Tenet (2020)

Por André Dick

Conhecido por narrativas complexas e uma tentativa de lidar com o tempo de modo pouco habitual, o diretor Christopher Nolan anunciou Tenet pouco tempo depois de Dunkirk, seu flme sobre um acontecimento decisivo da Segunda Guerra Mundial que melhora cada vez mais em revisões. O filme não tinha exatamente seu estilo, difundido amplamente por A origem, principalmente, com seu encadeamento de diálogos quase intermináveis. Dunkirk parecia um experimento mais na linha da concisão, de fazer tudo ser comunicado com o mínimo esboço de personagens e mais focado em situações.
Tenet acabou sendo filmado com grande expectativa depois da primeira indicação de Nolan ao Oscar, mesmo depois da trilogia Batman e de Interestelar – ignorado pela Academia. E ganhou ainda mais destaque por causa de seu lançamento ter sido adiado várias vezes devido à pandemia. Nolan queria que seu filme simbolizasse a volta aos cinemas, o que Tenet acabou por desempenhar, ao lado de Os novos mutantes, este sem, evidentemente o mesmo destaque.

Se há algo que aproxima Tenet dos filmes anteriores é sua narrativa hermética. Tem parentesco com A origem em diversos pontos, numa espécie de mescla entre realidade, thriller e ficção científica. Desde Amnésia, Nolan tem procurado lidar com a sequência temporal com um objetivo claro de subvertê-la. Na trilogia Batman ele não chegou a apostar nisso, mesmo com êxito, mas continuou a selecionar o tempo como sua ferramenta em Interestelar, uma das ficções científicas mais interessantes já feitas, e Dunkirk, com sua ação passada em três tempos distintos, em termos de horas, não anos, no entanto que se conectam.
Tenet começa com uma equipe de homens invadindo um teatro em Kiev – em sequência que remete diretamente à trilogia Batman. É levado um homem da CIA (John David Washington), que passa a ser, ao que parece, o predestinado, chamado de Protagonista ao longo do filme, para um local isolado onde parece ser morto, para reaparecer num navio, tendo de cumprir ordens de uma ordem chamada Tenet. Ele descobre, por meio de Victor (Martin Donovan) e Laura (Clémence Poésy), sobre o tempo que pode retrocdeer, com uma sequência de tiros que revertem no tempo, e vai para Mumbai, onde encontra Neil (Robert Pattinson) e Priya Singh (Dimple Kapadia), uma trtaficante de armas e, finalmente, Kat (Elizabetyh Debicki), casada com um milionário russo, Andrei Sator (Kenneth Branagh), que está por trás de pesquisas sobre subversão do futuro e parece ter interesse especial pelo uso de plutônio. Como o Bane de O cavaleiro das trevas ressurge, Nolan pinta aqui seu receio diante da humanidade estar nas mãos de quem sempre pode apertar um botão com intenção maligna. Não é preciso entender todos os detalhes: este fio de trama abrange quase tudo a que o espectador tem acesso.

Nolan sempre utilizou seus personagens como motivações para colocar em prova as suas intuições particulares para um cinema capaz de dose técnica e emoção em larga escala. Ele conseguia isso em Interestelar aliado a um drama muito profundo do personagem central. Como em A origem, Tenet se mantém mais a distância, orientado por atuações contidas. Depois de Infiltrado na Klan, Washington tem uma boa atuação como o Protagonista, um papel difícil. É Robert Pattinson como seu colega que se destaca, fazendo o filme ficar mais intenso quando aparece, assim como Branagh assume um papel também aberto ao risco,  pela restrição de diálogos, um pouco caricatural; é sua melhor participação como ator desde pelo menos Sete dias com Marilyn, no início da década passada. Debicki faz uma mulher silenciada pelo marido com certa elegância. O elenco consegue usar o roteiro como aliado para suas performances, fazendo tudo exatamente crível, enquanto Nolan e sua equipe se empenham em apresentar algumas sequências fantásticas de perseguição, como aquelas do aeroporto e da autopista, incentivadas pelo uso de efeitos visuais excepcionais, como é de praxe em sua trajetória. As cenas que mostram o tempo retrocedendo são minuciosamente complexas, levando o espectador ao universo que lembra os melhores momentos do impacto inicial de um Matrix.
Fala-se sobre o quanto Nolan diz que gostaria de dirigir um filme de James Bond (não conseguindo, possivelmente, por querer ser mais autoral), e Tenet parece anunciar o que seria uma obra de espionagem sob um olhar com escapismo científico. Claro que há os diálogos expositivos, que haviam em Interestelar, escritos pelo diretor  e que particularmente não são empecilho para admirar o resultado, e que ressurgem depois do minimalista Dunkirk. Os personagens convivem com o espectador sempre movidos pelas teorias de Nolan, nunca abandonando esse espaço em prol de algo mais emocional. Trata-se de uma característica que o aproxima muito de A origem, porém este novo filme tem uma técnica narrativa aparentemente mais concisa e, dentro do seu hermetismo, mais divertido.

Nada chega a ser muito explicado, apesar dos diálogos visando isso, e há certas surpresas que dão a sensação de se lidar com uma novidade na maneira de apresentar os personagens, mesmo que às vezes a trilha sonora de Ludwig Göransson soe por vezes excessivamente tecnológica, não tendo o grau de variação daquelas de Hans Zimmer, e a fotografia de Hoyte van Hoytema nunca procure exatamente pontos de diversidade no uso de cores (o amarelo é predominante nos detalhes, como em O cavaleiro das trevas ressurge e Dunkirk), apresentando tudo como um futuro asséptico. Ainda assim, o design de produção e a fotografia em termos de movimentação funcionam de maneira inquestionável, sendo a obra de Nolan talvez mais bem resolvido na sua apresentação, sabendo compor as cenas, mesmo as mais confusas. Tenet é um experimento paradoxal: enquanto você tenta entendê-lo, parece que a diversão diminui. No entanto, é quando se deixa embarcar nessa mescla de sensações que o filme se torna fascinante. Há algo nele que soa, conforme suas próprias intenções, atemporal, e nisso reside sua maior importância numa época em que o tempo parece ter estagnado.

