Trilogia De volta para o futuro (1985, 1989, 1990)

Por André Dick

Os anos 80 foram propícios para que uma nova geração de cineastas fizesse sucesso, principalmente alguns apoiados por Steven Spielberg, como Joe Dante e Robert Zemeckis. Foi este segundo, autor do roteiro de 1941 de Spielberg, escrito com o mesmo Bob Gale de De volta para o futuro o que mais se destacou. No filme projetado para estabelecer vínculos temporais longínquos, o jovem Marty McFly (Michael J. Fox) deseja tocar guitarra no colégio, enquanto tem uma amizade com o doutor Emmett Brown (Christopher Lloyd). São as atuações de Fox e Lloyd que dão vida a personagens que poderiam passar despercebidos se estivessem em outra história mais genérica. Para fugir de um atentado terrorista, cometido contra seu amigo cientista, McFly viaja no tempo e para no ano de 1955 da cidadezinha onde mora, Hill Valley. Nos anos 1950, encontra Emmett Brown algumas décadas mais novo (apesar de não parecer) e precisa, depois de um súbito interesse de sua mãe (Lea Thompson), ainda jovem, por ele, apresentá-la ao que seria seu pai (Crispin Glover). E, claro, no meio há um vilão: Biff Tannen (Thomas F. Wilson). Estamos diante de uma história simples, mas que Zemeckis torna secular, ao transformar o passado e o futuro chaves para a memória da humanidade, de uma nostalgia mais esquecida.

A proximidade que McFly tem com seus futuros pais é muito bem conduzida, tornando crível esta história fantástica e permitindo ao roteiro fazer piadas relacionadas a personalidades (o doutor não acredita por exemplo que Ronald Reagan, ator em sua época, viraria presidente dos Estados Unidos).
Ao mesmo tempo, a produção de Spielberg se nota em cada momento, no uso da trilha sonora pop e na mescla entre a realidade e a fantasia. Zemeckis já tinha se mostrado um diretor ágil ao situar seu interesse na beatlemania dos anos 60 com seu Febre de juventude, filme de estreia de 1978. Com rara mão para dirigir jovens atores, ele apanha a nostalgia daquele filme e a converte em elemento para que, com elementos e ficção científica, pudesse fazer De volta para o futuro. Ele entrelaça o ponto de vista da nostalgia com a velocidade da cultura pop dos anos 80, com sua miscelânea de acontecimentos. Ou seja, se o presente (1985) é rápido, as coisas nos anos 50 se mostram muito singelas, como se vê no primeiro encontro de McFly com sua família ainda jovem. Nisso, o elenco, começando por Fox, Thompson, Glover e Lloyd, funciona perfeitamente.
Continuação lançada quatro anos depois, De volta para o futuro II não chega a ser tão bom quanto o original, mas foi bem nas bilheterias americanas. E tem uma qualidade: reconhece o primeiro como insuperável, pegando-o como material para subverter as passagens do tempo, o que, curiosamente, também o torna único. Os momentos divertidos são poucos, mas há um humor mais ácido e ação, desenfreada, está mais presente. Começa onde terminou o primeiro, com McFly (Fox), Doutor Brown (Lloyd) e Jennifer (agora Elizabeth Shue), namorada de McFly, viajando no tempo para 2015, onde ajudarão seu filho a se livrar da cadeia, por causa do neto de Biff, Griff Tannen.

O vilão do filme passado, Biff, agora velho, volta para o passado com a máquina do tempo de Doc depois de comprar um livro com resultados de jogos. Ele regressa a 1955 e entrega esse livro ao seu eu jovem. Então, para modificar todo o ano de 1985, completamente diferente quando volta, McFly vai em busca do livro de resultados. Os efeitos visuais são excelentes (com um futuro opressor imaginado por Zemeckis), o elenco é bom, mas a história às vezes confusa, o que é um mérito – talvez aí, por outro lado, esteja a originalidade deste filme. É interessante como o roteiro consegue unir várias histórias em tempos diferentes com os personagens agindo como se vissem seus reflexos e comportamentos passados, assim como coloca mais uma vez o dilema de McFly de tentar salvar a vida não apenas da família, como também da cidade de Hill Valley, das mãos de Tannen. Ao vê-lo casado no presente modificado com sua mãe, ele vê sua existência sendo colocada em xeque. De certo modo, o segundo De volta para o futuro vai reprisar situações do filme anterior sob um novo ângulo, criando um universo paralelo àquele que vimos, é eficaz também na maneira como reproduz a cultura dos anos 80 projetada em 2015, com um grande holograma de Tubarão 19 na praça de Hill Valley ou os tênis Nike usados pelo personagem, além de outras referências de marketing que criam um elo temporal interessante.

O terceiro recupera a fantasia mais nostálgica do primeiro, trazendo novamente boas atuações e a direção competente de Zemeckis. O jovem Marty McFly (Fox), no final do segundo, recebia uma carta do professor Emmett Brown (mais uma vez excelente Lloyd), que estaria no velho oeste, mais precisamente em 1885, quando a cidadezinha de Hill Valley havia sido criada. Marty viaja novamente no tempo e encontra o cientista trabalhando como ferreiro e apaixonado por uma professora, Clara Clayton (Mary Steenburgen), mas, principalmente, preocupado que será morto num duelo pelo antepassado de Biff. Por isso, McFly volta a se envolver com o bisavô de Biff Tannen (o vilão dos filmes anteriores), aqui Buford “Mad Dog” Tannen. McFly envolve-se, claro, com uma confusão, em marcar um duelo – uma sátira a vários faroestes – com o “Mad Dog”.
O clímax é a volta para 1885, e como acelerar no tempo sem uma locomotiva? Sem excesso de efeitos especiais (como no segundo), com Fox e Lloyd em nova e talentosa parceria e um roteiro inteligente – homenageando o western –, este De volta para o futuro trabalha com a nostalgia. No mesmo ano, um faroeste, Dança com lobos, seria o vencedor do Oscar, e havia uma recuperação do gênero sob um viés mais jovem, em peças como Jovens demais para morrer, uma espécie de John Hughes passado nos tempos das diligências. A terceira aventura de McFly se insere nesse contexto de maneira interessante e, embora com algumas gags óbvias, mais preponderantes aquelas relacionadas a Clint Eastwood (que seriam recuperadas na animação Rango), é um desfecho eficaz para a trilogia, principalmente na sua parte final, quando Zemeckis novamente acelera para o fantástico e não deixa a série realmente partir – quando de fato ela permanece como referência de fenômeno pop de qualidade.

