Mãe só há uma (2016)

Por André Dick

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Baseada livremente na história do menino Pedrinho, que foi roubado na maternidade de um hospital em Brasília nos anos 80, por uma mulher que passou a criá-lo como se fosse de fato sua mãe, e cuja história veio a público no início dos anos 2000, Mãe só há uma, nova obra de Anna Muylaert, recupera elementos já vistos em É proibido fumar e Que horas ela volta?, mas ainda tem como principal referência Bicho de sete cabeças, no sentido de possuir uma linguagem que parece apoiada numa imagem documental, com um nervosismo típico dos dias atuais e mostrar o atrito entre um jovem e sua família num ambiente turbulento.
Naomi Nero interpreta Pierre, um jovem que procura ainda identificar suas preferências, enquanto vai a festas e frequenta ensaios de uma banda de rock. Também veste roupas de mulher sem que sua família saiba. Nesse momento conturbado, ele descobre, por meio de autoridades, que sua mãe, Aracy (Daniela Nefussi), não seria verdadeira, tendo roubado ele, assim como a sua irmã, Jaqueline (Lais Dias), da maternidade. A partir daí, ele passa a conhecer sua família de verdade: Matheus (Matheus Nachtergaele), Glória (novamente Daniela Nefussi) e seu irmão Joaquim (Daniel Botelho). Nessa nova família, ele também não se chama Pierre, e sim Felipe. O que seria, então, sua família verdadeira?

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Muylaert costura este drama por meio de uma atuação excelente de Nero, principalmente porque ele tem poucos diálogos e mais vemos seu comportamento gestual. Ele é uma escolha acertada justamente porque ele contrabalança uma faceta que procura entender o acontece a seu redor com outra mais violenta, desgastada pelo contato alheio. Isso parece um equilíbrio fácil de ser alcançado e não o é, dependendo, para isso, de um ator capaz de recriar de modo competente diferentes fases de sua jornada. A necessidade de ser aceito de acordo com suas vontades é o mote da trama, que se apoia ainda na recepção dos pais biológicos e sua necessidade de levar o filho a se adequar a uma nova vida. Em suma: é o retrato de alguém deslocado pela necessidade de se responder a testes de DNA e à procura de sua família que deseja sua presença há anos. Dentro da família, ele recebe principalmente a desconfiança do irmão menor, Joaquim, e de seu pai, interpretado por Nachtergaele com grande poder de síntese, pouco afeito a algumas atitudes (principalmente numa loja).
Ao contrário de Que horas ela volta?, não temos aqui uma reflexão sobre padrões de vida, ou isso seria mais o pano de fundo. A questão aqui é como um personagem precisa se adequar a outro universo que não aquele que conhece desde o início de sua criação. Ao colocar a mesma atriz fazendo o papel da mãe que roubou o menino e de sua mãe verdadeira, Muylaert cria um choque de perspectiva. Do mesmo modo, ao colocar o irmão menor de Pierre/Felipe como alguém que precisa visualizar a situação de perto e, ao mesmo tempo, a distância, Muylaert se pergunta: a qual deles falta uma mãe.

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Esses personagens quase não se conversam e não há uma personagem para estabelecer esse elo, como no filme Que horas ela volta?, em que esse papel cabia à personagem de Regina Casé. Trata-se de uma narrativa essencialmente sobre a solidão de um jovem em sua autodescoberta. Pierre/Felipe é o retrato de um determinado jovem indefinido entre ir ou ficar. Essa solidão é assinalada por imagens dele em festas noturnas ou caminhando por um túnel vazio cheio de pichações urbanas. O retrato que Muylaert faz da periferia paulistana é tão melancólico quanto a que exibia do centro da capital de São Paulo em É proibido fumar. Pessoas desaparecem da vista do espectador, assim como outras entrem sem que lhes seja dado o devido crédito: é como se todas estivessem de passagem e nada fosse permanente, assim como a própria situação com que o personagem central se depara. As relações de Pierre/Felipe com homens e mulheres são tão indefinidas quanto sua duração. No cinema brasileiro recente, só há outro personagem jovem tão interessante: o de Casa Grande, que precisava se adequar ao novo momento pelo qual atravessa sua família até então com grande facilidade de vida. O de Mãe só há uma não recebe tantas nuances quanto aquele, porém carrega o mesmo sentido de solidão em meio a decisões que não lhe pertencem ou dos quais deseja fazer parte e não consegue. Durante uma festa no início do filme, ele parece vestir um figurino de pelúcia que remete a Onde vivem os monstros: ele de fato não vivenciou uma infância clara e vive dividido entre ela e o mundo adulto.