Tenet, EUA, 2020 Diretor:: Christopher Nolan Elenco: John David Washington, Robert Pattinson, Elizabeth Debicki, Dimple Kapadia, Michael Caine, Kenneth Branagh Roteiro: Christopher Nolan Fotografia: Hoyte van Hoytema Trilha Sonora:  Ludwig Göransson Produção: Emma Thomas e Christopher Nolan  Estúdio: Warner Bros. Pictures, Syncopy Distribuidora:  Warner Bros. Pictures

Batman – O cavaleiro das trevas (2008)

Por André Dick

A lembrança deixada pelos dois filmes de Joel Schumacher na franquia iniciada por Tim Burton no final da década de 80 da série Batman manteve todos os interessados pelo personagem consciente de que, numa renovação, era preciso mudar o direcionamento das coisas. Quem o substituiu foi Christopher Nolan, que havia mostrado competência em Amnésia e em Insônia, mas passou a ser visto como cineasta mais popular por meio de Batman begins. Nele, o super-herói que se veste de morcego está de volta a Gotham City depois de uma temporada num mosteiro, onde se aprimorou em artes marciais com um homem perturbado, Henri Ducard (Liam Neeson), que pretende dizimar a civilização decadente com sua Liga das Sombras. Reencontrando a amiga de infância Rachel Dawes (Katie Holmes) e seu melhor amigo, o mordomo Alfred (Michael Caine), ele retoma a empresa do pai, indo contra a vontade de quem já fazia planos de coordená-la (Rutger Hauer), colocando um cientista, Lucius Fox (Morgan Freeman), para ajudá-lo a construir armaduras e armas contra assaltantes, afinal pretende estabelecer a ordem na cidade. Seu amor pela amiga é o ponto romântico do filme.

Ela quer prender os integrantes do crime organizado de Gotham, mas um dos envolvidos vai parar no Asilo Arkham, onde precisa enfrentar o Espantalho (Cillian Murphy), que na verdade é o Dr. Cristopher Crane, cujo tom mais soturno lembra a novela de Batman feita por Frank Miller. Batman – desta vez com mais ajuda do comissário Gordon (na franquia antiga bastante apagado), interpretado pelo ótimo Gary Oldman – enfrentará todos os bandidos e ainda quem volta do passado e deseja impedi-lo de salvar Gotham.
Há cenas muito bem feitas por Nolan (sobretudo aquela em que Batman invade o asilo, a fim de encontrar o Espantalho, com uma atmosfera tensa e pesada), que emprega um ritmo vertiginoso na montagem, embora lhe faltem alguns elementos: a direção de arte da série de Tim Burton (muito mais fantástica e original, sobretudo no design dos veículos utilizados por Batman) e a trilha sonora de Danny Elfman (tão marcante quanto a que John Williams fez para Superman, aqui substituída por uma feita em parceria de Hans Zimmer com James Newton Howard, em tom crescente e efetivo). Ou seja, Nolan tem uma clara opção em situar o personagem sob uma luz mais realista.

De qualquer modo, Batman Begins parece um filme mais na medida exata, sobretudo porque Nolan desenha seus personagens de maneira equivalente com seus objetivos. O elenco, a começar por Christian Bale fazendo Batman, é muito bom, e há diversas sequências memoráveis, mostrando que o personagem merecia um tratamento que não estava recebendo de Joel Schumacher. Sentimos angústia no personagem – a sequência de treinamento nas montanhas é especialmente memorável – e a produção é cuidadosa em todos os seus quesitos.
O segundo filme, Batman – O cavaleiro das trevas, reitera que temos um cineasta com menos imaginação visual do que Burton e uma atenção maior para o realismo das cenas de ação. Numa nova sessão, de qualquer modo, é uma obra que se encontra cada vez mais contemporânea, além de influência direta na maioria dos filmes adaptados de quadrinhos. É visível a influência de Nolan do cineasta Michael Mann, principalmente aquele de Fogo contra fogo e Miami Vice, de alguns anos antes. Parece-nos que é Christian Bale o responsável por tornar o novo Batman em um personagem tão interessante quanto aquele feito por Michael Keaton, com acentos dramáticos funcionais. O não emprego de humor no personagem principal, um super-herói amargurado, talvez deixe a narrativa mais pesada, e isso se reproduz no clima proporcionado pela fotografia belíssima de Wally Pfister, diferenciando-se de suas versões anteriores, mesmo daquela de Burton. Além disso, toda a ambientação de Gotham City, uma mistura entre Nova York e Tóquio, volta a tirar qualquer fantasia da cena de ação: os acontecimentos do início do século XXI estão subentendido pelo roteiro. O vilão aqui é o Coringa (vivido por Heath Ledger, que recebeu um Oscar póstumo merecido de ator coadjuvante), cada vez mais enlouquecido pelas releituras que deram os quadrinhos, tendo à frente Frank Miller, e decisivamente psicopata. O Coringa de Jack Nicholson no Batman de Burton era tão desequilibrado quanto, mas com nuances mais atenuadas e um humor corrosivo às vezes de tom infantojuvenil. Estamos diante de um vilão que coloca não apenas Batman em xeque, como todo o sistema (policial, jurídico) da cidade. Não se pode acreditar em mais ninguém; tudo está sob suspeita. A vida de Wayne se sente vazia, tanto quanto a de Dent em busca de correção.