Back to the future, EUA, 1985 Direção: Robert Zemeckis Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Crispin Glover, Thomas F. Wilson Roteiro: Robert Zemeckis e Bob Gale Fotografia: Dean Cundey Trilha Sonora:  Alan Silvestri Produção: Steven Spielberg, Neil Canton, Bob Gale Duração: 116 min. Estúdio: Amblin Entertainment Distribuidora: Universal Pictures

 

 

Back to the future II, EUA, 1989 Direção: Robert Zemeckis Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Crispin Glover, Thomas F. Wilson Roteiro: Bob Gale Fotografia: Dean Cundey Trilha Sonora: Alan Silvestri Produção: Neil Canton, Bob Gale Duração: 108 min. Estúdio: Amblin Entertainment Distribuidora: Universal Pictures

 

 

Back to the future III, EUA, 1990 Direção: Robert Zemeckis Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Thomas F. Wilson, Mary Steenburgen Roteiro: Bob Gale Fotografia: Dean Cundey Trilha Sonora:  Alan Silvestri Produção: Neil Canton, Bob Gale Duração: 118 min. Estúdio: Amblin Entertainment Distribuidora: Universal Pictures

O silêncio dos inocentes (1991)

Por André Dick

Se houve um sucesso inesperado no início dos anos 90, foi O silêncio dos inocentes. Além de ter sido um êxito de bilheteria e crítica, foi ganhador de cinco Oscars: melhor filme, diretor, ator (Anthony Hopkins), atriz (Jodie Foster) e roteiro adaptado, façanha alcançada antes apenas por Aconteceu naquela noite e Um estranho no ninho. À primeira vista, é um thriller violento e que, ao estilo do pintor Francis Bacon (homenageado explicitamente), apresenta cenários perturbadores e distorcidos dentro do mundo real, pouco previsto na obra de um cineasta como Jonathan Demme, que na década de 80 vinha de peças bem-humoradas como Melvin e Howard e Totalmente selvagem. Jodie interpreta Clarice Starling, que pretende se tornar agente especial do FBI, com traumas de infância e que precisa investigar a morte de várias garotas, vítimas de um canibal à solta, Buffalo Bill (Ted Levine), que desejar usar a pele delas. A questão se agrava junto ao governo quando uma senadora é sequestrada por ele. Para isso, ela precisa interrogar o psiquiatra canibal Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), em busca de alguma pista.

Comandada por Dr. Chilton (Anthony Heald), a prisão onde está Hannibal é um exemplo de lugar assustador, com um design de produção misterioso, principalmente das paredes, e onde se dá o início de uma relação dentro de certos limites sufocante – evitada por Foster quando se negou a fazer a sequência deste filme, sendo substituída por Julianne Moore. Com a necessidade de criar um ambiente claustrofóbico, em que o chefe de Clarice, Jack Crawford (Scott Glenn), parece gostar dela, parece o único alívio de fuga de um mundo doente, Demme fornece ao espectador fragmentos de suspense, como o de um homem pedindo ajuda a uma moça para colocar um sofá dentro de sua van – e a visão é assustadora.
O romance de Thomas Harris, do qual o filme parte, transformou-se em best-seller após o filme, mas sobretudo por causa da violência que existe nele. Assim, vemos corpos em decomposição, cabeças decepadas, rostos mordidos, em nome da realização de um suspense que, afinal, choque as pessoas. É hiperbólica a sequência em que encontramos um policial morto pelo psicopata, fatiado e pendurado (o que tenta criar uma relação com a borboleta que sai do casulo e, durante o filme, representa a mutação interior do ser humano). Outro exemplo de exagero é a atuação de Hopkins, na mesma medida em que é obsessiva e, desde o primeiro encontro com Clarice, já se traça uma espécie de aproximação entre os dois bastante estranha, mas funcional para o caminho que Demme pretende focar, de culpa do ser humano e apego às memórias antigas – no caso de Clarice, as que envolvem o pai. A trilha sonora de Howard Shore leva a cantos esquecidos da memória da personagem e sempre pontua uma espécie de medo do que pode acontecer.

Toda a composição efetuada por Hopkins é simétrica, por vezes além do limite, porém é ela que concede ao filme uma camada de aspecto perturbador que agita sua narrativa, mesmo quando ela não parece caminhar muito. A figura do pai ausente de Clarice se reflete tanto na figura do superior Crawford, em excepcional atuação de Glenn, quanto na de Hannibal, por caminhos bastante distintos: um representa certa proteção, o outro simboliza o medo vindo da infância mais longínqua. Lançado no mesmo ano de Thelma & Louise e Tomates verdes fritos, o filme de Demme apresenta um dos retratos mais complexos de uma mulher no cinema, com todas suas forças e fraquezas tentando se equilibrar rumo a uma autossatisfação.
Por que, nesse sentido, O silêncio dos inocentes é tão fascinante? Porque, em primeiro lugar, ele parece focar bem um mundo isolado do início dos anos 90, em contraposição à alegria do cinema oitentista, com grande influência de Twin Peaks de David Lynch em sua mistura de ambientes soturnos e estações frias, além de em alguns momentos severamente realista (o encontro de Hannibal no aeroporto com o familiar da senadora) e uma necessidade de mostrar uma investigação que acontece mais no subjetivo do que na superfície. A fotografia de Tak Fujimoto é propícia para essa construção, fazendo com que o espectador seja inserido num universo em que parece não haver calor humano ou afetividade, tudo sendo frio como o próprio caso a ser investigado. A tentativa de encontrar Buffalo Bill é a necessidade de Clarice resolver suas questões até então escondidas, e Foster é exitosa em passar essa sensação, é muito bem desenhada, com passos dignos de um grande thriller de suspense e, mesmo quando Hopkins surge com seu cabelo penteado com exatidão é também um motivo para tentar descobrir o que pode vir dele e ecoar nas descobertas de Starling. A relação entre eles se dá por meio de olhares, mas o vilão parece saber o que se esconde na subjetividade de Clarice.

A sensação de O silêncio dos inocentes é de um mundo sujo e do qual o espectador gostaria de manter distância, mas ele também parece explicar o que pode sempre nos afastar dele. O habitat de Buffalo Bill é impressionante e meticuloso em desenhar um mundo do qual se cria um afastamento automático. Talvez a analogia com o casulo das borboletas logo se esgote no imaginário do espectador, porém há a sequência final, antológica em todos os aspectos, com uma grande precisão do cenário e dos movimentos de fotografia, sob o comando magistral de Demme. O silêncio dos inocentes se tornou talvez tão marcante justamente por esse ato final, em que Demme consegue, ao mesmo tempo, mostrar a coragem de uma agente e sua necessidade de, mesmo se tornando parte de uma instituição, saber que nunca conseguirá resolver os problemas que a abalam psicologicamente. Foster apresenta uma grande atuação nesse sentido, mais do que Hopkins, tornando sua personagem realmente antológica.

The silence of the lambs, EUA, 1991 Diretor: Jonathan Demme Elenco: Jodie Foster, Anthony Hopkins, Scott Glenn, Ted Levine Roteiro: Ted Tally Fotografia: Tak Fujimoto Trilha Sonora: Howard Shore Produção: Kenneth Utt, Edward Saxon, Ron Bozman Duração: 118 min. Estúdio: Strong Heart Productions Distribuidora: Orion Pictures

 

Batman eternamente (1995)

Por André Dick

Depois de Batman – O retorno, a bilheteria não tão exitosa fez com que a Warner Bros não quisesse uma sequência no mesmo estilo soturno proporcionado por Tim Burton, inclusive com figuras mais assustadoras, como as da Mulher-Gato e do Pinguim. Três anos depois, ainda que com a produção do diretor, ela apostou em várias mudanças: Michael Keaton, o Batman original, foi substituído por Val Kilmer, o Jim Morrison em The Doors, e a direção ficou a cargo de Joel Schumacher (falecido infelizmente este ano). Este era um diretor que iniciou sua trajetória nos anos 80, primeiro com um filme na linha de John Hughes (O primeiro ano do resto de nossas vidas), seguido por uma diversão adolescente de vampiros (Os garotos perdidos) e um interessante estudo sobre flertar com a morte (Linha mortal). Nos anos 90, Schumacher também fez um drama com Julia Roberts (Tudo por amor) e o arriscado Um dia de fúria, com Michael Douglas, e adaptações reconhecidas de John Grisham, O cliente e Tempo de matar. Por isso, ter chegado à série Batman parecia ser um voto de confiança do cinema blockbuster. Junto com isso, o espaço na composição da trilha, antes de Danny Elfman, foi ocupado por Elliot Goldenthal.