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Lançado no Festival de Berlim, no qual recebeu um prêmio especial do júri da revista alemã Männer, por sua temática LGBT, Mãe só há uma é envolvente, curto (pouco mais de 80 minutos) e marcante, graças ao domínio de Muylaert sobre a narrativa e o elenco sólido. Percebe-se a diferença em relação a Que horas ela volta? também na construção, menos fechada, na elaboração da trama sem recorrer a alguns diálogos de apoio desnecessário e à funcionalidade maior entre o que é mostrado e subentendido, sobremaneira nas escolhas e identificações sexuais do personagem central.
A fotografia de Barbara Alvarez também é menos simétrica e fechada, abrindo espaço para movimentos bruscos, de acordo com a indefinição sentimental Pierre/Felipe. Não há mais o aspecto solar do filme anterior: tudo é governado por uma cor opaca, um certo desencantamento, em que reunir pessoas num mesmo ambiente não é para trocar experiências, e sim para se mostrar satisfeito com a recepção e fotografias até então não tiradas. É uma obra muito interessante, com mais sentimento do que seu estilo semidocumental pode fazer entender.

Mãe só há uma, BRA, 2016 Diretora: Anna Muylaert Elenco: Naomi Nero, Daniela Nefussi, Matheus Nachtergaele, Daniel Botelho, Helena Albergaria, June Dantas, Lais Dias, Luciana Paes, Luciano Bortoluzzi, Renan Tenca Roteiro: Anna Muylaert Fotografia: Bárbara Álvarez Trilha Sonora: Berna Ceppas Produção: Anna Muylaert, Sara Silveira Duração: 82 min. Distribuidora: Vitrine Filmes Estúdio: África Filmes / Dezenove Som e Imagem

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Café Society (2016)

Por André Dick

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Escolhido para abrir o Festival de Cannes em 2016, Café Society traz mais uma vez a marca de Woody Allen, que vem fazendo um filme a cada ano, em grande regularidade. Nesta década, especialmente, ele tem colhido elogios, por obras como Meia-noite em Paris, Blue Jasmine, Magia ao luar e Homem irracional. Em Café Society, Allen parece assumir algumas características não tão visíveis. Ele sempre procura mostrar pares românticos em suas histórias, em que a mulher normalmente costuma prender o homem a uma expectativa, e aqui não é tão diferente. Allen, ainda assim, consegue inovar dentro de seu roteiro padrão.
Jesse Eisenberg faz Bobby Dorfman, que sai de Nova York, nos anos 1930, para Los Angeles, a fim de trabalhar com o tio Phil Stern (Steve Carell), casado com Karen (Sheryl Lee, com pouca chance), um agente de talentos cada vez mais reconhecido. Ele segue para lá por indicação de sua tia, Rose (Jeannie Berlin), deixando para trás sua irmã Evelyn (Sari Lennick), casada com um professor de colégio, Walt (Richard Portnow), seu pai joalheiro, Marty (Ken Stott), e sua mãe, Rose (Jeannie Berlin). Phil pede que sua secretaria Veronica/Vonnie (Kristen Stewart) apresente Los Angeles a Bobby. Ela é o contrário de todos que conhece na cidade, uma jovem que está em busca de uma vida simples.

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No entanto, quando ele demonstra interesse, ela diz que tem um namorado jornalista, Doug. Bobby continua fazendo trabalhos para o tio, frequentando festas com estrelas, enquanto tem os olhos voltados apenas para Vonnie. As conversas incluem Judy Garland, Billy Wilder, DW Griffiths, Barbara Stanwyck e James Cagney, entre outros, bastante ágeis, graças à competência habitual de Allen em mesclar fantasia e realidade, o humor judaico e referências artísticas diversas.
A partir daí, há uma surpresa na narrativa e Allen mostra as desilusões e conquistas desse casal. Também surgem com mais definição na trama um irmão gângster de Bobby, Ben (Corey Stoll), que lembra exatamente um determinado personagem de Tiros na Broadway, e Veronica Hayes (Blake Lively, a revelação de Águas rasas).
As referências do diretor ao cinema dos anos 30 são apaixonadas, com uma trilha sonora embalada pelo jazz e um trabalho espetacular de fotografia de Vittorio Storaro, que remete aos melhores momentos de O conformista, dos anos 70 (quando mostra clubes noturnos e pistas de dança), e O fundo do coração (quando algumas situações ganham colorações diferentes), um desenho de produção belíssimo de Santo Loquasto, além do figurino brilhante e minucioso de Suzy Bezinger. Várias sequências lembram igualmente New York, New York, de Scorsese, dos anos 70. Storaro ilumina as passagens filmadas em Los Angeles, com uma alegria antes captada apenas em Barton Fink (em sua porção fora do hotel), enquanto Nova York se torna mais cinza e azulada, fora de um determinado clube noturno onde a história guarda seus momentos. Se pudesse haver um correspondente direto deste filme é Era uma vez em Nova York, com a diferença de a obra de Allen ser mais despretensiosa e bem construída.