Ainda mais do que no primeiro filme, neste Nolan tem uma tendência a cenas de ação ininterruptas, o que deixa o espectador quase sem fôlego. A montagem, especialmente, é uma qualidade: parece que, com a rapidez dos diálogos e do corte de cenas, estamos assistindo não a um filme, mas a um trailer, em que o a trilha sonora tensa de Howard e Zimmer quase não se ausenta, sendo interrompida apenas num ato final um pouco mais expositivo do que o restante.
Algumas das peças cinematográficas de Nolan têm mais de um final, e este tem pelo menos três, no entanto quando consegue conectar tudo é um diretor de talento, mais preciso do que Burton para cenas de ação e visões ameaçadoras da realidade. Seu Batman é um super-herói endurecido pela realidade de Gotham, e o que ele faz não se diferencia em nada dos policiais que vemos em filmes e séries, sobretudo na cena em que tenta interrogar o Coringa. Há nessas sequências, também, uma referência à tortura de terroristas, bem enfocada em A hora mais escura, alguns anos depois, por Kathryn Bigelow. Quando ele confia em Harvey Dent (Aaron Eckhart, apropriado para o papel depois de boas atuações, em Obrigado por fumar, por exemplo) para limpar Gotham, o faz com a mesma noção política que faz mover o prefeito e o Comissário Gordon. Porém, quando se depara com o que irá acontecer a Dent e sua amada, Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal, substituindo Katie Holmes), que é namorada de Dent, parece voltar atrás, como agiria um policial. O dilema aqui ultrapassa a tendência romântica do super-herói e chega a um ponto em que não consegue mais controlar sua tendência de buscar a todo custo coibir que o crime tome conte de sua cidade.

Assim, Batman tem receio de Gotham ser dominada por traficantes, e de haver um adversário justamente como o Coringa, que ateia fogo a uma pilha gigantesca de dinheiro, com o empenho apenas de destruir. Por exemplo, a cena do hospital é grandiosa e por isso perturbadora, mesmo que saibamos se tratar de uma ficção, e suas curvas pelas ruas de Gotham a bordo do carro da polícia deixam o espectador impactado, como se fosse um pouco verdade, tal a neutralidade e frieza com que Nolan filma essas imagens, querendo cada vez mais ver Gotham City em apuros. São momentos em que o gênero de filme de super-heróis se mescla ao thriller urbano. Ao contrário de Batman begins, que preferia mostrar becos enfumaçados e muita chuva, O cavaleiro das trevas prefere a simetria de arranha-céus e esconderijos tecnológicos, além de uma noite asséptica, com grandes avenidas vazias.
Se não há mais a dupla personalidade dada com mais ênfase por Burton, sobretudo em Batman – O retorno, Nolan consegue estabelecer os personagens como figuras mais próximas do espectador, como o próprio Alfred ou o cientista Lucius Fox. Há várias obras coladas nesta peça sonora e visualmente interessante: a viagem de Batman para capturar um criminoso em Tóquio é uma; a de Dent é outra; a dos barcos ao final, outra. Até que eles formam um conjunto, que toma como fundo a transformação da sociedade, seja com sua horda de gângsteres terroristas, seja com um tom até mesmo otimista diante de tudo. Nolan também está interessado em Batman como alguém que vigia a todos por meio de celulares, antecipando uma era moderna, e constantemente perturbado por um passado que não consegue resolver. Talvez seja ainda aquele filme de super-heróis que conseguiu estabelecer um vínculo direto com a realidade e mesmo por isso fez tamanho sucesso. Seu roteiro responde por vários pontos, inclusive pelo talento de Nolan em transformar o que seria menos respeitoso em algo com certo tamanho irrestrito.

The dark knight, EUA/Reino Unido, 2008 Diretor: Christopher Nolan Elenco: Christian Bale, Michael Caine, Heath Ledger, Maggie Gyllenhaal, Gary Oldman, Aaron Eckhart, Morgan Freeman, Eric Roberts, Anthony Michael Hall, Nestor Carbonell, Melinda McGraw, William Fichtner, Nathan Gamble Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan Fotografia: Wally Pfister Trilha Sonora: James Newton Howard, Hans Zimmer Produção: Christopher Nolan, Charles Roven, Emma Thomas, Lorne Orleans Duração: 152 min. Estúdio: Legendary Pictures, Syncopy Films, DC Comics Estúdio: Warner Bros. Pictures

Dunkirk (2017)

Por André Dick

O cineasta britânico Christopher Nolan iniciou sua carreira com o curioso thriller Following e em seguida fez Amnésia, no qual a memória fragmentada atingia o personagem central e antecipava, de certo modo, Insônia, policial com Al Pacino em busca de um assassino no Alaska, abalado por não conseguir dormir em razão da claridade permanente. Se Batman begins significou o início de uma das maiores trilogias da história do cinema, O grande truque e A origem confirmaram Nolan como uma voz capaz de mesclar técnica, visão, ousadia e riscos com a montagem de um filme. Apesar de sempre se apontar uma certa exposição em seus roteiros, sua filmografia parecia prepará-lo para a obra-prima de ficção científica que é Interestelar. Para suceder uma obra desse porte, Nolan recorreu ao gênero de guerra, trazendo para as telas a batalha de Dunkirk. A história inicia em 1940, na Segunda Guerra Mundial, com a explicação de que a França está sendo invadida pela Alemanha e milhares de soldados ficam à espera do que pode acontecer em seguida na cidade litorânea de Dunkirk.

