Por André Dick
Influenciado sobretudo pelo cinema francês, no início do século, o diretor australiano Baz Luhrmann dirigiu Moulin Rouge – Amor em vermelho de forma superlativa, fazendo com que todos os astros se sentissem numa obra épica, cinco anos depois de sua versão contemporânea para a conhecida peça de Shakespeare Romeu e Julieta (na versão de Luhrmann, um + ocupando o “e”, como se assinalasse o fim trágico dos personagens), com atuações destacadas de Leonardo DiCaprio e Claire Danes, em início de carreira. Nessa adaptação, o cineasta praticamente adiantava todas as suas principais características, também utilizando o design de produção e a fotografia como componentes decisivos de expressão. Era o estágio inicial, logo depois da estreia em Vem dançar comigo, que trouxe as suas características, que se expandiram não somente no épico Austrália, como também em O grande Gatsby.
Possivelmente o maior valor do filme Elvis seja a admiração que Baz Luhrmann tem pelo artista, assim como tinha pela obra de Fitzgerald em O grande Gatsby: isso faz com que ele tente reproduzir a atmosfera realmente do período em que o músico e ator se movimentou. Isso não é pouco, visto que o cuidado com a parte técnica é cada vez mais raro. Luhrmann, pelos próprios ambientes de espetáculo e de caravana artística, evoca o Peixe grande e Dumbo, de Tim Burton, com suas rodas-gigantes e cenários circenses muito elaborados, que oferecem uma certa lembrança de como era o cinema clássico dos anos 40 e 50.
Além de tudo, desde o seu início, Elvis consegue recuperar um período muito interessante da história dos Estados Unidos e filtra todos os temas por meio da trajetória dessa figura. Ao mostrá-lo ainda criança, quase adolescente, sendo inspirado pela dança e música dos afrodescendentes nos Estados Unidos, o filme consegue estabelecer sua ligação com a região mais pobre do Mississippi. Fã do Capitão Marvel Jr., ao se mudar para Memphis ele registra uma obsessão pela música da Beale Street de Memphis. Luhrmann vai mostrando esses ingredientes com seu estilo febril, procurando analogias imediatas, muita pressa na transição de cenas e levando o espectador a uma experiência que se assemelha muito aos 90 primeiros minutos de O grande Gatsby, antes de cair mais na melancolia, um estilo muito influenciado pela fase de Oliver Stone entre JFK e Reviravolta.
Gerenciando a carreira do cantor country Hank Snow (David Wenham), cercado por nomes como Jimmie Rodgers Snow (Kodi Smit-McPhee), o Coronel Parker (Tom Hanks) fareja no talento de Presley uma possível ponte para o grande sucesso. Para isso, ele tenta dominar também a família do artista, a mãe Gladys (Ellen Thomson) e o pai Vernon (Richard Roxburgh). Elvis faz amizade com BB King (Kelvin Harrison Jr.) e, quando precisa se alistar no exército e ir para a Alemanha, num momento em que sua imagem provocava figuras mais avessas ao distúrbio que ele poderia causar no meio cultural, como a de Jim Eastland (Nicholas Bell), conhece Priscilla Beaulieu (Olivia DeJonge).
Se Elvis prova algo é que Luhrmann, ao insistir no seu estilo muito rejeitado por alguns, se tornou num autor de cinema, com características muito próprias, boas ou ruins. A referida edição de Elvis às vezes lembra a de Moulin Rouge, sobretudo pela agilidade narrativa, fazendo com que uma conversa, por exemplo, antecipe vários acontecimentos futuros. Também há um uso de gráficos exitoso, como já acontecia em Moulin Rouge, naquele caso para enfatizar o ambiente parisiense, e em Austrália, por exemplo – na mudança de localidades, quando o músico está excursionando pelos Estados Unidos. O diretor australiano, de qualquer modo, agora parece pausar melhor em cenas – quando a chamada é dramática, principalmente, naqueles momentos de conversa com a mãe e o pai. Outro elemento que torna Elvis uma experiência imersiva é a maneira como os shows são filmados e a fidelidade aos cenários originais, do espetáculo televisivo mais ao final. Capta Elvis em todo o seu movimento e contato com o público. Tom Hanks está excepcional no papel do empresário de Elvis, Tom Parker, e Austin Butler incorpora perfeitamente o artista, com uma dedicação poucas vezes vista. Luhrmann também consegue tornar Butler, que chamou atenção em Era uma vez em… Hollywood, parecido com Elvis por meio de sua filmagem caótica algumas vezes. O ator está para o estrelato depois deste filme como DiCaprio depois de Romeu + Julieta e McGregor a partir de Moulin Rouge.
Com toda a ambientação de anos fantásticos da cultura norte-americana, o design de produção e os figurinos são, como é costume na obra de Luhrmann, excelentes. Dois filmes dele receberam os Oscars de nessas categorias: Moulin Rouge e O grande Gatsby. Elvis tem chances concretas de ser o terceiro. E a fotografia de Mandy Walker, que acompanhou o diretor em seu Austrália, é um primor visual, repetindo o êxito do seu Mulan. De Luhrmann, só se espera exagero na composição de imagens, no entanto em Elvis ele consegue, como em O grande Gatsby, extrair de breves diálogos todo um panorama de época de maneira muito efetiva. Para ele, a vida é um videoclipe, mas com pausas e mais sentimento. O roteiro de Luhrmann com Sam Bromell, Craig Pearce e Jeremy Doner é o mais extenso de sua trajetória, mas, ainda assim, nunca cansa. Elvis é, de fato, ao lado de Batman e Top Gun: Maverick (esses mais nas categorias técnicas), um dos filmes com possibilidades de chegar à temporada de prêmios mesmo sendo lançado já agora.
Elvis, EUA/AUS, 2022 Direção: Baz Luhrmann Elenco: Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Kelvin Harrison Jr., David Wenham, Kodi Smit-McPhee, Luke Bracey Roteiro:Baz Luhrmann, Sam Bromell. Craig Pearce e Jeremy Doner Fotografia: Mandy Walker Trilha Sonora: Elliott Wheeler Produção: Baz Luhrmann, Gail Berman, Catarina Martin, Patrick McCormick, Schuyler Weiss Duração: 159 min. Estúdio: Bazmark Films, The Jackal Group Distribuidora: Warner Bros