Por André Dick
Lançado em 2009 com grande recepção, Avatar tinha uma história simples, mostrando um exército de humanos da empresa de mineração RDA contra os habitantes nativos, os Na’vi, de um planeta distante (Pandora) – numa espécie de simbologia para o Velho Mundo encontrando o Novo Mundo. O fuzileiro Jake Sully (Sam Worthington) atua, ao longo da narrativa, como um avatar numa pesquisa coordenada por uma bióloga, Grace Augustine (Sigourney Weaver), com o intuito de descobrir o que desejam os nativos desse planeta.
Quando Sully começa a fazer seu diário de experiências e trata da convivência com os habitantes do povo Na’vi, sobretudo com Neytiri (Zoe Saldaña, de Star Trek), por quem inevitavelmente se apaixona, o filme ingressa em momentos não tão interessantes. Por sua vez, Avatar – O caminho da água é uma das raras obras que pouco desenvolvem em seu roteiro por meio de caracterização de personagens mas, mesmo assim, apresenta atrativos.
Ele consegue estabelecer rapidamente um elo com o original e transporta seu universo para o mundo contemporâneo: tudo remete à já conhecida Pandora, contudo também já estamos em outro espaço. A história acompanha novamente Jake Sully (Worthington), que agora vive como chefe dos Omaticaya, atendendo pelo nome de Toruk Makto, e sua esposa Neytiri (Saldaña), com seus filhos Neteyam (Jamie Flatters) e Lo’ak (Britain Dalton), a filha Tuk (Trinity Jo-Li Bliss), a filha adotiva Kiri (Sigourney Weaver) e um menino humano, Spider (Jack Champion), filho de Miles Quaritch (Stephen Lang). Este ressurge de modo diferente, ao lado da General Frances Ardmore (Edie Falco), que parece saída da equipe militar de Aliens – O resgate, numa trupe com jeito de Bastardos inglórios ao contrário. Com a chegada a Pandora novamente dos humanos, o “povo do espaço”, em determinado momento eles precisam ir para um povoado no recife Metkayina na costa leste de Pandora, cujo líder é Tonowari (Cliff Curtis), casado com Ronal (Kate Winslet). Trata-se de um movimento fantástico neste universo de Cameron, pois abre espaço a um universo cuja amplitude remete a um sonho, a uma espécie de éden perdido.
Já se comentou sobre a ligação que há entre eles como a que vemos em Pocahontas (lembremos de O novo mundo de Malick), ou com a história do John Dunbar de Dança com lobos, ou com O último dos moicanos (na rebelião de Jake contra os militares). Ainda assim, em meio aos elementos cultivados por Cameron em sua filmografia, temos como principal ponto de referência a mitologia de Star Wars, por sua vez já captada em outras obras. Cameron não costuma ser um roteirista sutil, ou de múltiplos personagens, e seus diálogos têm peso menos significativo do que poderiam. Seus vilões igualmente costumam ser uma repetição do burocrata interpretado por Paul Reiser em Aliens – O resgate.
Em certos momentos, a textura das imagens lembra, como no primeiro, um desenho animado, com a ressalva de que, mesmo assim, o filme entrega camadas referenciais de natureza (rochas, águas, árvores). Há uma presença dos elementos aqui já vistos em O segredo do abismo, que começava em plena ação, com um submarino nuclear, o USS Montana, naufragando misteriosamente, depois de avistar luzes no fundo do oceano. O segredo do abismo, assim como Avatar, trabalha com uma mensagem que remete à origem, com a tentativa de reconciliação embaixo d’água do casal, como uma volta ao útero, ao nascimento – como no caso das árvores de Pandora e do fundo do mar nesta sequência. A figura que lembra a baleia traz os momentos mais poéticos do filme, com uma reunião decisiva entre imagens desenhadas com visual espetacular e sons marítimos. Cameron tem um cuidado artístico com cada cor empregada, cada ambiente, e isso acaba tornando o que se visualiza verdadeiramente sólido e palpável.
Cameron observou as falhas do primeiro Avatar, o discurso cansativo, a trilha sonora exaustiva (aqui ela surge em momentos pontuais, assinada por Simon Franglen), o herói que não funcionava muito – e na nova história aparece mais como aquele que tenta atuar como um pai de família, apaziguando conflitos – e agora focou nas imagens belíssimas. Por isso, trata-se de um triunfo de imaginação e competência para filmar cenas de ação. Pelo menos nos 40-50 minutos finais, há um encadeamento de passagens impressionante em termos de aventura, parecendo reproduzir Melville e seu épico Moby Dick. Aqui, percebe-se certo diálogo com No coração do mar, de Ron Howard, principalmente nas aparições dessas baleias de Pandora. Tradicional na construção, o roteiro de Cameron com Rick Jaffa e Amanda Silver explora alguns pontos sobre a exploração humana comuns na obra do cineasta, no entanto sem exatamente cansar: eles soam orgânicos, ao contrário às vezes do que acontecia no primeiro. Do mesmo modo, temas como a amizade e a união familiar ressoam nos momentos mais importantes de maneira efetiva.
Com várias referências a Aliens, O segredo do abismo e Titanic, esta sequência parece também, ao mesmo tempo, sintetizar a trajetória de Cameron de maneira ampla. Cinema com história simples até demais, mas que funciona por combinação entre visão técnica, edição e impacto. A fotografia de Russell Carpenter em alta taxa de quadros 3D é notável, embora por demais polida em alguns momentos. E as cenas aquáticas no recife Metkayina são irretocáveis, misturando um elo fabuloso dos seres de Pandora com a natureza, e nisso o roteiro simples emerge com talento. Parece que esse universo à parte de Pandora remete a algo mais profundo e primordial da existência, com seus dias de sol e noites estreladas nos olhos de seres marítimos.
E, embora nas três horas de Avatar – O caminho da água haja uma cena aqui, outra ali menos interessante, o seu passeio traz diversão de blockbuster com densidade. Cameron viu Terrence Malick, como Nolan, Snyder e qualquer cineasta de qualidade que faça cinema hoje tem dia. No ato final consegue até fazer algo raro na filmografia do diretor: emocionar dramaticamente.
Avatar – The way of water, EUA, 2022 Direção: James Cameron Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldaña, Sigourney Weaver, Stephen Lang, Cliff Curtis, Joel David Moore, CCH Pounder, Edie Falco, Jemaine Clement, Giovanni Ribisi, Kate Winslet Roteiro: James Cameron, Rick Jaffa, Amanda Silver Fotografia: Russell Carpenter Trilha Sonora: Simon Franglen Produção: James Cameron, Jon Landau Duração: 192 min. Estúdio: Lightstorm Entertainment, TSG Entertainment Distribuidora: 20th Century Studios