Logo Nolan foca em Tommy (Fionn Whitehead, muito bem), jovem soldado da Inglaterra, que consegue chegar, depois alguns contratempos, à praia onde estão soldados de seu país e outros aliados (franceses, belgas e canadenses). Ele fica amigo de Gibson (Aneurin Barnard), que está enterrando um amigo seu. Ameaçados por aviões da Alemanha, os homens estão desesperados na praia. Aos dois novos amigos, se junta mais tarde Alex (Harry Styles). Alheios a esse cenário, o Comandante Bolton (Kenneth Branagh) e o Coronel Winnant (James D’Arcy) avaliam a situação, e isso significa exatamente não ter ideia ou certeza a respeito do que pode afetar esses milhares de homens sob seu comando. Por alguns instantes, principalmente no número de figurantes, Dunkirk parece remeter a Patton, dos anos 70, mas o propósito de Nolan não é obviamente fazer uma sátira de guerra. Estamos, sim, diante de uma homenagem dele a um fato histórico.
Ao mesmo tempo, vários barcos são requisitados pela Royal Navy para ajudar no salvamento. Num deles, o Moonstone, está o Sr. Dawson (Mark Rylance), junto com seu filho, Peter (Tom Glynn-Carney), e o jovem George (Barry Keoghan). No caminho para Dunkirk, eles se deparam com o soldado Shivering (Cillian Murphy, um dos atores favoritos do diretor).

Finalmente, acompanhamos também os pilotos de aviões Spitfire Farrier (Tom Hardy) e Collins (Jack Lowden), que sobrevoam Dunkirk para tentar proteger as tropas. Os três núcleos (em terra, em água e ar) se passam em tempos diferentes, requisitando do espectador uma certa atenção para desenhar o panorama geral.
O diretor de fotografia Hoyte van Hoytema, que já havia trabalhado com Nolan em Interestelar, empresta seu talento para a captura de imagens verdadeiramente realistas, fazendo algumas vezes o filme se parecer com um documentário – e se faz notável um diálogo com o clássico de guerra Overlord, dos anos 70, um dos preferidos de Nolan. Além disso, a paleta de cores escolhidas realça o figurino dos personagens e a areia da praia (inspirada em O mestre, de Paul Thomas Anderson). Por sua vez, a trilha de Hans Zimmer empresta o aspecto grandioso à narrativa. Difícil esquecer, por exemplo, os jovens carregando um ferido em determinado momento à frente de tropas enfileiradas ou o Moonstone passando ao lado de um grande navio: é como se o mínimo, o pequeno, fosse realmente o que representa a bravura de quem adentra uma guerra.

A grande questão é que Nolan, desta vez autor solitário do roteiro, parece ter desejado substituir a exposição verbal de seus filmes – muito interessante em Interestelar, por exemplo – pela superexposição de imagens. Destaca-se como nenhum personagem é trabalhado, com exceção talvez para Sr. Dawson, na melhor atuação de Rylance em sua carreira como ator de cinema. Os soldados estão sempre à mercê de uma ameaça para terem sua presença desenvolvida. Nesse sentido, os diálogos não importam, e sim o que pode acontecer quando um avião se aproxima ou quando há tiros na água, e pode-se dizer que é um dos filmes que melhor utilizam efeitos sonoros (de gritos humanos também) dos últimos tempos. Isso fornece uma tensão incontornável, porém até certo ponto, pois, não se sabendo quem são esses personagens exatamente, não há o devido envolvimento. Não se trata, por exemplo, da técnica usada por Terrence Malick, de desprover os personagens de diálogos: Malick compensa por sugestões visuais. Essa não é uma característica de Nolan: sua área de domínio é o cinema de impacto, e este normalmente em seu caso vem acompanhado por longas linhas de diálogos. É o que o caracteriza como diretor autoral. Isso se ausenta de maneira pontual em Dunkirk. Ele está mais interessado na imagem como documento do que como espaço para a inter-relação.

Mesmo na angústia e na tentativa de sobrevivência, o resultado soa um tanto frio por faltar exatamente seu toque clássico. Sintetizar personagens por meio de imagens não é necessariamente uma qualidade. Este pode ser o caso de Dunkirk, um filme moldado para ser grande e se ressente justamente de personagens e atuações capazes de provocar uma satisfação maior como cinema. Além disso, Nolan parece acentuar um problema já existente em A origem, um filme substancialmente melhor em cada palmo do que Dunkirk: a montagem é excessivamente confusa, jogando com três cenários e tempos em paralelo, sem haver sugestões suficientes para indicar qual é a próxima ameaça. Lee Smith tem um trabalho árduo aqui, pois a montagem é assessorada pela emoção dos personagens, que faltam a cada momento em que o espectador espera uma nova costura para as imagens sendo apresentadas. Quando há um encaixe mais claro para o espectador dessas ações fora de ordem, o filme cresce.
Essa emoção havia, por exemplo, no subestimado e muito mais clássico e padronizado Invencível, no qual os combates aéreos pelas lentas de Roger Deakins adquiriam um ímpeto realista e, ao mesmo tempo, cinematográfico. Ou mesmo no recente Até o último homem, de Mel Gibson, que, com todo seu maniqueísmo, criava uma perturbação por meio de sua figura principal em meio ao conflito de guerra. Para não falar de clássicos, a exemplo de Platoon, Nascido para matar, Apocalypse now, O franco-atirador, Além da linha vermelha O resgate do Soldado Ryan, todos com uma visão humana e histórica sobre a guerra, visualmente impressionantes e com desenvolvimento de personagens. Por outro lado, parece ser exatamente na sutileza que Nolan entrega uma visão diferenciada da guerra. Ao não dar tanta voz a esses personagens, ele universaliza as situações de perigo.