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A impressão que se tem é que, depois de sua passagem pela Europa, principalmente após Meia-noite em Paris, Allen se sente mais cuidadoso com sua parte técnica. Nos anos 70, ele fazia comédias realistas, nos anos 80 alternou obras entre o drama bergmaniano e o humor, no entanto tendo sempre Nova York como ponto de encontro, e nos anos 2000, ao filmar O escorpião de Jade e Vicky Cristina Barcelona, ou 2010, quando esteve na ensolarada Itália (em Para Roma com amor), ele se transformou num autor com toque mais europeu do que antes já se entrevia nele e o qual satirizava em Dirigindo no escuro. Claro que já aparecia um certo cuidado nas ambientações, como em Tiros na Broadway e Poucas e boas, mas nunca com a maturidade de agora e com a beleza plástica de Café Society (em diálogo direto com Meia-noite em Paris).
Com um custo de 30 milhões, alto para os padrões de Allen, é lamentável que ele não tenha retornado em boa bilheteria (arrecadou apenas 20 até agora), mesmo trazendo uma dupla (Eisenberg e Stewart) que já deu certo em outros filmes, a exemplo de Adventureland e American Ultra. Outra vez a química do casal é excelente, e Café Society deve alguns de seus melhores momentos a essa interação.
Talvez esta bilheteria também se deva ao fato de Café Society não apresentar a mesma melancolia alegre do diretor e ator, nem exatamente seu melhor bom humor. Apesar de Eisenberg se esforçar em ser um Woody Allen na tela, e ele é realmente um grande ator, e Stewart oferecer certa graciosidade à sua personagem (sendo filmada por Allen e Storaro como uma diva dos anos 30), além de estar cada vez mais desenvolta (comprovando o talento que já exibe desde O silêncio de Melinda, em 2004), o filme se mantém num plano quase decepcionado diante da vida e dos possíveis sonhos de Los Angeles.

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Neste ponto, ele parece dialogar com um universo de sonhos não concretizados, e igualmente pouco amargo e sim otimista, mais no sentido de Blue Jasmine do que de Magia ao luar, por exemplo. Lively e Carell trazem boas atuações complementares, embora o segundo se sinta um pouco deslocado (ele substituiu Bruce Willis um pouco antes do início das filmagens) e sua ligação com o contexto nunca fique devidamente trabalhada, em razão da pressa narrativa com seu personagem. Eisenberg, sob esse ponto de vista menos afeito à carreira do diretor (que aqui atua como narrador também), mostra uma insuspeita melancolia, que faz com que tudo a seu redor se transforme em algo menos previsto do que ele gostaria, exibindo a versatilidade já exibida este ano ao interpretar o vilão de Batman vs Superman, Lex Luthor. Ele lida com um personagem que simplesmente vai amadurecendo, com a companhia de amigos como o casal Rad (Parker Posey) e Steve Taylor (Paul Schneider), sem exatamente mudar, e Allen, por meio de uma montagem ágil em todos os aspectos, emprega sua presença como aquela que imagina ser a de um jovem em plena época da depressão, com sua vontade de se transformar em alguém. Entre sonhos na capital do cinema e dedicação ao universo gângster, Café Society mostra que todos os personagens estão à procura de si mesmos. Não é algo novo na filmografia de Allen, contudo é mais denso do que poderia ser um retrato apenas bem-humorado dos anos 30.

Café Society, EUA, 2016 Diretor: Woody Alllen Elenco: Jesse Eisenberg, Steve Carell, Kristen Stewart, Corey Stoll, Blake Lively, Paul Schneider, Parker Posey, Ken Stott, Jeannie Berlin, Paul Schackman, Sheryl Lee Roteiro: Woody Allen Fotografia: Vittorio Storaro Produção: Edward Walson, Letty Aronson, Stephen Tenenbaum Duração: 96 min. Distribuidora: Imagem Filmes Estúdio: Gravier Productions

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Cães de guerra (2016)

Por André Dick

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O diretor Todd Phillips se destacou com a trilogia Se beber, não case!. Se o primeiro era antológico, uma comédia muito acima da média, o segundo não deixava a desejar, ao transformar Bangkok num cenário de perdição para o trio principal e a morte se transformava numa iminente ameaça. No entanto, porém, havia no fechamento da trilogia uma guinada para um universo mais pesado, em que o humor antes mais leve se fixava em pontos ligados a uma violência de determinados personagens. Se dentro da série, essa mudança foi brusca e mal efetuada, já mostrava um pouco a tentativa de Phillips em fugir do gênero de comédia evidente, assim como em Um parto de viagem, comédia mais de humor negro do que exatamente leve, como anunciam seu título e Robert Downey Jr., em razão de Zach Galifianakis. Isso se concretiza, de certo modo, em Cães de guerra, no qual assina o roteiro com Stephen Chin e Jason Smilovic, baseado em fatos reais, extraídos de um artigo assinado por Guy Lawson para a Rolling Stone, mais tarde transformado em livro.
David Packouz (Miles Tiller) trabalha como massagista na Flórida e tem uma namorada, Iz (Ana de Armas). No funeral de um amigo, ele reencontra o seu melhor amigo de escola, Efraim Diveroli (Jonah Hill), que se transformou num vendedor de arma em Los Angeles, com a ajuda do tio, mas logo criou independência, criando a AEY. Ele lida com encomendas do governo norte-americano principalmente por causa da guerra no Iraque. Sem explicar direito à namorada, Packouz decide ficar sócio de Efraim, que começa a lhe ensinar sobre as transações de vendas de armas, a partir de sites públicos.