Batman eternamente também traz uma jovem Nicole Kidman e Jim Carrey, depois da explosão inicial em O Máscara, Debi & Loide, e Tommy Lee Jones, além do novo Robin, feito por Chris O’Donnell, reconhecido desde Perfume de mulher. Antes, a série ganhava destaque principalmente pelo tratamento dado aos personagens, próximo do poético. Nesta terceira aventura, Batman tornou-se num justiceiro movido por lembranças, mas visto anos depois e já com as devidas diferenças incorporadas, pode-se notar que este não é um filme meramente inspirado na série dos anos 60. Na verdade, ele é um retrato muito próximo daquele de Burton, mas muito mais colorido e espalhafatoso, diluindo o lado soturno com o humor enérgico de Carrey e o jogo de luzes colorido de Stephen Goldblatt, indicado merecidamente ao Oscar. Bruce Wayne se interessa por uma psicóloga, Chase Meridian (Kidman). Ela, por sua vez, está mais interessada em sua persona noturna. Wayne também tem um breve contato com um de sues funcionários, Edward Nygma (Jim Carrey), um cientista que pretende extrair informações por meio de um aparelho das mentes de Gotham City, certamente o elemento que mais o aproxima de uma história em quadrinhos. De certo modo, ele tem um grande interesse de contar com a colaboração de Duas Caras (Jones), que tenta atrapalhar a vida de Batman desde que entendeu que foi prejudicado pelo super-herói quando ainda era Harvey Dent. Quando Wayne e Chase vão ao circo, eles veem uma apresentação da família de trapezistas Grayson, e é aí que Wayne conhece Robin (Chris O’Donnell). Acontece algo que mudará a trajetória de ambos, e Schumacher lida com essa situação de maneira interessante, jogando um traço mais humano que não havia tanto nos dois de Burton, muito mais, por outro lado, de alto impacto.

Jim Carrey é um Charada estridente, acompanhado por Sugar (Drew Barrymore) e Spice (Debi Mazar) , e ainda mais como Edward. Sua presença é melhor do que a de Jones, que não se sente à vontade no papel, muito afastado de seu estilo habitual, embora certamente ambos estejam longe do que melhor apresenta o filme de Schumacher, que certamente não conseguiu, à época, controlar os arroubos de um Carrey no auge do sucesso.
O papel do herói é mais indefinido que a da persona encarnada por Keaton, cada vez mais moderno, com carro transformado e figurino futurista, mesmo com detalhes polêmicos. Batman parece um coadjuvante no meio dessa tormenta, situado entre os dois vilões excêntricos e os conflitos amorosos e com a possível parceria com um novo super-herói, e Schumacher não permite que o espectador respire, rebocando a ação para o centro de todos os olhares. O excesso de ação cansa, que, por mais interessante que seja, não chega a ser trabalhada do mesmo modo, contudo não era também uma característica tão forte nas peças de Burton. Em Batman eternamente, a movimentação é mais deliberada, cômica, misturando o soturno e as luzes coloridas de Gotham City que parecem remeter a uma mescla entre os trabalhos da Chinatown de Blade Runner e da Chicago fictícia de Dick Tracy.

Há uma sensação quase palpável desse cenário, e Schumacher chega a usar sua característica cor alaranjada – já existente em Um dia de fúria e 8mm: Oito milímetros – para se contrapor à visão de Burton, tornando a mansão de Wayne também mais acolhedora e detalhada, sobretudo em sua coleção de motocicletas, que agrada a Grayson, e com Alfred (o sempre eficiente Michael Gogh). Avaliar que o visual é puro anos 90, como se diz, me parece desviar do caminho: esta é uma história em quadrinhos filmada ao vivo; é colorida, excessiva às vezes, mas tem um ponto de vista. No fim de tudo, Batman eternamente é o que mais antecipa alguns elementos do passado de Wayme, que é reprisado principalmente em Batman begins, de Nolan. Os gráficos do personagem na infância são interessantes e criam uma boa ponte com o conhecido cenário do Asilo Arkham. É aqui que Schumacher revela sua leitura mais apropriada de Batman.

Batman forever, EUA, 1995 Diretor: Joel Schumacher Elenco: Val Kilmer, Tommy Lee Jones, Jim Carrey, Nicole Kidman, Chris O’Donnell, Michael Gough, Pat Hingle, Drew Barrymore, Debi Mazar Roteiro: Lee Batchler, Janet Scott Batchler, Akiva Goldsman Fotografia: Stephen Goldblatt Trilha Sonora: Elliot Goldenthal Produção: Tim Burton e Peter MacGregor-Scott Duração: 129 min. Estúdio: Warner Bros. Distribuidora: Warner Bros. Pictures

Central do Brasil (1998)

Por André Dick

Um dos grande feitos dos anos 90 do cinema brasileiro foi ter ganho o Festival de Berlim com Central do Brasil, de Walter Salles Jr., cineasta de raro talento, como já havia demonstrado em A grande arte (1991), seu primeiro e interessante trabalho, e Terra estrangeira (1995), com fotografia em preto e branco, ao lado da codiretora Daniela Thomas.
Esses dois primeiros filmes indicavam que os elementos da cinematografia de Walter Salles amadureciam e o resultou foi Central do Brasil  (1998) que possui um tom documental, inspirado em parte no cinema de Nelson Pereira dos Santos, elemento acentuado pela crítica. Não chegando ao limite de violência de Pixote, de Hector Babenco, um filme brasileiro igualmente extraordinário, com contornos trágicos, Central do Brasil tem um roteiro propositadamente simples, assinado por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein, mas universal. Isso talvez explique não apenas o Urso de Ouro em Berlim, como também o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e a indicação ao Oscar nessa mesma categoria.

Tendo à frente Fernanda Montenegro, escolhida como a melhor atriz em Berlim, e Vinícius de Oliveira, garoto de 11 anos selecionado por Walter no aeroporto Santos Dumont, onde trabalhava  engraxando sapatos, Central do Brasil tem elementos caros a nosso cinema, vindo de uma tradição reafirmada por Cacá Diegues em Bye Bye Brazil, e por Glauber Rocha em O dragão da maldade contra o santo guerreiro.
A ligação entre Dora (Fernanda Montenegro, indicada ao Oscar, que foi injustamente para Gwyneth Paltrow, de Shakespeare apaixonado), uma escrevedora de cartas na Central do Brasil, e o menino Josué (Vinícius de Oliveira), que tem um problema incontornável com a mãe Ana (Sôia Lira)  e quer conhecer o pai, é, no fundo, a descoberta de dois órfãos, tanto de pais quanto da pátria, sobre a realidade que os cerca. Amiga de Irene (Marília Pêra, excelente), Dora, a princípio, fica em dúvida sobre o que deve fazer; quando descobre, resolve descobrir junto o que a trouxe até ali também. Não à toa o filme de Salles é quase um filme de estrada, como Paris, Texas, de Wim Wenders, ou Bagdad Café, de Percy Adlon.