Nesse sentido, o personagem de Murphy, Shivering, se apresenta como aquele que, transtornado pela guerra, passa a agir de modo irracional. Também por meio dessa figura, Dunkirk é um filme de sobrevivência, como vem sendo divulgado, e a cada peça dele leva a um direcionamento maior rumo à emoção, mesmo que esta se sinta por vezes vazia. É uma obra simétrica, mas falta a ela a perturbação da guerra sem exatamente o predomínio documental e sua recomendação de idade impede cenas fortes, que seriam adequadas no contexto, sendo tudo excessivamente asséptico. Como uma visão conceitual e técnica da guerra, Dunkirk pode atingir em cheio; como fator do imponderável e da emoção, suas imagens soam um pouco remotas e mecânicas. Ele acaba tendo mais interesse quando cria paralelismos entre situações, como o dos jovens tentando colocar um barco em movimento e um piloto tentando sobreviver embaixo d’água. Também é interessante como Nolan coloca o heroísmo em escalas diferentes, por meio dos personagens da embarcação e dos homens nas praias de Dunkirk. No momento em que as ações em tempos diferentes se encontram e a trilha sonora de Zimmer se torna menos uma espécie de ruído e mais uma nostalgia de antigos filmes de guerra, é possível sentir na imagem de um piloto solitário o contraponto para a solidariedade humana.

Dunkirk, EUA/FRA/HOL/ING, 2017 Diretor: Christopher Nolan Elenco: Tom Hardy, Mark Rylance, Cillian Murphy, Kenneth Branagh, Fionn Whitehead, Aneurin Barnard, Harry Styles, James D’Arcy, Jack Lowden, Barry Keoghan Roteiro: Christopher Nolan Fotografia: Hoyte Van Hoytema Trilha Sonora: Hans Zimmer Duração: 106 min. Produção: Christopher Nolan, Emma Thomas Distribuidora: Warner Bros. Estúdio: Dombey Street Productions / Warner Bros.

 

Interestelar (2014)

Por André Dick

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O gênero de ficção científica costuma ter como parâmetro, quando se trata sobretudo de uma equipe de astronautas viajando ao espaço, dois filmes: 2001 – Uma odisseia no espaço e Solaris. No entanto, se considerássemos o que Tarkovsky achava do filme de Kubrick, certamente só haveria Solaris como exemplar do gênero e se fôssemos considerar a opinião geral não teria existido outros filmes depois, tão interessantes, a exemplo do recente Gravidade e da esquecida obra-prima Os eleitos. Quando Tarantino afirma que não esperava, com o recente Interestelar, de Christopher Nolan, o aprofundamento de obras como 2001 e Solaris, já sabemos que o filme de Nolan terá como ponto de comparação esses dois, pelo menos para quem calcula as probabilidades do filme para as categorias do Oscar. Para Nolan, o ponto de comparação parece um privilégio, à medida que ele é considerado um cineasta de grande estúdio, talhado para fazer blockbusters conceituais, pelo menos desde Batman – O cavaleiro das trevas e A origem.
Interestelar, em termos visuais, pode não superar o antológico 2001, mas colocá-lo em ponto de comparação com Solaris, mesmo considerando a época em que este foi feito, é uma injustiça com Nolan, o cineasta de blockbusters certamente com mais requinte visual. Se não há uma correspondência efetiva entre experiência e história em Amnésia e  A origem se sustenta mais em suas imagens inesquecíveis do que numa qualidade narrativa, assim como O grande truque se baseia numa ideia de montagem enigmática, ele conseguiu transformar Batman, no primeiro filme e em seu último, num herói bastante interessante, com o auxílio da fotografia notável de Wally Pfister.

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Tarkovsky era um excelente cineasta de imagens naturais, como em O espelho e Nostalgia – obras belíssimas –, mas sua visão do universo científico não tinha interessante o suficiente para desenvolver discussões sobre a influência do planeta Solaris na mente de alguns integrantes de uma estação espacial. O elemento teatral de Tarkovsky não é correspondido por uma montagem e por atuações vigorosas. Cada cena de Solaris traz um manancial de questões – quando, na verdade, estamos diante de algo mecânico e remoto, ou seja, Tarkovsky avaliava que 2001 era “frio”, mas é exatamente seu filme que possui essa característica. Perto dele, qualquer filme, e com Interestelar não seria diferente, parece envolver melodramas fáceis.
Em termos de roteiro, Interestelar mistura Os eleitos, Campo dos sonhos e Contato, mas sem diluí-los. Cooper (Matthew McConaughey) trabalhou como piloto de avião, mas depois de um acidente, passou a se dedicar à sua fazenda, onde vive com os dois filhos, Murphy (Mackenzie Foy) e Tom (Timothée Chalamet), e o avô, Donald (John Lithgow). Numa época em que as expedições espaciais caíram em descrédito e uma praga tem atormentado a vida na fazenda, destruindo as plantações e trazendo correntes de poeira, Cooper espera por um milagre. A filha se inclina a seguir seu interesse pela ciência, enquanto o filho deseja continuar com sua trajetória na fazenda. Ambos são complementares, e daí a Cooper ter contato com um antigo professor, Brand (Michael Caine), Amelia (Anne Hathaway), Romilly (David Gyasi) e Doyle (Wes Bentley), é um passo para o roteiro ir estabelecendo seus caminhos que se destinam ao espaço e às estrelas, numa narrativa capaz de mesclar a estrutura de um sucesso comercial com a física e a filosofia, o que rende diálogos bastante incomuns, alguns com o peso da exposição científica, auxiliada pela presença do físico Kip Thorne e suas teorias. De algum modo, o filme lida de maneira interessante sobre as percepções, pois trata também do conhecimento capaz de transformar, ao contrário do que aponta uma auxiliar da escola de Murphy. Depois de conseguir compor uma unidade visual em torno do mundo dos sonhos em seu A origem, Interestelar estabelece uma ligação entre o espaço e as plantações da fazenda de Cooper. O homem só pode se salvar e se manter como indivíduo quando visualiza algo que está além do seu horizonte e dos planos imediatos. Tudo é simbolizado por meio de uma biblioteca, como se o sentimento da humanidade fosse eternizado nela e nada pudesse escapar ao seu redor. Escapa – mas neste imprevisível Interestelar isso significa adentrar no espaço.