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Em determinado momento, eles conseguem uma venda de pistolas Beretta para as tropas dos Estados Unidos em Bagdá, enquanto são protegidos por um magnata local, Ralph Slutzky (o ótimo Kevin Pollak). No entanto, acontece um problema e eles precisam viajar para a Jordânia.
Isso é o início de uma série de contratempos, em que a dupla se coloca cada vez mais em situações de risco. O marketing de Cães de guerra pode anunciar um filme leve e descompromissado. O que se vê na tela é o encontro entre duas pessoas que estão em dúvida sobre que caminho devem seguir, a começar por Packouz. Ele pretende conviver bem com a namorada, mas o seu amigo sempre o atrai para um lugar mais escuro, em que a convivência familiar se torna um detalhe.
Teller consegue fazer muito bem seu personagem, enquanto Hill demonstra a competência habitual para compor tipos ambíguos. É evidente, na velocidade da narrativa, permeada por frases de personagens, para dividir algumas cenas, a influência do Martin Scorsese de O lobo de Wall Street. Phillips mostra um talento na direção que já havia se manifestado inclusive na homenagem aos anos 70, Starsky & Hutch, com Ben Stiller e Owen Wilson. Há um natural crescimento em Cães de guerra, com uma montagem ágil e a fotografia de Lawrence Sher, o mesmo de Se beber, não case!. O roteiro, ao antecipar diálogos em seus fragmentos de filme, como se fossem vinhetas ou chamadas, lembra uma espécie de sátira a Jerry Maguire, dos anos 70, com suas mensagens de bom humor sobre o universo dos negócios. A grande trilha sonora de Cliff Martinez, habitual colaborador de Refn, só contribui para esse universo distorcido.

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Assim como traços de O lobo de Wall Street, Philips utiliza algumas referências diretas ou indiretas a Os bons companheiros e Scarface, além de a Fahnrenheit 11/9, de Michael Moore, em suas constantes menções de George Bush e Dick Cheney e da cultura de guerra em que os Estados Unidos vivem mergulhados. Não por acaso, numa das reuniões, os personagens estão sentados com os retratos de Bush e Cheney ao fundo, como se esses, na verdade, agissem como Packhouz e Efraim. Nunca, contudo, chega ao limite do humor absurdo, como faz Bay em Sem dor, sem ganho. Torna-se ainda mais contundente quando mostra a dupla fazer um negócio de 300 milhões de dólares diretamente com o Pentágono, a fim de vender milhares de munições para armar o exército afegão, até o momento em que surge um misterioso negociador (Bradley Cooper, também um dos produtores, parecendo fazer uma cópia visual de Bono Vox).
Este é um filme que se movimenta entre uma comédia corrosiva e um drama moral permeado de características interessantes, ao entrelaçar a narração de Packouz com o protagonismo de Efraim. Ele aparenta, pelo marketing, ser como Dois caras legais, mas esses são caras que não têm nenhuma espécie de alívio existencial ou escape de humor. Phillips concentra sua visão nos dois como a de uma América constantemente perdida em seu próprio foco na guerra e na manutenção de um dinheiro inesgotável. Não se sabe se David, por exemplo, usa também o sexo em seus atendimentos; fica subentendido algo nesse sentido, mas sem certeza. O que importa, sempre, para tais personagens, é o dinheiro que seus negócios trazem. E as promessas de riqueza se mostram promissoras, como uma antiga amizade subentende.

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Neste universo, como o do gângster Mr. Chow de Se beber, não case!, tudo pode ser um sinal de um grande problema. A partir disso, Phillips desenha um recanto escondido da América e retrata muito bem a solidão dos que tentam ingressar em seus negócios como se fosse uma grande brincadeira ou como uma ida à discoteca. Neste ponto, com seu retrato de apartamentos enormes e vazios, de festas regadas a muito champanhe e pouca amizade, de personagens divididos entre o próximo trato e desrespeitar o anterior, Cães de guerra lida com temas pouco leves para uma pretensa comédia. O que poderia se tornar numa versão subversiva de Máquina mortífera lida com um panorama mais complexo. Trata-se de um universo pouco retratado e que envolve a sociedade norte-americana – e não parece à toa que o filme vem obtendo, de maneira geral, más críticas por lá.

