro amplia o entendimento da obra de maneira mais ampla, mostrando como o homem pode se tornar uma aberração por si próprio. Os homens, aqui, são a ameaça e as atrações não tão belas de um circo humano. Os cenários e figurinos belíssimos parecem sempre esconder algo mais obscuro, o que se percebia em A colina escarlate, outra obra subestimada do diretor. A atuação de Cooper conduz o personagem a um extremo em que o espectador não tem exatamente simpatia, mas interesse por seu projeto. Del Toro mostra uma evolução principalmente ao tratar da maneira como se investiga a capacidade de esse homem de ter determinadas habilidades vistas com desconfiança. Ele nunca resvala para algo mais popular, como fazia até mesmo em A forma da água, do mesmo modo que mostra a violência sem o seu exagero habitual, quase parte de seu estilo, mas de forma mais realista, o que também não é comum num filme distribuído pelos estúdios Disney. Desse modo, O beco do pesadelo se insere naquele grupo de filmes que apresentam uma curiosa inclinação para o retrato histórico que ganha muito com elementos fantásticos. Gostando-se ou não da narrativa, apresenta cinema de verdade.

Nightmare alley, EUA, 2021 Direção: Guillermo del Toro Elenco: Bradley Cooper, Cate Blanchett, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Rooney Mara, Ron Perlman, Mary Steenburgen, David Strathairn Roteiro: Guillermo del Toro e Kim Morgan Fotografia: Dan Laustsen Trilha Sonora: Nathan Johnson Produção: J. Miles Dale, Guillermo del Toro, Bradley Cooper Estúdio: Searchlight Pictures, TSG Entertainment, Double Dare You Productions Distribuidora: Walt Disney Studios

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