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Chama a atenção como o cineasta, sempre mais ocupado com a arquitetura do que está acontecendo (desde seu interessante filme de estreia Following, que acompanhava uma dupla de assaltantes imprevista), consegue introduzir as questões científicas levantadas numa espécie de emoção em sintonia com uma trilha absolutamente memorável de Hans Zimmer, cujo trabalho consegue recuperar tanto os melhores momentos das sinfonias selecionadas por Kubrick para 2001 quanto várias notas do trabalho de Angelo Badalamenti para David Lynch, fazendo o filme de Nolan adquirir uma intensidade emocional quase ausente em A origem, mas já existente no final espetacular de Batman – O cavaleiro das trevas ressurge, no qual há talvez os melhores momentos isolados da trajetória de Nolan. Há diversos momentos filmados por Nolan com uma capacidade visual e emocional de um grande cineasta, com uma escala épica, fazendo o espectador esquecer possíveis grãos espaciais não tão necessários. Para essa característica, é de vital presença a fotografia de Hoyte Van Hoyteman, que iluminou o universo futurista singular de Ela, de Spike Jonze, além dos efeitos especiais e da direção de arte espetaculares.
Embora Nolan continue um cineasta dividido entre o trabalho que se considera artístico – mais silencioso, voltado às imagens – e o blockbuster – e pelo menos ele não nega essa característica de sua obra –, numa busca pelo vilão de uma história, por exemplo, certamente o ponto mais falho de Interestelar, talvez ele nunca tenha se mostrado também tão ressonante. Pela primeira vez de fato, ele consegue, por meio das interpretações, sintetizar suas ideias a respeito da composição não apenas do universo no sentido cósmico, como também no plano familiar e individual. Para o sucesso efetivo de Nolan, a interpretação de Matthew McConaughey, um pouco marcada no início por seu sotaque característico, é absolutamente verdadeira e menos voltada à emoção registrada pelo físico vista em Clube de compras Dallas; trata-se de uma das grandes atuações do ano, em seu ato derradeiro ao mesmo tempo sentimental e consciente. Menos presente, mas do mesmo modo efetiva, é Anne Hathaway, enquanto Jessica Chastain surge como uma das personagens com mais idade e Michael Caine consegue, com poucos diálogos, traduzir uma ligação com sua filha, em mais uma parceria com o diretor depois da série Batman e de A origem. Além de Mackenzie Foy ser uma boa revelação. Esse elenco consegue, de algum modo aparentemente disperso, traduzir a base do roteiro de Nolan com seu irmão: há mais do que uma visão sobre como o amor une as pessoas no sentido material. Em Interestelar, e poucos filmes conseguem isso com a mesma ênfase e sem reduzir os personagens a símbolos, o amor se revela no plano da memória, mas uma memória sem tempo definido. Filhos encontram pais e vice-versa, mas não sabemos quais são aqueles capazes de demonstrar melhor a memória da humanidade. Podem existir outros planetas, mas quem fornece sentido a eles é a ligação entre seres diferentes. Mesmo que haja uma parcela espetacular nas ações de Interestelar, Nolan está mais interessado na afetividade e no resultado que ela proporciona às pessoas: naves, planetas e buracos de minhoca significam, além da viagem, uma permanência intransferível a cada um de nós.

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Trata-se de um argumento aparentemente simples, mas Nolan, de algum modo, consegue torná-lo sólido apresentando um agrupamento constante de imagens e personagens em situações diferentes, mas interligados por uma constante sensação de procura no espaço e no tempo. A vida e a morte se reproduzem ao mesmo tempo, assim como o gelo de um determinado planeta e o fogo nas plantações. E, mais do que tudo: assim como se tenta salvar a humanidade, pode ser, ao mesmo tempo, que tente se salvar apenas uma família perdida no campo. As tentativas parecem destoar em grandeza, mas, para Nolan, colocando-as lado a lado, são iguais, épicas e históricas, cada um a seu modo. Todas as ações repercutem entre si: aquelas do passado e as do futuro, e Interstelar busca uni-las numa mesma visão.
São várias as passagens de Interestelar em que os pontos de humanidade se mostram interessantes: desde aqueles nos quais os personagens se introduzem num ambiente desconhecido e visualmente fantástico até aqueles nos quais estão divididos entre a permanência com os familiares e a passagem no tempo. Nolan, no que talvez supere toda a sua obra, mostra a base de uma tradição familiar de maneira estranhamente original, ainda baseado em certa iconografia dos Estados Unidos, mas conseguindo desenhar as tentativas de sobrevivência e de manter a figura humanas em lugares diferentes no espaço e no tempo. Trata-se de um caminho próprio: enquanto Kubrick estava interessado no mistério que compreende as estrelas, em nossa origem, Nolan fixa o ponto no fato de que as estrelas podem trazer nossas próprias lembranças, já vividas. Interestelar é justamente sobre a passagem do tempo e a memória reservada às pessoas próximas, de como o sentimento se constrói, na verdade, independente de lugares e da distância. É isso que o torna uma obra tão fascinante.

Interstellar, EUA, 2014 Diretor: Christopher Nolan Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Michael Caine, Jessica Chastain, Wes Bentley, John Lithgow, Casey Affleck, David Gyasi, Bill Irwin, Mackenzie Foy, David Oyelowo, Topher Grace, Ellen Burstyn Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan Fotografia: Hoyte Van Hoytema Trilha Sonora: Hans Zimmer Produção: Christopher Nolan, Emma Thomas, Linda Obst Duração: 169 min. Distribuidora: Warner Bros Estúdio: Lynda Obst Productions / Paramount Pictures / Syncopy / Warner Bros. Pictures

Cotação 5 estrelas

A origem (2010)