War dogs, EUA, 2016 Diretor: Todd Phillips Elenco: Jonah Hill, Miles Teller, Bradley Cooper, Ana de Armas, Kevin Pollak, JB Blanc, Barry Livingston, Bryan Chesters Roteiro: Jason Smilovic, Stephen Chin, Todd Phillips Fotografia: Lawrence Sher Trilha Sonora: Cliff Martinez Produção: Bradley Cooper, Bryan Zuriff, Mark Gordon, Scott Budnick, Todd Phillips Duração: 119 min. Distribuidora: Warner Bros. Estúdio: Green Hat Films / The Mark Gordon Company

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O homem nas trevas (2016)

Por André Dick

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Alguns filmes de terror costumam adquirir um status de cult logo que lançados, principalmente por causa de espectadores que os relacionam a determinados temas já clássicos do gênero. O homem nas trevas, dirigido pelo uruguaio Fede Alvarez da refilmagem de Evil Dead, muito interessante na sua construção claustrofóbica, é o filme do momento, com grande aceitação – um ânimo para os admiradores do Rotten Tomatoes – e uma bilheteria acima do esperado. Como Quando as luzes se apagam, ele teve um orçamento pequeno (em torno de 10 milhões) e já faturou em torno de 70, um grande feito.
Alvarez já havia demonstrado ser bom diretor na sua versão da obra de Raimi. Aqui, ele mostra um trio de assaltantes, Rocky (Jane Levy), Money (Daniel Zovatto) e Alex (Dylan Minnette), que age nos arredores de uma abandonada Detroit, a cidade-modelo para colocar um grupo de personagens numa paisagem que lembra mais o de uma terra devastada, a julgar por Rio perdido, de Ryan Gosling, e Corrente do mal, de Mitchell. Eles roubam objetos de casas asseguradas pela empresa do pai de Alex, mas nunca tentam fazer um grande roubo, em razão do seguro.

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No entanto, Rocky tem planos de se mudar para a Califórnia com a irmã Diddy (Emma Bercovici), envolvida em parte com Money, devido aos pais que pouco ligam para sua situação, e para isso precisa de mais lucro. Esse trio resolve fazer um último assalto, invadindo a casa de um homem cego (Stephen Lang), um ex-veterano de guerra do Iraque e que guardaria uma pequena fortuna em sua casa. A princípio, o roubo é dado como apenas uma conta a mais para faturar.  A obra, no início, capta imagens dessa periferia como Mitchell em Corrente do mal, mas onde esse diretor é discreto, Alvarez tem cuidados principalmente com uma construção que leva ao sufoco.
O início do assalto é normal, como qualquer outro. No entanto, algo acontece e o homem cego não se mostra apenas uma pessoa fácil de enganar. Este é um filme que lida com um personagem que vive, como o título nacional, nas trevas e que dela se alimenta. Isto parece interessante? A princípio, sim. E Alvarez faz uma série de referências: ele parte principalmente de As criaturas atrás das paredes, de Wes Craven, dos anos 90, com uma referência em seguida a Millennium e O quarto do pânico, para desencadear em Cujo, adaptação subestimada de Stephen King de 1983, e na meia hora final de O silêncio dos inocentes – este durante a maior parte do tempo.

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O homem nas trevas, como construção de filme, é um verdadeiro susto: eis uma obra que incorpora uma ideia simples e não a expande, ou ao menos a expande apenas em se tratando de lugares-comuns. Não apenas o elenco tem uma atuação superficial – uma decepção é a de Levy, que havia se mostrado bem no remake de Evil dead, e, principalmente, a de Minnette, promissor em Alexandre e o dia terrível, horrível, espantoso e horroroso –, como não parece ter acontecido um acabamento em termos de montagem.
Com uma fotografia obviamente costurada por lances esparsos de luz assinada por Pedro Luque, tentando deixa-las sofisticada com alguns movimentos de câmera, O homem nas trevas é um dos filmes mais sem diálogo do ano que se pode considerar expositivos: não há nada que seus personagens digam ou façam que não seja esperado antes da sessão iniciar. A própria figura do ex-combatente de exército é um sinal de que o trio de assaltantes está sendo atraído para uma arapuca sem a menor noção do que pode acontecer. Percebe-se mais interesse na analogia entre o local onde ele mantém sua casa com uma cidade em ruínas, exatamente como o Iraque depois de passar pela guerra. Contudo, Fede e Mendez não esclarecem no roteiro por que assaltar a casa de alguém que, mesmo cego, sabe de técnicas de sobrevivência em guerra. Pode-se dizer que se trata de cinema, mas não deixa de ser implausível, mesmo para personagens de um filme de terror, que não efetuam exatamente maquinações em sua mente. Um problema é justamente não mostrar o homem cego antes da invasão, para efetuar uma construção mais tensa.

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Stephen Lang, o general obcecado em destruir Pandora em Avatar, tem uma atuação no limite do que lhe é permitido, mas o filme nunca consegue engatar em sua premissa: ele apenas se revela didático em suas escalas de terror: pessoas atrás de portas, passos subindo por escadas, alguém preso no porão… Em Quando as luzes se apagam, havia vários clichês, mas o diretor daquele conseguia construir uma tensão dramática a partir da figura da mãe e dos filhos. Ao final, Alvarez tenta recriar uma tensão entre a imagem de uma vingança planejada e de um castigo anunciado de antemão, à procura de um discurso que possa sustentar o vazio das imagens que vemos. Aqui há apenas escombros de uma narrativa, e lamenta-se que o diretor não mostre o mesmo talento de seu longa de estreia, principalmente na construção de uma atmosfera (e mesmo tendo aqui o mesmo produtor para auxiliá-lo, Sam Raimi), tentando, na verdade, apenas estabelecer uma franquia com proposta tão curta quanto seu alcance. O homem nas trevas é resultado de uma boa campanha de marketing, mas uma decepção notável.

