Um estranho no lago (2013)

Por André Dick

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Vencedor do prêmio de melhor diretor e filme de temática gay na mostra paralela “Un certain regard”, no Festival de Cannes deste ano, em que competiu com, entre outros, Bling Ring, Um estranho no lago vem sendo lançado em circuito mundial aos poucos, fazendo polêmica. Se Azul é a cor mais quente tem as cenas de sexo entre as personagens principais que polarizam boa parte das atenções, o filme de Alain Guiraudie parece ainda mais ousado: perde-se a conta das vezes em que vemos os personagens, todos homens, em nu frontal ou em cenas de sexo explícitas. Mas Um estranho no lago, e isto marca sua principal diferença, assim como Azul é a cor mais quente, não utiliza as cenas de sexo no vazio; elas fazem parte de uma trama, esta envolvendo suspense e alguns elementos de thriller.
Não parece haver muita dúvida sobre a influência de dois filmes na obra Um estranho no lago: de Parceiros da noite, um dos filmes mais fracos da carreira de William Friedkin, e o episódio do Lago Berryessa da obra Zodíaco, de David Fincher. As influências estão todas lá. Da Nova York noturna, somos transportados para um lago no interior da França, em época indeterminada, onde alguns homens praticam nudismo e têm encontros casuais, principalmente no meio do bosque que existe no lugar, e as árvores acabam trazendo um elemento de mistério e suspense, seja revelando ou escondendo os que ali transitam, assim como há uma tranquilidade angustiante nas águas do lago. Guiraudie mostra o rapaz Franck (Pierre de Ladonchamps), que faz amizade com um senhor, Henri (Patrick D’Assumçao). Este recém se separou da mulher e vai todos os dias ao logo, mas fica a distância, apenas observando a movimentação. Com o passar dos dias, Franck, apesar de gostar de conversar com ele, se interessa e se apaixona por Michel (Christophe Paou).

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Ao assistir Um estranho no lago, veio à lembrança a polêmica em 1993, ou seja, há duas décadas, de que a vida sexual de Antonio Banderas e Tom Hanks em Filadélfia seria promíscua, despertando incômodo contra o diretor Jonathan Demme. É curioso que, 20 anos depois, uma abordagem mais arriscada e mostrando um jovem que mistura o prazer com a experimentação do perigo ou da morte tão próxima seja recebida de modo contrário. O jovem Franck não está preocupado em usar preservativos na relação com os homens, tampouco está preocupado se está apaixonado por um homem que pode afinal estar colocando diretamente em risco sua vida.
Assumpçao faz Henri de forma perfeita, sendo o grande destaque do filme, com sua solidão e o medo de se aproximar do jovem Franck, e Guiraudie situa nele a sustentação emocional da narrativa, pois revela uma busca de si mesmo nas águas deste lago. Quando Michel lhe diz que acha estranho que desperdice o tempo olhando o lago, Guiraudie parece perguntar ao espectador se todos que ali transitam não estão, ao mesmo tempo em que buscam o sexo casual, atrás apenas de afeto e companhia. Não parece ser este o caso de Franck, quando parece preferir o risco à calmaria. Ou seja, embora o cenário seja tranquilo, o personagem central está, na verdade, buscando o contrário – e a morte pode estar envolvida nesse sentimento – porque, para Guiraudie, não há lugar fora dali que isso pode ser buscado. O lago se constitui numa espécie de refúgio contínuo para esses personagens.

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Um estranho no lago

Criando uma atmosfera fantástica de claustrofobia, também em razão da excepcional fotografia de Claire Mathon (contrastando as cenas do dia e as noturnas com perícia, sobretudo ao aproveitar o reflexo do sol nas águas do lago e a vegetação verde), com grande influência nas cenas noturnas do Ceylan de Era uma vez na Anatólia, Guiraudie não reserva a mesma atenção para os personagens centrais. Embora seja parte da história não desenhar os personagens além do próprio lago – Franck deseja encontrar Michel fora dali, mas não é correspondido –, Guiraudie faz uma narrativa tão pré-concebida, dirigida a um final em forma de esquema e simbologia, que parece não haver muito envolvimento sentimental do espectador com esses personagens. Os temas estão espalhados ao longo do filme: a solidão, as árvores, a tranquilidade do lago que pode esconder a morte, o cenário cercado por pedras, os faróis noturnos dos carros, tentando iluminar um cenário que parece tão claro durante o dia, mas Guiraudie tenta criar subterfúgios para não explorar suficientemente estes personagens, reduzindo suas experiências a trocas de diálogos não tão ousadas quanto as cenas de sexo. Em razão dos atores principais, embora eles façam um trabalho competente (mesmo dramaticamente inferior ao de Léa e Adèle em Azul é a cor mais quente), falta uma densidade emocional ao filme, e nunca chegamos a estar especialmente interessados neles, assim como eles parecem entre si.
Ainda assim, Um estranho no lago consegue, ao contrário de outros thrillers recentes, extrair vários recursos de um cenário a princípio limitado. É interessante como Guiraudie filma sempre o estacionamento onde vão parando os carros daqueles que frequentam o lugar (buscando uma rotina), quando mostra as árvores quase como testemunhas do que acontece, quando coloca Henri também como alguém excluído da comunidade, visto com desconfiança, ou quando revela um voyeur observando os casais tentando ver naquele cenário algo que desperte algum sentido de provocação. Guiraudie obviamente desejava isso, mostrando as cenas de sexo de forma tão fria e impessoal que certamente se equivalem àquele pergunta do investigador (Jérôme Chappatte): como podem fazer sexo num lugar onde pode ter acontecido algo tão lúgubre? Ou seja, as relações de afeto, mostradas sem ênfase e a distância, tornam-se tão geladas quanto, ao que parece, as águas do lago à noite e tão distantes quanto os sentimentos dos personagens. É certamente a atração desses pelo perigo que acaba fazendo do personagem de Henri uma peça vital da trama e, se o final é conduzido de forma tão drástica e abrupta, oferecendo ao espectador uma certa surpresa, mas não completa (o filme é radicalmente pré-concebido), também pensamos onde estará esse personagem à noite, quando ele procura alguém também longe do lago. Trata-se de uma figura que, ao fugir de seu instinto ou de seu afeto, acaba, na verdade, se deparando com os mesmos sentimentos originais. A pergunta que fica e torna Um estranho no lago tão claustrofóbico é: Franck terá algum outro lugar para ir sem ser impedido antes, inclusive por si mesmo?

L’inconnu du lac, FRA, 2013 Diretor: Alain Guiraudie Elenco: Pierre de Ladonchamps, Christophe Paou, Patrick d’Assumçao, Emmanuel Daumas, François-Renaud Labarthe, Gilbert Traina, Gilles Guérin, Jérôme Chappatte, Mathieu Vervisch, Pierre Deladonchamps, Sébastien Badachaoui Roteiro: Alain Guiraudie Fotografia: Claire Mathon Produção: Sylvie Pialat Duração: 97 min. Distribuidora: Imovision Estúdio: Les Films du Worso

Cotação 3 estrelas e meia