É nesse tipo de filme, afinal, que os personagens vão crescendo na medida em que viajam para longe de seus lares, encontrando a alma perdida em algum ponto de referência na estrada que os aguarda. No caso de Central do Brasil é a estrada brasileira, com alguns tipos inconfundíveis. O exemplo mais bem acabado é o do caminhoneiro (Othon Bastos, muito eficiente), que dá carona a Dora e Josué quando ambos já não tem como comer e viajar para onde querem.
Fugindo do exílio solitário imposto pela vida, atrás de descobertas, Dora e Josué descobrem não só a si mesmos, no fim da jornada, mas também o país, habitado por pessoas sempre em trânsito – elemento de destaque ainda quando a história transcorre na Central do Brasil, quando o movimento da multidão se dirigindo aos trens não arranca Dora e Josué da solidão onde estão exilados –, estradas desertas, povoados escondidos, procissões de fé, famílias desintegradas. País em parte conhecido – fotografado com raro talento por Walter Carvalho – e, ao mesmo tempo, afastado, desconhecido. Esse traço ecoa o cinema de Glauber Rocha principalmente, no seu interesse em filmar lugares despovoados, longos trechos de estrada apontados para o nada. E Salles visualiza isso de modo humano, não apenas estético.

Com trilha musical comovente de Jaques Morelenbaum, Central do Brasil se desenrola num cenário de feiras, reuniões espirituais, agrupamentos, por meio, é claro, da amizade entre a escrevedora de cartas e o garoto. Na época de seu lançamento, o filme de Salles foi uma espécie de coroamento para uma indústria que vinha com uma lista diversificada de filmes, a exemplo de Os matadores, A ostra e o vento e Guerra de Canudos, entre outros. Seu enfoque principal, contudo, é o de figuras solitárias, com as quais Salles trabalha em A grande arte (como a do fotógrafo vivido por Peter Coyote, cujas relações femininas vão desaparecendo no decorrer da história), Terra estrangeira (os brasileiros que, no exterior, buscam espaço), além de – num escopo  mais abrangente na filmografia do diretor –, a mãe recém-separada feita por Jennifer Connelly em Água negra, o menino que sonha em ser jogador de futebol em Linha de passe e a amizade entre Jack Kerouac e Sal Cassidy de Na estrada. O olhar de Josué, numa grande atuação de Oliveira, ao final de Central do Brasil, certamente é um olhar para um país sempre em autodescoberta. É genuíno e de forte impacto.

Central do Brasil, BRA/FRA, 1998 Diretor: Walter Salles Elenco: Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Vinícius de Oliveira, Othon Bastos, Otávio Augusto, Matheus Nachtergaele, Sôia Lira Roteiro: Marcos Bernstein, João Emanuel Carneiro Fotografia: Walter Carvalho Trilha Sonora: Jacques Morelembaum, Antonio Pinto Produção: Martine de Clermont-Tonnerre, Arthur Cohn, Robert Redford, Walter Salles Duração: 113 min. Estúdio: VideoFilmes Distribuidora: Europa Filmes/Sony Pictures Classics 

Alien – A ressurreição (1997)

Por André Dick

Muito criticado, Alien 3 veio no rastro do sucesso de Aliens e dirigido pelo talentoso estreante David Fincher (que faria depois, entre outros, SevenO curioso caso de Benjamin Button e A rede social), antes dele responsável por clipes de Madonna e Billy Idol, entre outros. Ele pode ter salvo uma ficção científica com muitos problemas de produção. No papel da tenente Ellen Ripley, Sigourney transforma-se, aqui, numa espécie de fuzileira naval. Ela volta a enfrentar um alien, muito mais veloz, num planeta-prisão, habitado por homens que seguem uma religião medieval e foram aprisionados ali por serem loucos ou psicopatas. O diretor soube criar uma atmosfera vazia e com clima claustrofóbico, tal como o primeiro da trilogia, mas com o suspense do segundo.
O fator que diferencia este Alien dos outros é a temática existencial, assinada por Vincent Ward (diretor de Navigator). Os personagens nunca agem de maneira previsível, principalmente, sobretudo os de Dance (o médico) e Dutton (o braço direito do líder da religião) e, claro, de Sigourney, emprestando um lado verossímil a um personagem que combate um monstro quase sem armas – ao contrário do segundo filme, ou seja, aproximando-se mais do original. Tem muita ação, muitos movimentos de câmera (para mostrar as perseguições), excelente maquiagem, uma boa dose de humor e apenas um problema: a curta duração.  No entanto, o final indica um desfecho para a série. Como contornar esse fato?

A resposta é dada em Alien – A ressurreição. Além de trazer de volta a tenente Ellen Ripley, interpretada por Sigourney Weaver, os produtores da Fox chamaram o francês  Jean-Pierre Jeunet para o cargo de diretor do novo Alien. Se ele era elogiado por Delicatessen e Ladrão de sonhos, requintes de apuro visual – exigência para ser diretor da série, a julgar por Scott, Cameron e Fincher –, e viria a dirigir a obra-prima O fabuloso destino de Amélie Poulain, em sua estreia de Hollywood não se deu bem. Apesar do filme ter o seu registro visual e cenários fantásticos, superiores a qualquer ficção científica atual, Alien – A ressurreição tem uma predileção pelo exagero. Isso se mostra não apenas na maneira como Ripley reaparece – e a versão estendida, com 13 minutos de cenas acrescidas ou modificadas é vital para estabelecer seu contato novamente com Newt, a menina de Aliens. A partida da história mostra cientistas numa nave espacial em 2379, a  USM Auriga, clonando a tenente Ripley, conseguindo extrair dela o embrião da rainha alien, para reprodução.

Enquanto a clone tem uma força incomum, proporcional ao do alien, os monstros da nova ninhada se rebelam contra os cientistas que os pesquisam, entre os quais Dr. Mason Wren.(JE Freeman) e Dr. Jonathan Gediman (Brad Dourif). Na nave, chega um grupo de mercenários que traz humanos para pesquisas: Ron Johner (Ron Perlman), Gary Christie (Gary Dourdan), Sabra Hillard (Kim Flowers),, Annalee Call (Winona Ryder) e Dom Vriess (Dominique Pinon).
Em alguns momentos, também no elenco – com a inclusão de Perlman e Pinon –, este Alien dialoga com o filme anterior de Jeunet, Ladrão de sonhos, com seu clima claustrofóbico e esfumaçado, como se ocorresse numa penumbra, assim como traz gráficos de experimentos laboratoriais que remetem à mesma obra.
Com um festival de mortes e violência, carrega na atmosfera, um híbrido entre gosma e pesadelo, exibindo monstros estraçalhando humanos – o que se via apenas de forma discreta, sobretudo no terceiro –, seres mutantes e uma nova rainha alien, que dá a luz a um rebento assustador.