Don’t breathe, EUA, 2016 Diretor: Fede Alvarez Elenco: Jane Levy, Stephen Lang, Dylan Minnette, Daniel Zovatto, Emma Bercovici Roteiro: Fede Alvarez, Rodo Sayagues Mendez Fotografia: Pedro Luque Trilha Sonora: Roque Baños Produção: J.R. Young, Joseph Drake, Nathan Kahane, Sam Raimi Duração: 88 min. Distribuidora: Sony Estúdio: Ghost House Pictures / Good Universe / Sony Pictures Entertainment (SPE)

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Amor & amizade (2016)

Por André Dick

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Há alguns filmes em que você tem certeza de que o diretor se sente mais inteligente do que seu espectador, e não exatamente considera que este é inteligente para entender completamente seu estilo ou o que ele está dizendo, apesar de querer empregá-lo a cada sequência. Amor & amizade, de Whit Stillman, baseado num conto de Jane Austen, é um desses exemplos. Trata-se, sem dúvida, de uma adaptação com elementos modernos, embora mais discreta, por exemplo, do que aquela que Baz Luhrmann fez para O grande Gatsby ou que Denis Villeneuve fez para o romance de Saramago em O homem duplicado, e mais bem-humorada do que as anteriores feitas de obras dessa autora, a exemplo de Razão e sensibilidade, Orgulho e preconceito Emma. Tudo porque Stillman, que fez nos anos 90 Metropolitan, Barcelona e Os últimos embalos da disco, e mais recentemente, em 2011, Descobrindo o amor (com a Frances Ha, Greta Gerwig), é uma espécie de versão mais esporádica de Woody Allen.
Não se entenda, de qualquer modo, que não haja muito interesse nele: Amor & amizade é, grande parte do tempo, instigante e atrevido. A narrativa se passa na década de 1790, quando Lady Susan Vernon (Kate Beckinsale), uma mulher que acabou de ficar viúva, tenta arranjar um casamento não apenas para si, como também para sua filha, Frederica (Morfydd Clark). Ela parte para Churchill, até a casa de campo de seu cunhado, Charles Vernon (Justin Edwards), casado com Catherine Vernon (nascida DeCourcy). Catherine e seu irmão Reginald (Xavier Samuel) entendem do que Lady Susan é capaz de fazer para atingir seus objetivos: ela lembra a Marquesa de Merteuil de Ligações perigosas, de Choderlos de Laclos.

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Logo Reginald está se dobrando a seus encantos, para preocupação de Sir Reginald DeCourcy (James Fleet) e Lady DeCourcy (Jemma Redgrave), seus pais. Frederica está em um internato que a Lady Susan não tem dinheiro para manter, e certo dia ela escapa dele, indo para Churchill, seguida pelo Sir James Martin (Tom Bennett), um homem rico e atrapalhado, que deseja se casar com ela.
Já em Londres, Lady Susan flerta com Lord Manwaring (Lochlann O’Mearáin), casado com Miss Maria (Sophie Radermacher), que entra em desespero constante, sendo amparada por mordomos (e eles aparecem continuamente ao longo da metragem). Possuindo como confidente uma jovem dos Estados Unidos, Alicia Johnson (Chloë Sevigny), casada com Mr. Johnson (Stephen Fry), Lady Susan vai enganando um a um, a fim de que se cumpra o plano que concebeu desde o início: que sua filha e ela possam ter uma vida economicamente tranquila.
Stillman, com a ajuda notável da fotografia de Richard Van Oosterhout, do design de produção de Anna Rackard e figurinos de Eimer Ni Mhaoldomhnaigh elaboradíssimos, transforma Amor & amizade numa espécie de comédia de época sem tons muito altos. Ou seja, o espectador sabe que todos estão se divertindo, mas acompanha esse movimento um tanto a distância, não apenas pelo aspecto teatral de época da obra, como pela necessidade de Stillman em deixar claro que se trata de um filme bastante inteligente e raro.

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Muitas vezes isso não funciona, e o ritmo se quebra, em longos diálogos, bem escritos, no entanto um pouco sem emoção. Sabe-se que há toda uma busca de status social por trás dessa narrativa e que os personagens precisam se adaptar a ela (e se imagina um Hugh Grant dos anos 90 neste filme), e com isso se ausentam também uma emoção direta e menos entregue por diálogos expositivos e gestos teatrais. As reviravoltas que acontecem não ganham talvez o peso necessário para que sejam vistas como tais, e o espectador precisa procurar detalhadamente as nuances de cada personagem para que possa entender suas ações.
É obrigatório se dizer que Beckinsale está memorável em seu papel, assim como os coadjuvantes, com destaque óbvio para Bennett, estão muito bem, dando-se ainda créditos a Xavier Samuel, outro bom ator saído da série Crepúsculo, com sua contenção clássica. Especificamente, Beckinsale e Sevigny trabalharam juntas já em Os últimos embalos da disco e mostram novamente uma química em cena. Acredito que Stillman assistiu a Amour fou, que se parece com um filme de Wes Anderson de época, e apanhou a mesma impostação para os diálogos com uma leveza cômica mais óbvia. Ele, contudo, não tem a agilidade de Jessica Hausner, a diretora daquele, para equilibrar o drama e a comédia.