Por André Dick

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O diretor Christopher Nolan, da nova franquia de Batman, costuma ser visto como um designer que arrisca mudanças no meio cinematográfico, desde Amnésia. Embora não aprecie especialmente Amnésia, é em A origem que fica claro como ele faz seus filmes: uma montagem vertiginosa, na qual ele imagina delinear os personagens, com muitos efeitos especiais de qualidade e um roteiro hermético. Ou seja, Nolan tem uma maneira de dirigir e montar um filme: as peças são demasiadamente montadas, para, enfim, se ter uma ideia do todo quase sempre apenas ao final, ou, às vezes, isso também não acontece. Não se pode esquecer seu filme Insônia, em que, a fim de lidar com a mesma temática do comportamento humano guiado por uma sensação de fadiga, a mesma de Amnésia, tínhamos Al Pacino com os olhos reticentes a cada cena, na caça de um psicopata. A caçada no gelo de Insônia é uma espécie de prenúncio para o que viria a se concretizar, com toda a força, em A origem – tendo seu estilo atenuado em filmes feitos para maiores plateias, como a trilogia Batman (de qualidade) e O grande truque, em que iniciava seu estilo de montagem que se reproduziria no segundo Batman e neste A origem.
Fala-se que Terrence Malik, mas é claro que estamos falando de realizadores diferentes: Malick vê uma saída na natureza, enquanto Nolan deseja imaginar a imaginação humana como um labirinto. Neste filme, ele pretende fazer o espectador entrar em vários estágios de um sonho. Sua concepção, porém, é mais voltada a dois filmes de Steven Spielberg dos anos 2000, Inteligência artificial e Minority Report. Este segundo, principalmente, possui um tom mais sombrio e pessimista. Baseado numa história de Philip K. Dick, tem sua localização no ano de 2054, em Washington, onde precogs, que se parecem com clones, ficam embaixo d’água e antecipam crimes que serão cometidos, adiantando os  culpados à polícia. Até que um crime tem uma origem desconhecida, podendo ser o chefe dos policiais (Tom Cruise), que passa a ser perseguido por outro (Colin Farrell).

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Tem pontos interessantes: a perseguição de pequenas aranhas-robôs, por exemplo, entrando em apartamentos a fim de verificar a identidade de cada um por meio do olhar; as fugas de Cruise em meio a naves; elementos policiais tradicionais em meio à trama. Mas definitivamente não parece que Spielberg está aqui em bom momento. Ele parece habitar um futuro de pesadelo (como em Inteligência artificial), e quer deixar claro que se trata de um mundo profundamente devastado em todos os sentidos. Isso faz com que não haja simpatia pelo personagem principal, prejudicando o interesse pela trama em si. Em A origem, de Nolan, este futurismo de Spielberg, baseado na literatura de K. Dick, se converte numa espécie de charada para os sonhos de Freud, mas a concepção parece ser a mesma: os personagens de Nolan lembram os clones que ficam embaixo da água de Minority Report reportando a um futuro, com a diferença de que invadem os sonhos alheios a fim de conseguir informações secretas. Nolan deseja focalizar exatamente uma espécie de memória dos sonhos, que pode existir para antecipar qualquer ação a ser realizada.
DiCaprio é Dom Cobb recebe a proposta de um cliente, Saito (Ken Watanabe), de entrar num sonho de Robert Fischer (Cillian Murphy), a fim de implantar uma ideia (“inception” do título original) que o levará a dividir a herança de seu pai, Maurice (Pete Postlethwaite). Esta equipe é formada por Arthur (Joseph Gordon-Levitt), Ariadne (Ellen Page), recomendada por Miles (Michael Caine), mentor de Cobb e pai-de-lei,  Eames (Tom Hardy), que assume a forma de outras pessoas em sonhos, e Yusuf (Dileep Rao), que formula as drogas para que se tenha acesso aos níveis diferentes de sonhos e ao subconsciente.

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Trata-se de uma narrativa engenhosa, criativa e com potencialidade, cercada por exposição maciça de efeitos especiais (excelentes), mas com um viés artístico – que pode ser tanto interessante para alguns, quanto bastante cansativo para outros – e um jogo com a psicologia do personagem central, Cobb, sem o devido interesse, pelo menos não aquele dado por Nolan a Bruce Wayne em Batman begins, o melhor episódio da franquia dirigida por ele. Durante os seus sonhos, Cobb costuma encontrar sua esposa já desaparecida, Mal (Marion Cotillard), e costuma visualizar, sobretudo numa praia idílica, seus dois filhos brincando – a mesma imagem que dá início ao filme. E Cobb, não por acaso, é o nome do assaltante do primeiro filme de Nolan, Following.
O que se destaca, depois de uma perseguição a Peter Browning (Tom Berenger), o padrinho de Fischer, também dominado por Eames, é uma longa sequência de uma van caindo num rio, enquanto entramos e saímos do estado onírico dos personagens; a invasão a uma fortaleza no gelo; Arthur num corredor com gravidade zero enfrentando inimigos (e por pouco ele não lembra David Bowman) e remissões ao que se chama de limbo, onde os personagens, mesmo dentro dos sonhos, podem estar feridos. Mas não esqueçamos: trata-se de um filme sobre os sonhos e, enigmáticos em Lynch, passam a ser aqui lições de arquitetura. Ou seja, vale mais o contexto do que a narrativa do filme em si. Nolan tem sempre uma concepção pré-determinada para sua trama, nunca deixando uma abertura adequada para que o espectador respire: é como aquela cidade, no início do filme, se desdobrando sobre a personagem de Ariadne (ou com os objetos se espatifando no ar, numa sequência esplendorosa). Além das óbvias influências desta fase dos anos 2000 de Spielberg, A origem remete, por meio de seu pião, aos enigmas de 2001.