O interessante, mais de mais de 20 anos depois, é ver como alguns lances do roteiro de Joss Whedon – que havia ajudado a escrever Toy Story dois anos antes – antecipam as ideias de Prometheus, na fusão entre aliens e humanos. Embora o espectador precise obrigatoriamente aceitar a ideia de que Ripley agora é um clone com uma força descomunal, ele pode aceitar a ideia de sua amizade com Call como reflexo da lembrança que tem de Newt, o que a versão estendida do filme provoca. Isso dá razão a uma conversa mais longa entre elas depois de um embate bastante interessante da equipe contra aliens embaixo d’água, filmada com rara competência por Jeunet numa profusão visual intensa. Os casulos também parecem mais realistas neste episódio de Alien, e os monstros com um aspecto mais aterrorizante. De certa maneira, é o mais próximo do episódio inicial de 1979, com elementos do segundo de Cameron.
A fotografia de Darius Khondji  (que havia feito a da obra anterior de Jeunet, Ladrão de sonhos), os efeitos especiais e os cenários do novo filme são irrepreensíveis, assim como os outros do diretor. Na versão estendida, a curiosidade é seu final estabelecer uma ligação principalmente com Delicatessen, numa marca autoral interessante. De modo geral, sua versão estendida melhora uma produção que não foi tão recebida e merece um reconhecimento: dentro do que se propõe é uma das melhores.

Alien: resurrection, EUA, 1997 Diretor: Jean-Pierre Jeunet Elenco: Sigourney Weaver, Winona Ryder, Dominique Pinon, Ron Perlman, Gary Dourdan, Michael Wincott Roteiro: Joss Whedon Fotografia: Darius Khondji Trilha Sonora: John Frizzell Produção: Bill Badalato, Gordon Carroll, David Giler, Walter Hill Duração: 109 min. (Versão teatral); 116 min. (Versão estendida) Estúdio: Brandywine Productions/ Twentieth Century Fox Film Corporation Distribuidora: Twentieth Century Fox Film Corporation

Jerry Maguire (1996)

Por André Dick

O diretor Cameron Crowe vinha de uma juventude trabalhando como repórter de música da Rolling Stone quando teve um roteiro seu filmado por Amy Heckerling em Picardias estudantis. Em Digam o que quiserem, ele estreou como diretor, mostrando uma história interessante sobre um jovem (John Cusack) que se apaixonava por uma colega de escola, enfrentando uma situação inusitada quando o pai dela se envolvia em problemas. Seu segundo passo foi o curioso Vida de solteiro, situado na cena grunge de Seattle dos anos 90; Finalmente, em 1996, ele deu o passo adiante em sua trajetória com Jerry Maguire. Indicado aos Oscars de melhor filme, roteiro original, ator (Tom Cruise) e edição e que proporcionou a estatueta de melhor coadjuvante ao ótimo Cuba Gooding Jr. Seu diretor, Cameron Crowe, já havia prestado uma homenagem à juventude descompromissada em Vida de solteiro e acerta, neste filme, no coração juvenil americano, com uma história ao mesmo tempo simples e exagerada (spoilers a partir daqui).

O agente esportivo Jerry Maguire (Cruise) redige um manual endereçado aos colegas de profissão, em que pede que os atletas em geral sejam mais valorizados. A princípio aplaudido, ele logo é despedido de sua agência por um colega inescrupuloso, Bob Sugar (Jay Mohr), que acaba roubando também sua agenda de esportistas que agencia. Na despedida do emprego, uma moça, Dorothy Boyd (Renée Zellweger) decide acompanhar Maguire em carreira solo. Namorado de Avery Bishop (Kelly Preston), uma mulher ambiciosa, o cliente que lhe resta é um jogador de futebol americano Rod Tidwell (Cuba), mas ainda tenta se manter agente de  Frank “Cush” Cushman (Jerry O’Connell), influenciado por seu pai, Matthew (Beau Bridges). Mãe solteira, Dorothy vai se interessar por Maguire e, a partir daí, o filme se torna, além de bem-humorado, romântico. O filho de Dorothy, Raymond (Jonathan Lipnicki) começa a gostar de Maguire como o pai que lhe faltava. No entanto, a irmã de?Dorothy, Laurel (Bonnie Hunt), está com receio do envolvimento dela com o novo chefe.

Ela costuma se reunir com amigas em sua sala de casa para falar sobre problemas que tiveram com seus parceiros – e Maguire parece como um intruso nesse cenário. Afogado em dívidas, ele é traído várias vezes, mas sabe que tem o perfil da superação.  Com intervalos pop, muito bem feito. Maguire e Dorothy se aproximam de Rod e sua mulher, Marcee (Regina King), tornando-se amigos e dividindo os problemas.
Jerry Maguire possui quase todos os elementos da filmografia de Crowe, cada vez mais usuais em Quase famosos, Compramos um zoológico e Sob o mesmo céu. Mesmo não sendo o melhor personagem de Cruise no cinema (que continua sendo Ron Kovic, de Nascido em 4 de julho), Maguire ainda assim é uma composição interessante que dá valor especial a esta obra de Crowe. Sua parceria com Zellweger, além disso, é muito boa, e funciona principalmente nos momentos de comicidade, auxiliado, às vezes, por uma ótima Regina King. No mesmo caminho, o trabalho de fotografia de Janusz Kamiński, hoje habitual colaborador de Steven Spielberg, faz uma mescla entre a iluminação de manhãs e uma atmosfera acolhedora noturna, quando, por exemplo, Maguire se prepara para ir a um restaurante com Dorothy. São momentos que Crowe sublinha com sua insuspeita em mostrar um mundo positivo, mesmo com personagens em meio a dificuldades. Cada um deles vai tentando estabelecer relações em meio a um cenário no qual os valores determinam seguir um rumo diferente, porém Crowe nunca perde de vista a humanidade investida em pequenas ações e gentilezas que movem a narrativa.

Em meio a isso, cresce o dueto de Cruise com Cuba Gooding Jr., um dos mais expressivos da década de 90 – principalmente manifestos em diálogos sobre a superação e especialmente nos bastidores de um comercial do jogador.. Há uma notável agilidade na maneira como Crowe utiliza esse personagem para visualizar o sonho americano, reproduzido tanto por Maguire como agente quanto por Rod como jogador e Dorothy como uma mulher que pretende criar independência estabelecendo laços. Há um romantismo dos anos 99 na história que em parte se perdeu a partir deste século, muitas vezes ingênuo, mas nunca menos do que autêntico. Crowe também possui uma tendência a relatar histórias otimistas, como mostra com o universo do rock em Quase famosos, sempre fazendo seus personagens atuarem com um elo de ligação muito claro com seu público.

Jerry Maguire, EUA, 1996 Diretor: Cameron Crowe  Elenco: Tom Cruise, Cuba Gooding Jr, Renée Zellweger, Kelly Preston, Regina King, Jerry O’Connell, Jay Mohr, Bonnie Hunt, (Jonathan Lipnicki, Beau Bridges Roteiro: Cameron Crowe Fotografia: Janusz Kamiński Trilha Sonora: Nancy Wilson Produção: Cameron Crowe, James L. Brooks, Laurence Mark, Richard Sakai Duração: 139 min. Estúdio: TriStar Pictures, Gracie Films, Vinyl Films Distribuidora: Sony Pictures Releasing

50 melhores filmes dos anos 90

Por André Dick

Abaixo, uma lista dos 50 melhores filmes dos anos 1990 segundo o Cinematographe. As listas completas dos melhores filmes de cada ano dessa década estão nesta página. E os cartazes dos 50 escolhidos nesta. Importante assinalar que o visual das imagens é baseado naquele utilizado pelo MUBI.