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Em Stillman, tudo soa como se fosse uma espécie de comercial de época, inclusive os apresentando um a um, como tenta fazer Anderson de forma orgânica em algumas de suas peças, com o nome abaixo deles, ou quando reproduz as palavras de cartas e poemas lidos na tela. Trata-se de um caminho já seguido por Luhrmann no seu belo O grande Gatsby, com seu acréscimo épico no sentido de produção. Tais elementos pouco se repetem, ou seja, parecem inseridos para dar um ar de modernidade ao clássico texto de Austen, bem adaptado por Stillman, no sentido de obter uma certa qualidade que o torna mais próximo. Isso não impede que os personagens às vezes façam gracejos inconvenientes e não tenham uma ligação exata com os papéis que interpretam, parecendo haver um constante deslocamento que Stillman não resolve em termos formais, embora o visual sempre se mantenha impressionante.
Amor & amizade se mantém como um filme de época distinto, com grandes atuações e ainda assim frio. Interessante, mas talvez inferior ao que quisesse apresentar. Um grande mérito, já que fala de economia e status, é a produção, muito rica, ter custado apenas 3 milhões e já ter arrecadado quase 19. Um sucesso em se tratando de uma obra quase de arthouse.

Love & friendship, EUA/FRA/HOL/IRL, 2016 Diretor: Whit Stillman Elenco: Kate Beckinsale, Chloë Sevigny, Morfydd Clark, Xavier Samuel, Emma Greenwell, Tom Bennett, Justin Edwards, Jenn Murray, Stephen Fry Roteiro: Whit Stillman Fotografia: Richard Van Oosterhout Trilha Sonora: Benjamin Esdraffo Duração: 92 min. Distribuidora: Califórnia Filmes Estúdio: Amazon Studios / Blinder Films / Chic Films / Revolver Amsterdam / Westerly Films

Cotação 3 estrelas e meia

Star Trek – Sem fronteiras (2016)

Por André Dick

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Quando estava para ser feita a terceira parte de Star Trek, vários rumores surgiram: o primeiro foi o afastamento de J.J. Abrams da direção, para se dedicar a Star Wars – O despertar da força e, em seguida, o anúncio de Edgar Wright, de Scott Pilgrim contra o mundo, como o novo diretor. No entanto, a direção coube finalmente a Justin Lin, de quatro episódios da série Velozes e furiosos. Estava configurada a temeridade: poderia o terceiro episódio reproduzir a qualidade dos dois primeiros filmes de Abrams? Isso porque Abrams praticamente conseguiu refundar esses personagens criados por Gene Roddenberry sob uma nova roupagem, com mais agilidade e não exatamente menos reflexão, uma característica da série que iniciou na TV nos anos 60 e se transportou para o cinema do final dos anos 70 até o início da década de 90 (não por acaso, um dos cartazes de Star Trek – Sem fronteiras e é quase uma réplica do de Star Trek – O filme, de Robert Wise, que tentava repetir 2001). E é difícil entender a demissão em parte da crítica ao segundo episódio, um dos melhores construídos da história da franquia, e ainda assim questionado por seus temas voltados à política e com indiretas à política norte-americana de invasão a determinados países em guerra.
Neste terceiro episódio, a Enterprise volta de uma missão de cinco anos à base estelar Yorktown (uma destreza em design, mesmo que com clara influência de Elysium). O Capitão James T. Kirk (Chris Pine) está refletindo sobre a sua função, um pouco entediado do que julga ser uma rotina episódica – qualquer metalinguagem é mera coincidência –, depois de todos esses anos, e pensa em querer promover Spock (Zachary Quinto) como novo capitão da Enterprise. Ficamos sabendo que a relação deste com Uhura (Zoe Saldana) não se mostra como era antes e que aconteceu a perda de um ente querido (o Spock mais velho, Leonard Nimoy, a quem o filme também é dedicado).

