Má educação (2020)

Por André Dick

Em 2017, o diretor Cory Finley se destacou no cinema independente com Puro-sangue, um duo entre duas ótimas atrizes, Olivia Cooke e Anya Taylor-Joy, como figuras que pretendiam concretizar um plano capaz de assustador mesmo o espectador mais exigente. Em 2020, estreou no Festival de Tribeca Má educação – mesmo nome de um filme de Pedro Almodóvar, de 2004 –, que tem como espaço principal a Roslyn High School.
Baseado numa história real, com roteiro de Mike Makowsky a partir do livro “The Bad Superintendent”, de Robert Kolker, Finley utiliza seu mesmo talento para a composição de imagens de seu filme anterior, mas amplia o escopo ao introduzir uma série de personagens que acabam formando um grande panorama. Desde o início, ele acompanha Francis A. Tassone (Hugh Jackman), superintendente do Roslyn High School. Ele recebe em sua sala uma aluna, Rachel Bhargava (Geraldine Viswanathan), que trabalha para o jornal de estudantes, liderada por Nick Fleischman (Alex Wolff).

A menina se mostra despretensiosa e ouve um conselho dele: transformar sua matéria em algo mais instigante do que pretende. Esse início demonstra exatamente o que Má educação acaba se transformando: a princípio um retrato normal de um local onde circulam jovens alunos, mistura-se depois a uma visão sobre como o ensino interfere na vida deles, mesmo que de forma indireta e com detalhes financeiros.
Tassone é muito amigo de sua assistente Pamela Gluckin (Alisson Janney), que, no entanto, esconde um segredo. Tasssone e  Big Bob Spicer (Ray Romano) tentam a princípio abafar a questão, no entanto ela é incontornável para que a escola continue buscando uma boa pontuação e levando cada vez mais seus alunos a universidades de respeito. Com isso, Tasson busca uma saída para o problema com o auditor (Jeremy Shamos), enquanto Glummick tem problemas com o filho James D. McCarden (Jimmy Tatro), que deixa rastro de algo comprometedor. A aluna Bhargava passa a investigar o que está sendo investido e descobre uma passarela milionária, enquanto o prédio tem goteiras. Isso é uma ideia inicial da teia que alimenta uma série de comportamentos questionáveis.

Tassone se mostra um ex-professor dedicado ao ofício e preocupado, quando também reencontra um antigo aluno Kyle Contreras (Rafael Casal ) numa viagem a Las Vegas. A partir daí, Finley ingressa numa espécie de estudo de personagem. O roteiro de Mike Makowsky colabora para atingir o objetivo – tendo sido ele, inclusive, aluno da Roslyn High School quando aconteceu o que Má educação revela.
Para que este estudo se concretize, Hugh Jackman parece mostrar a grande atuação de sua carreira, um pouco além de outras, como aquela de Os miseráveis. Há uma série de modulações em seus gestos e tom de voz que captam cada objetivo do diretor a fim de que a narrativa se destine a pontos até então imprevistos. Jackman, em parceria com Janney e Romano, também, mostra como um ator pode se moldar a seu tempo, apresentando um talento às vezes insuspeito em outros papéis. Mais conhecido por ter interpretado Wolverine, Jackman atinge a maturidade de sua trajetória, não temendo se mostrar envelhecido e num papel polêmico.

Muitas vezes inspirado na filmografia de Alexander Payne, especialmente Eleição, no qual um professor tinha problemas exatamente com alunos candidatos a liderar seus colegas numa escola, Má educação mostra a ambição num universo visto como de respeito e dedicação ao ensino – e lida com os personagens e seus erros de maneira humana, sem impedir o espectador de acessar o sentimento deles, de os outros perceberem suas trapaças ou simplesmente a angústia provocada pela situação em que se envolveram. Esses professores se dedicam à escola, querem torná-la respeitada, tanto pelos alunos quanto pelo corpo de pais, no entanto isso a custo de uma ambiguidade manifesta nos diálogos de Mike Makowsky. Como lidar com figuras tão contraditórias é uma questão que permeia a narrativa, com uma indefinição entre tentativa de alcançar a felicidade ou apenas sentir um alívio diante da culpa pelos atos. Há uma sensibilidade latente no conjunto de cenas entre Jackman e Janney, por exemplo, quando suscitam uma amizade que pode ser emperrada por algo maior. Finley constrói alguns planos simetricamente, como fazia em Puro-sangue, mas sem tantos maneirismos, embora continue utilizando a trilha sonora para pontuar bem suas escolhas. Como um filme que poderia ficar restrito a um universo mais indie, Má educação atinge o público de maneira universal a partir do espaço de uma escola.

Bad education, EUA, 2020 Diretor: Cory Finley Elenco: Hugh Jackman, Allison Janney, Geraldine Viswanathan, Alex Wolff, Rafael Casal, Stephen Spinella, Annaleigh Ashford, Ray Romano Roteiro: Mike Makowsky Fotografia: Lyle Vincent Trilha Sonora: Michael Abels Produção: Fred Berger, Brian Kavanaugh-Jones, Julia Lebedev, Mike Makowsky, Oren Moverman, Eddie Vaisman Duração: 108 min. Estúdio: Automatik, Sight Unseen, Slater Hall Distribuidora: HBO Films