Os imperdoáveis (1992)

Por André Dick

Clint Eastwood inicialmente ficou conhecido pelos filmes de Spaghetti western que fez com Sergio Leone, antes de encarnar o policial Dirty Harry. Em seguida, tornou-se diretor, com Josey Wales, o fora da lei e O cavaleiro solitário, dois faroestes mais climáticos do que aqueles co cinema clássico dos Estados Unidos. Ele também alternou outros gêneros (O destemido senhor da guerra, Cadillac cor-de-rosa, Bird) e no início dos anos 90 e causou sensação em Cannes, dirigindo e interpretando em Coração de caçador. Em seguida, fez Rookie, policial um tanto desastrado, antes de se deparar com o roteiro de David Webb Peoples, o mesmo que escreveu Blade Runner – O caçador de androides, ao lado de Hampton Fancher, que daria origem ao filme responsável por trazer uma reviravolta para sua carreira: Os imperdoáveis, vencedor de quatro Oscars, inclusive filme e direção. Esta guinada não se deu afastada de sua faceta mitológica. Por exemplo, dois anos anos, na terceira parte de De volta para o futuro, Marty McFly, em sua visita ao velho oeste, utilizava o nome Clint Eastwood para seus adversários.

Antecedido pelo humanista Dança com lobos, Os imperdoáveis, por sua vez, investe mais na qualidade de faroeste, embora tardio e um tanto arrependido. O roteiro de Peoples procura mostrar que não existiam justiceiros ou pistoleiros do bem, querendo acabar com o mal, e sim seres humanos. Nesse ponto, assemelha-se, em detalhes internos, ao grandioso O portal do paraíso, em sua tentativa de atenuar a mitologia dos caubóis.  Inclusive, sua trama se passa no mesmo estado do Wyoming, em 1880, ou seja, uma década antes dos acontecimentos do filme da obra-prima de Cimino.
Todos, aqui, de certo modo são habitantes de um universo no qual a pretensa justiça parece ser traduzida apenas por duelos, mas nem esses conseguem trazer uma revitalização para suas vidas. Bill Munny (Eastwood) já foi conhecido por dizimar vários bandidos e agora está melancólico: perdeu a esposa, tem dois filhos e uma criação de porcos para se manter. Certo dia, um jovem, Schofield Kid (Jaimz Woolvett), dizendo-se rápido no gatilho, o convida para matar dois vaqueiros, Quick Mike (David Mucci) e “Davey-Boy” Bunting (Rob Campbell), sendo que um deles desfigurou uma prostituta, Delilah Fitzgerald (Anna Levine), à ponta de faca.

A recompensa, oferecida pela líder de um grupo de prostitutas, Strawberry Alice (Frances Fisher), insatisfeita com o tratamento dado pelo xerife de Big Whiskey, Little Bill Daggett (Gene Hackman), o qual quis apenas uma quantia de dinheiro para o dono do saloon onde funciona o prostíbulo, é de mil dólares. Munny pede ajuda a um velho amigo, Ned Loogan (Morgan Freeman), e com Kid partem para fazer o serviço.
O xerife expulsa o primeiro que aparece em busca de dinheiro, English Bob (Richard Harris), a socos e pontapés, a fim de desencorajar outras pessoas a fazer o mesmo, pois na cidade apenas ele pode portar arma. Bob é acompanhado por um pobre escritor, WW Beauchamp (Saul Rubinek). Este acaba ficando para que Little Big possa, ele sim, ter sua biografia, para contar sobre como caça aqueles que chama de vagabundos. Apesar de pompa em contar suas histórias e convidar um prisioneiro a um duelo em que certamente sairá vencedor, mesmo porque há grades em sua frente, sua delegacia precisa de baldes para conter as goteiras.

Entre uma e outra história, ele joga a água fora do balde e o coloca de volta. No entanto, não se trata de um mero vilão. No momento-chave, quando ele acha ter de controlar a cidade, torna-se aquele que provocará todo um estrago. Enquanto isso não acontece, é Munny que se recolhe, ferido, no lodaçal em frente do saloon. Eastwood consegue mostrar, ao longo do filme, uma versão sombria daqueles filmes que fez com Sergio Leone, expandindo o universo para uma melancolia por vezes fria (os cenários são chuvosos, quando não com neve, e a lama é peça-chave para sintetizar também os personagens), mas nunca sem emoção. A edição de Os imperdoáveis tem um ritmo bastante particular: ao mesmo tempo que o filme parece mesmo lento e com cenas demarcadas, ele, por outro lado, flui e deixa sempre uma impressão de trazer sempre detalhes novos ao visualizá-lo novamente.

Se Clint Eastwood tem o seu melhor momento como ator – ele só conseguiria uma atuação do mesmo nível em Menina de ouro –, Hackman e Freeman não ficam para trás: são magníficos. Hackman finalmente encarna um vilão ameaçador, ao contrário de Lex Luthor, tendo vencido o Oscar de coadjuvante. A atriz Anna Levine, que faz a prostituta, também atua de maneira notável, sobretudo quando dialoga sobre o fato de, em razão das cicatrizes, acha não ser mais uma mulher bonita. É nesta sequência, alimentada pela anterior, que se desenha, no personagem de Munny, uma questão de sobrevivência e vingança.
Repleto de diálogos convincentes, ao longo de mais de duas horas, o filme atrai o espectador tanto pelo elenco quanto pela fotografia de Jack N. Green (habitual colaborador de Eastwood), focalizando um mundo que parece habitado por pessoas sem perspectiva, mas, no fundo, Os imperdoáveis é um drama sobre a amizade e a fidelidade, que resistem numa terra sem lei, e Munny reflete o tempo todo que viver ou morrer são estados de espírito. Sem fazer esforço acaba sendo um dos faroestes mais estupendos da história.

Unforgiven, EUA, 1992 Diretor: Clint Eastwood Elenco: Clint Eastwood, Gene Hackman, Morgan Freeman, Richard Harris, Jaimz Woolvett, Saul Rubinek, Frances Fisher, Anna Levine, David Mucci, Rob Campbell Roteiro: David Webb Peoples Fotografia: Jack N. Green Trilha Sonora: Lennie Niehaus Produção: Clint Eastwood Duração: 135 min. Estúdio: Malpaso Productions Distribuidora: Warner Bros. Pictures

Bottle Rocket (1996)

Por André Dick

Um dos principais pontos a serem discutidos em filmes de estreia é o quanto eles antecipam ou mesmo se afastam da obra do autor que ainda virá – e costuma ser muito mais conhecida, sobretudo quando não iniciou com uma recepção extraordinária. Não é diferente no caso do diretor Wes Anderson, com seu Bottle Rocket (lançado no Brasil com o título genérico Pura adrenalina). Lançado em 1996, com a ajuda de James L. Brooks, diretor de filmes como Laços de ternura e Melhor é impossível e criador dos Simpsons, o primeiro filme de Anderson transformava um curta-metragem de dois anos antes num longa, com os mesmos atores, os irmãos Luke e Owen Wilson. Eles se conheceram na universidade do Texas e certamente lá esboçaram esses projetos (Owen escreveria com Wes ainda Rushmore Os excêntricos Tenenbaums). O que se costuma falar de Bottle Rocket é que se trata ainda de um experimento na carreira de Anderson e de que podem haver elementos nele do diretor mais conhecido e consagrado, no entanto mal desenhados e aprofundados.
Por mais que não haja nele ainda a identidade visual, embora apareçam algumas cores capazes de dialogar com Os excêntricos Tenenbaums, por exemplo, Bottle Rocket parece sintetizar a obra de Anderson, numa história bastante simples, mas não menos densa e transformadora. Experimentando em alguns lugares com a obra Jim Jarmusch, ele já se sente à vontade num universo de humro patético. No entanto, Anderson nunca imagina estar fazendo uma síntese do comportamento humano, como Jarmusch, por exemplo, em alguns filmes, como o rebuscado Misery train, e consegue focar uma certa ingenuidade no comportamento pretensamente visto como adulto.