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Uma cápsula é encontrada numa nebulosa, e nela uma sobrevivente, Kalara (Lydia Wilson), que avisa que sua nave está em Altamid, um planeta nas localidades. A Enterprise sai em missão de resgate, mas acaba se deparando com uma invasão alienígena liderada por Krall (Idris Elba), que está atrás de um artefato descoberto por Kirk numa de suas missões. Este artefato, o Abronath, colocará a Enterprise numa situação delicada, capaz de lembrar, particularmente, o momento mais espetacular de Matrix revolutions, deixando os combates anteriores entre naves nos filmes anteriores para trás em termos de impacto.
Temos de volta não apenas Kirk e Spock, como também Uhura, Sulu (John Cho), Chekov (Anton Yelchin, em sua participação lamentavelmente derradeira, R.I.P.), Leonard McCoy (Karl Urban), Montgomery Scott (Simon Pegg), e o ritmo empregado por Justin Lin não é muito diferente daquele usado por Abrams nas duas primeiras partes. Existe, aqui, uma necessidade de mostrar a equipe agindo em núcleos, depois de um grande imprevisto, e Lin consegue desenvolvê-los de maneira adequada, sobretudo a ligação entre McCoy e Spock. E ainda há uma nova personagem, Jaylah (Sofia Boutella, de Kingsman), embora seja um spoiler se eu dissesse qual sua participação.
Se não existe aqui a interação entre Kirk e Spock que havia nos demais, e mesmo assim Pine e Quinto continuam ótimos em seus papéis, muito em conta dessa separação por aqui, Star Trek – Sem fronteiras, se mostra mais leve em sua maneira de apresentar a ação, mesmo que igualmente espetaculoso, com design de produção fantástico e um figurino acertado. Percebe-se o cuidado em realmente não se concentrar no CGI, mas reproduzir alguns cenários em alta visual de impacto (apesar de termos a cidade espacial que pode ser um passo além das experimentações visuais de Gravidade).

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O roteiro, escrito por Pegg, também responsável pelas narrativas de Chumbo grosso, Paul – O alien fugitivo e Heróis de rassaca, em parceria com Doug Jung, é muito interessante na maneira como estabelece a história sem uma divisão clara, com uma ação contínua, em que um quadro desencadeia o outro, sucessivamente, transformando-se numa sequência bastante envolvente e na qual não existe a quebra que havia, nos anos 80, de A ira de Khan para À procura de Spock. O que falta às vezes é justamente um toque de humor, especialmente de Pegg, que havia em doses maciças no primeiro empreendimento desta franquia de Abrams, que segue como produtor, e mesmo o ator não está no seu momento mais inspirado, talvez por dividir desta vez suas funções. Ele simplesmente não consegue desenvolver a mesma agilidade quanto aos personagens que Abrams conseguia, e Damon Lindelof, um dos roteiristas do segundo, faz especialmente falta. Também há um descuido talvez na maneira como apresentam uma determinada cena com Sulu, que foi alvo de comentários, pois não expande a ideia, como deveria, e parece apenas um acréscimo forçado, pois logo a abandona, não trazendo aquela ligação dramática para o resultado final. Ainda assim, a homenagem a Nimoy soa interessante e sente-se aproximação de Kirk novamente com seu passado, do seu pai (Chris Hemsworth) e do almirante Pike (Bruce Greenwood), como um adendo capaz de ressoar junto ao espectador como antes.

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Em relação ao segundo, há a perda de Benedict Cumberbatch como vilão, e Idris Elba está escondido depois de uma pesada maquiagem (lembrando Louis Gosset Jr. em Inimigo meu), sofrendo os mesmos problemas de Eric Bana do primeiro Star Trek desta geração mais jovem. Não chega a haver uma justificativa mais concreta para as posições de Krall, sentindo-se sua presença também diminuída em relação ao vilão do segundo filme. Isso não exclui a maneira como Lin transforma esse vilão mais assustador em alguns instantes, sobretudo porque ele se alimenta da energia alheia e tenta escravizar inúmeras pessoas para constituir uma alternativa à Federação. Outro destaque é a trilha de Michael Giacchino, igualmente bela e sem repetir o padrão dos dois primeiros trabalhos, com uma escala e variação musical exuberante.
Se Lin não consegue ser Abrams na confecção de cada ato e na motivação, algumas vezes, dos personagens, por outro lado, ele possui, mais do que Abrams, um olhar mais próximo dos anos 80 para esses personagens. Ou seja, principalmente nas cenas de ação, há uma espécie de improviso que caracteriza esses personagens com a ênfase oferecida nessa década, mais corporal e menos calcada apenas nos efeitos especiais (embora esses, quando surjam, sejam nada menos do que espetaculares). À parte, deve-se dizer o quanto o visual desse Star Trek incorpora um trabalho de cores específico e muito atrativo, por todos os cantos, também mais próximo da estética dos anos 80. Dentro do seu gênero, continua um referencial e tanto.

Star Trek Beyond, EUA, 2016 Diretor: Justin Lin Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Idris Elba, Sofia Boutella, Joe Taslim, Lydia Wilson, Deep Roy, Harpreet Sandhu Roteiro: Doug Jung, Simon Pegg Fotografia: Stephen F. Windon Trilha Sonora: Michael Giacchino Produção: Bryan Burk, J.J. Abrams, Roberto Orci Duração: 122 min. Distribuidora: Paramount Pictures Brasil Estúdio: Bad Robot / Paramount Pictures / Skydance Productions

 Cotação 4 estrelas