Por André Dick
O cineasta Taika Waititi se tornou mais conhecido com O que fazemos nas sombras, um filme divertido sobre um grupo de vampiros que se unia numa cidadezinha para suportar junto a eternidade. Em seguida, ele fez Hunt for the wilderpeople, conhecido no Brasil como A incrível aventura de Rick Baker ou Fuga para a liberdade. Se O que fazemos nas sombras tinha uma produção modesta, o segundo possuía uma fotografia extraordinária, com uma sucessão de gags interessante em meio a um drama familiar, influenciado por Wes Anderson, a mesma referência em Loucos por nada, filme de Waititi de uma década atrás. Depois de Thor: Ragnarok, o diretor fez aquela que é até agora sua melhor obra, Jojo Rabbit. Seu passo seguinte é a volta ao universo dos super-heróis.
Thor: Amor e Trovão é bastante divertido em seus dois primeiros atos, com um humor absurdo e novamente tentativas de homenagear o filme Flash Gordon dos anos 80, com a colaboração do elenco, assim como, no seu início, Star Trek e Star Wars. Depois de viajar com os Guardiões da Galáxia, que também resultaram em aventuras em Vingadores – Guerra infinita e Vingadores – Ultimato, Thor (Chris Hemsworth) precisa salvar crianças de Nova Asgard de um sequestro nos moldes bíblicos efetuado por Gorr (Christian Bale), uma criatura que está ameaçando a existência de deuses, com a arma Necrosword. Surge Jane Foster (Natalie Portman) como a Poderosa Thor, sua persona feminina, que sem a força do martelo Mjolnir é afetada pelo câncer. A lado deles, estão Valquíria (Tessa Thompson) e Kong (Taika Waititi), um gladiador kronan.
Para fazer uma das comédias mais acentuadas da Marvel, Chris Hemsworth funciona fazendo um humor mais ostensivo, a exemplo de Férias frustradas e Caça-fantasmas, encarnando uma versão satírica do Luke Skywalker de Os últimos Jedi, desiludido com o universo, assim como Natalie Portman, cuja personagem esteve ausente no terceiro filme. Por outro lado, interpretando o vilão de Thor: Amor e Trovão, Christian Bale parece estar participando de outro filme. Sua atuação é boa, mas ele soa dramático demais em alguns momentos, o que conflita com o humor absurdo (os gritos dos bodes), além de sua maquiagem ser talvez pesada demais, às vezes lembrando Palpatine. É um problema comum na filmografia de Waititi não equilibrar os gêneros. Quem acaba desperdiçada é Tessa Thompson, uma atriz muito boa, no entanto aqui com roteiro fraco. Assim como os Guardiões da Galáxias que, talvez por motivos contratuais, poderiam aparecer bem mais. E há uma participação especial muito boa.
Como no anterior, Waititi interrompe dois atos de comédia leve e calibrada, sua especialidade, e repassa suas cargas para um filme previsível de ação (com montagem confusa), tentando dar dramaticidade para a qual não havia despertado anteriormente. É difícil, mesmo que seja esta a pretensão, adentrar no drama depois de dois atos dedicados, de forma promissora, a uma sucessão de sequências divertidas e diálogos com duplo sentido. A graça da narrativa era justamente oferecer uma sátira espacial. No entanto, em momentos-chave o diretor se entrega a sequências comuns quando tudo se anunciava como épico. É impressionante, aqui, sem dúvida, o controle de Kevin Feige, que certamente fez com que Waititi tornasse as resoluções mais infantis, a fim de agradar ao público dessa faixa etária.
E, em termos técnicos, sempre um ponto alto nos filmes mais bem-humorados da Marvel, a exemplo de Guardiões da Galáxia, Thor: Amor e Trovão tem um belíssimo design de produção, com influência do Peter Pan de Joe Wright em alguns momentos, assim como uma notável fotografia de Barry Idoine em sua primeira metade especialmente. Depois, parece que o orçamento diminui e os cenários se tornam até comuns e menos cuidados. Basta o espectador comparar com o ato inicial, tecnicamente notável.
O espectador não merece se enganar: o novo Thor é vivo, com personagens que têm certo envolvimento, ao contrário de Doutor Estranho no multiverso da loucura, e parece longe de estar perto do pior já feito pela Marvel, mas me parece desperdiçar seu potencial, justamente quando Waititi está no melhor momento de sua trajetória, depois de Jojo Rabbit. Ele poderia ter investido mais em dosar humor e drama, o que Branagh faz bem, aliás, no criticado Thor de 2011, diretor conhecido pelas adaptações para o cinema de obras de Shakespeare. Era este justamente o diferencial dessa produção: o herói dos quadrinhos tem, em grande parte, uma profusão de diálogos que lembram uma peça de teatro, contudo sem cair no forçado ou pretensioso.
Branagh mesclava a comédia com drama nos pontos certos, principalmente quando o herói cai numa cidade do deserto do Novo México, encontrando um grupo de cientistas, liderado por Jane Foster, ajudada por Darcy Lewis (Kat Dennings) e pelo Dr. Erik Selvig (Stellan Skarsgård). Jane volta neste quarto filme, enquanto seus amigos têm breves participações, mas todos mereciam mais.
Enquanto em Thor: Ragnarok, Waititi usava “Immigrant Song”, do Led Zeppelin, um diálogo com a trilha do Queen para a obra de Mike Hodges, em Thor: Amor e Trovão temos a presença de Guns N’ Roses, uma clara resposta à trilha do Nirvana do Batman de Matt Reeves. E o humor parece superior ao que ele tentou no elogiado Thor: Ragnarok e, embora repita aqui piadas já gastas do terceiro (a do elenco interpretando Thor, Loki etc., aqui com a presença extra de uma comediante), consegue, sem dúvida, uma boa harmonia até determinado ponto. É uma diversão interessante, descompromissada e autêntica principalmente em seus dois atos iniciais, que merecem crédito.
Thor: Love and Thunder, EUA, 2022 Diretor: Taika Waititi Elenco: Chris Hemsworth, Christian Bale, Tessa Thompson, Jaimie Alexander, Taika Waititi, Russell Crowe, Natalie Portman Roteiro: Taika Waititi e Jennifer Kaytin Robinson Fotografia: Barry Idoine Trilha Sonora: Michael Giacchino e Nami Melumad Produção: Kevin Feige, Brad Winderbaum Duração: 119 min. Estúdio: Marvel Studios Distribuidora: Walt Disney Studios