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Os personagens, aqui, são adultos, mas não agem como tais, porque trazem sempre as reminiscências de uma infância nunca encerrada. Se vemos isso em todos os seus filmes, inclusive no universo de escoteiros de Moonrise Kingdom, em Bottle Rocket talvez esteja não apenas aquilo que propaga essa ideia, mas o Anderson, talvez, mais humano e menos atento à cenografia, portanto possivelmente menos interessante em compor uma ideia a partir da simbologia geral. Isso acaba dando uma naturalidade, mesmo que nunca acomodada, aos seus personagens e uma notável agilidade no uso de imagens do interior do Texas.
Em primeiro plano, é como se Anderson brincasse com duas ideias: o casal de bandidos de Terra de ninguém, de Malick, e o par que pretende assaltar a lanchonete em Pulp Fiction. É ainda mais estranho porque inicia com Anthony (Luke Wilson) fingindo fugir do hospital psiquiátrico em que se encontra para encontrar seu amigo Dignan (Owen Wilson). Certamente, eles já haviam envolvidos em confusões antes, e Dignan planeja uma nova ideia: a de realizar alguns assaltos com o objetivo de ganhar reputação para trabalhar com Mr. Henry (James Caan), uma espécie de Dom Corleone dos subúrbios, mais interessado num jogo de ping-pong. Eles precisam de um carro e alguém a fim de guiá-lo, no que contam com a ajuda de Bob Mapplethorpe (Robert Musgrave, que infelizmente Anderson não aproveita mais em sua filmografia), renegado pelo irmão, John (Andrew Wilson, que parece saído diretamente de um filme dos irmãos Farrelly).

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Eles param num hotel de beira de estrada onde Anthony conhece uma paraguaia, Inez (Lumi Cavazos), com quem poderá se envolver ou não, dependendo das probabilidades, nesse sentido, de Anderson. Os personagens estão como que abandonados neste universo e o hotel, mais do que uma peça de road movie, mostra o quanto eles querem permanecer no mesmo lugar, como querem ficar numa ideia remota de infância, em que a irmã, ainda criança, de um deles se torna injusta porque tentou julgá-lo. Dignan pergunta: “O que ela fez na vida para lhe dizer isso?”. Anderson desenha esses personagens como figuras que tentam viver fora da lei, mas, na verdade, porque não encontram mais nada que possa lhes dar alguma emoção. Isso acontecia com o casal de Malick em Terra de ninguém, mas na obra de Anderson esta ideia não é doentia: passa a ser vista apenas como uma desculpa para uma trupe desastrada ter o que fazer. No entanto, todos os momentos em que Anthony e Dignan se entendem por causa da paixão em relação a Inez é sob o ponto de vista de que um – Dignan – não quer que o outro cresça, e ele aparecer vestido de amarelo sobre uma motinho de cor igual não ajuda a fazer com que haja alguma diferença em sua rotina. Os personagens estão juntos para evitarem uma volta à infância, porém tampouco estão interessados em crescerem – embora queiram buscar o incômodo.
É definidor do estilo de Wes Anderson a passagem de uma festa em que os personagens parecem sossegados para um momento em que estão completamente voltados a uma situação tensa. Os personagens não querem apenas viver conflitos existenciais: eles os buscam arduamente, querendo romper com qualquer motivo de tranquilidade. Se eles não conseguem crescer, pelo menos querem fazer algo ligado à subversão. Há uma influência decisiva para este filme de Hal Hartley, diretor subestimado do início dos anos 90, sobretudo o de Simples desejo, mas, onde Hartley ainda é um pouco amargo, Anderson puxa mais para um lado cômico inesperado dentro do próprio drama que ameaça se pronunciar.

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No entanto, este não chega a vir à tona, não passando de uma provocação escondida em algumas linhas de diálogo quase invisíveis, como aquelas travadas com Applejack (Jim Lagoas) e Kumar (Kumar Pallana), parceiros de roubo em determinado momento, no que anuncia certamente alguns elementos de O fantástico Sr. Raposo e O grande Hotel Budapeste, sobretudo por sua fuga à moral.
O fato de Dignan ter uma espécie de obsessão em fazer com que Anthony não cresça e qualquer elemento que possa se inserir para que isso aconteça passa a ser uma ameaça. Há um propósito na obra de Anderson que é enfocar justamente os desajustes familiares sob um ponto de vista em que sobrevive a atração pelo ideal de felicidade. Bottle Rocket, com seu descompromisso aparente, não consegue esconder o principal: aqui está um dos filmes de 1996 (os outros são Fargo em Trainspotting – Sem limites) em que boa parte do cinema norte-americano tenta se basear quando pretende se credenciar para festivais independentes. No entanto, como esses cineastas adiantam, e o próprio Wes Anderson, Bottle Rocket não faz parte de uma linha previsível de montagem e sim um novo olhar sobre as questões que nos cercam.

Bottle Rocket, EUA, 1996 Diretor: Wes Anderson Elenco: Owen Wilson, Luke Wilson, Robert Musgrave, Lumi Cavazos, James Caan, Andrew Wilson Roteiro: Owen Wilson, Wes Anderson Fotografia: Robert D. Yeoman Trilha Sonora: Arthur Lee, Mark Mothersbaugh Produção: Barbara Boyle, James L. Brooks, Michael Taylor, Richard Sakai Duração: 92 min. Estúdio: Gracie Films Distribuidora: Columbia Pictures Corporation

De olhos bem fechados (1999)

Por André Dick

Último filme de Stanley Kubrick, que faleceu sem vê-lo lançado depois da censura causada pelas cenas de nudez, De olhos bem fechados se baseia no livro Breve romance de sonho, de Arthur Schnitzler, com uma carga de tensão dramática, de thriller quase fantasmagórico e uma fotografia surpreendente de Larry Smith. Kubrick, aqui, está interessado numa estética noturna, do cotidiano, mas com um clima onírico, sem a tentativa de fazer cenas antológicas situadas de forma isolada (de agora em diante, possíveis spoilers).
Um médico, Bill Hadford (Tom Cruise), é casado com Alice (Nicole Kidman), e Kubrick já inicia o filme mostrando ambos indo a uma festa. Nela, Bill fica ao lado de duas modelos (Louise J. Taylor e Stewart Thorndike), enquanto sua mulher conversa com um húngaro, Sandor Szavost (Sky Dumont). A pedido do dono da festa, seu cliente Ziegler Victor (Sydney Pollack), o médico é chamado para atender, com urgência, uma modelo com overdose, Mandy (Julienne Davis). Em determinado momento, Bill se depara com um amigo pianista de jazz, Nick Nightingale (Todd Field), que fala de uma festa proibida no qual toca, e Kubrick compõe essa longa sequência com uma direção de arte composta por luzes de Natal e um brilho que tenta realçar, por um lado, cada um do casal sendo abordado por pessoas diferentes, e a maneira como a possível traição se coloca.
No dia seguinte à festa, Alice conta sobre uma fantasia sexual que teve com um oficial da Marinha, enquanto Bill é chamado para atender o pai de uma mulher, Marion (Marie Richardson), que, mesmo casada, o beija e lhe diz que o ama. No entanto, ele está perturbado com o que a mulher lhe contou, e, vagando pela noite, procura novamente Nick, que toca piano num bar à noite e lhe revela o que precisa para ir à festa de máscaras.

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Kubrick está interessado nessa atração do ser humano pelo sexo e pelo proibido – justamente porque é difícil entendê-los quando cercado de vozes e situações incomuns – a partir do choque causado pelo passado e pela morte do presente (não por acaso, depois de visitar o paciente que acabou de morrer, o único pensamento de Cruise seja na relação com a esposa). Muitas vezes, incorre em metáforas, mas a verdade é que o clima criado durante todo o filme é onírico, fiel ao romance, e mostra a descoberta de um mundo que o médico não conhecia, como quando conhece o dono de uma loja de fantasias, Milich (Rade Sherbedzija), que cuida de uma menina (Leelee Sobieski), soando a presença de Lolita. Tom Cruise, com seu aspecto ingênuo, e ainda sem ficar conhecido pelos filmes de ação, cabe muito bem nesse papel, assim como Sydney Pollack, o amigo misterioso. A máscara que o personagem Bill precisa comprar para ir à festa representa as diversas personae que acaba tendo de adotar, a fim de que não seja descoberto.
Há um interesse evidente de Kubrick nessa odisseia pelos espelhos, e os personagens estão sempre à frente deles, sendo vistos ou se olhando, como na conversa que o casal tem, antes de começar a divagar justamente sobre suas repressões. Estamos diante da odisseia de um homem comum, assim como Ulysses cambaleando por Dublin, ou como Lynch tornaria sua personagem Rita em Cidade dos sonhos descendo a Mulholland Drive (uma inspiração de Kubrick em Lynch, para retribuir Eraserhead em O iluminado). Lynch compreende, como Kubrick, que um filme transita por vários gêneros, ou seja, há, em De olhos bem fechados, tanto um drama de costumes quanto uma atmosfera de terror e suspense, e elementos de comédia, tragédia e distração.
No entanto, esta odisseia, assim como pode terminar numa resolução e no encontro do personagem com uma pretensa verdade que pode resguardá-lo de uma verdade maior, também concede uma espécie de visto para uma realidade escondida ao sonho que Bill imagina viver a partir de determinado momento, quando passa a ser seguido pela rua, por pessoas que desconhece, ou quando descobre que o amigo sofreu uma violência.

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A festa com cenas de sexo é mostrada de maneira muito discreta, por meio da brilhante fotografia de Smith, parecendo mais uma espécie de anexo às imagens enquadradas de Barry Lindon, para serem vislumbradas como pinturas, mas é através dela que Bill se coloca em meio à cena central, quando cobrado por sua presença. Isto faz com que Kubrick retome a primeira parte do filme, quando os personagens estão numa festa e seguem caminhos diferentes, embora ambos ilusórios.
Kubrick novamente dispõe seus personagens em cenários assépticos, limpos (mesmo na festa da orgia, que lembra filmes que focam o século XIX), pois construiu um Greenwich Village nos estúdios Pinewood, da Inglaterra. O resultado é que poucos filmes conseguem retratar o ambiente noturno como De olhos bem fechados, e quando o personagem central vaga pela cidade é como se Kubrick conseguisse ingressar o espectador em cada ambiente, seja de festa (como o clube), de terror (o encontro secreto), de alegria estranha (a loja de fantasias, com o nome sugestivo de “Rainbow”, como se remetesse ao universo paralelo de Oz) ou de melancolia (a casa de Domino, uma prostituta pelo qual Bill se interessa, interpretada por Vinessa Shaw). E focaliza sempre a estranheza e o amor entre os personagens num distanciamento provocado por eles mesmos. Isso se deve à interpretação tanto de Cruise quanto de Kidman, que à época formavam um dos casais mais conhecidos de Hollywood e que, de certo modo, expõem a si mesmos por meio dos personagens, embora sempre com um determinado limite, sem nenhuma tendência a algo explícito (o sexo, aqui, sem dúvida não tem a mesma presença daquela que vemos, por exemplo, em Laranja mecânica). Kubrick tinha a noção exata de que, para que o filme rendesse na medida certa, o casal precisaria ser de verdade – e o que eles falassem transpareceria, em algum sentido, o conhecimento da plateia. Tende-se a dizer que as cenas de sexo tão excessivamente assépticas, mas parece se encontrar aí um dos méritos do diretor: as cenas evocam um universo de máscaras, e nada se revela nele. No sexo mostrado de De olhos bem fechados, todos são escondidos.

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Ou seja, De olhos bem fechados quer adentrar a noite como se adentra em personagens densos e provocativos, a começar por Bill, que não enlouquece como outros personagens de Kubrick (o computador de 2001, Jack de O iluminado e o soldado de Nascido para matar), mas porque simplesmente não entende que está acordado. Para Kubrick, a noite e a relação se compara a uma divagação, a um elemento cercado de onirismo, que pode atender ou não por segurança e amor. Interessante, nesse sentido, quando Bill volta à casa de Domino e encontra uma colega, que lhe conta um segredo sobre a amiga, fazendo com que a satisfação de Bill acabe perpassada pelo sentimento de perda – tanto da pessoa quanto da noite anterior, que lhe trouxe o que até então desconhecia. Mesmo com as luzes acesas, e há luzes espalhadas ao longo de todo o filme, seja as de Natal, época em que se passa o filme, seja as das festas que acontecem, é difícil ver os personagens. Resta a perambulação na noite, até um encontro com o segredo, em meio a uma música soturna. E o personagem está sempre acompanhado, na busca de sua fantasia, pelo espectro da morte, que o impede de realizá-la. Depois de diversas obras-primas, De olhos bem fechados é outro filme de Kubrick que atinge notas altas.

Eyes wide shut, EUA/ING, 1999 Diretor: Stanley Kubrick Elenco: Tom Cruise, Nicole Kidman, Sydney Pollack, Rade Serbedzija, Marie Richardson, Thomas Gibson, Leelee Sobieski, Vinessa Shaw, Todd Field  Roteiro: Stanley Kubrick, Frederic Raphael Fotografia: Larry Smith Trilha Sonora: Jocelyn Pook Produção: Brian W. Cook, Stanley Kubrick Duração: 160 min. Estúdio: Hobby Films / Warner Bros. Distribuidora: Warner Bros.