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No entanto, Nolan não se baseia, como Kubrick, no conceito apenas como referência artística: ele deseja também adaptar seu simbolismo a uma espécie de metáfora pop. Esta faceta pop contrasta, em parte, com o peso expositivo do roteiro de sua própria autoria, sobretudo quando Cobb decide montar sua equipe e são dadas a ele inúmeras argumentações sobre a arquitetura simétrica do trabalho a ser realizado. Toda esta exposição, ao mesmo tempo em que expõe uma complexidade, um atrativo, extrai a energia de alguns diálogos e das situações; tudo parece excessivamente calculado, e os personagens se movem de maneira racional até o limite. Da metade para o final, quase não há emoções ressoando entre eles, apenas ideias conceituais de Nolan, algumas brilhantes (como a analogia entre a queda da van, da neve de uma montanha e a subida de um elevador).
Com a atuação ainda indefinida de DiCaprio, escondido por uma série de projeções, tanto do seu passado com sua esposa quanto com seu projeto saturado por sonhos, A origem não se desvencilha do fato de que possui uma montagem ao mesmo tempo vertiginosa e tortuosa em seu propósito de não deixar brechas para que o espectador considere de que não sairá satisfeito ou com enigmas dispersos, conduzindo-o ao entendimento de que a obra se torna justamente complexa por não deixar quase nada de modo claro. Montado como um grande puzzle de peças, de forma às vezes desordenada e mesmo confusa, assim como os edifícios que se desdobram ou aqueles atingidos por um oceano magnífico, com a trilha sonora competente de Hans Zimmer, a extraordinária fotografia de Wally Pfister (a descoberta maior de Nolan) e uma direção de arte não menos do que brilhante de Huy Hendrix Dyas, A origem se ressente exatamente de um certo onirismo capaz de dar mais sensibilidade aos personagens, que passam pelo roteiro como se fossem exatamente executivos da corporação Rekall. Assim como a eles não é permitido um sonho real, ao espectador não resta senão a possibilidade de acompanhá-los numa espécie de simetria encaixada e, senão previsível, pelo menos de fadiga onírica. Ainda assim, em meio às teorias e à exposição, Nolan consegue realizar uma obra instigante e cujo maior mérito é alcançar um terreno ainda pouco explorado da humanidade, com o auxílio de uma notável equipe técnica e algumas imagens realmente inesquecíveis.

Inception, EUA/Reino Unido, 2010 Direção: Christopher Nolan Elenco: Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy, Ken Watanabe, Dileep Rao, Cillian Murphy, Tom Berenger, Marion Cotillard, Pete Postlethwaite, Michael Caine Roteiro: Christopher Nolan Fotografia: Wally Pfister Trilha Sonora: Hans Zimmer Produção: Christopher Nolan, Emma Thomas Duração: 148 min. Distribuidora: Warner Bros Estúdio: Legendary Pictures / Syncopy / Warner Bros

Cotação 3 estrelas e meia

 

Batman – O cavaleiro das trevas ressurge (2012)

Por André Dick

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A lembrança deixada pelos dois filmes de Joel Schumacher na franquia iniciada por Tim Burton no final da década de 80 da série Batman manteve todos os interessados pelo personagem consciente de que, numa renovação, era preciso mudar o direcionamento das coisas. Quem o substituiu foi Christopher Nolan, que havia mostrado certa competência em Amnésia e um policial fraco em Insônia. Depois dos dois Batman e do irregular (e, a meu ver, monótono) A origem, ele regressou com Batman – O cavaleiro das trevas ressurge. Mas seria interessante rever o que ele apresentou nos dois primeiros.
Em Batman begins, o herói que se veste de morcego está de volta a Gotham City depois de uma temporada num mosteiro, onde se aprimorou em artes marciais com um homem perturbado, Henri Ducard (o antipático, por isso perfeito para o papel, Liam Neeson), que pretende limpar a terra de assaltantes com sua Liga das Sombras. Reencontrando a amiga de infância Rachel Dawes (Katie Holmes) e seu melhor amigo, o mordomo Alfred (o ótimo Michael Caine), ele retoma a empresa do pai, indo contra a vontade de quem já fazia planos de coordená-la (Rutger Hauer), colocando um cientista, Lucius Fox (Morgan Freeman, sempre eficiente), para ajudá-lo a construir armaduras e armas contra assaltantes, afinal pretende estabelecer a ordem na cidade. Seu amor pela amiga é o ponto romântico do filme. Ela quer prender os piores bandidos na cadeia, mas um dos envolvidos vai parar no Asilo Arkham, onde precisa enfrentar o Espantalho (Cillian Murphy, extremamente estranho e adequado para o papel), que na verdade é o Dr. Cristopher Crane, cujo tom mais soturno lembra a novela de Batman feita por Frank Miller. Batman – desta vez com mais ajuda do comissário Gordon (na franquia antiga bastante apagado), interpretado pelo ótimo Gary Oldman – enfrentará todos os bandidos e ainda quem volta do passado e deseja impedi-lo de salvar Gotham.
Há cenas muito bem feitas por Nolan (sobretudo aquela em que Batman invade o asilo, a fim de encontrar o Espantalho, com uma atmosfera tensa e pesada), que emprega um ritmo vertiginoso na montagem, embora lhe faltem alguns elementos: a direção de arte da série de Tim Burton (muito mais fantástica e original, sobretudo no design dos veículos utilizados por Batman), a trilha sonora de Danny Elfman (tão marcante quanto a que John Williams fez para Superman, aqui substituída por uma feita em parceria de Hans Zimmer com James Newton Howard) e o figurino original (bem mais criativo do que aqui, basicamente uma reprodução do dia a dia). Ou seja, Nolan tem uma dificuldade clara em situar o personagem num universo fantástico, preferindo colocá-los à luz natural. Mesmo a maneira como revela o surgimento do herói é menos fantasiosa.
De qualquer modo, este Batman Begins parece um filme mais na medida exata, sobretudo porque Nolan, aqui, não é ainda tão maneirista. O elenco, a começar por Christian Bale fazendo Batman (o oposto de Michael Keaton, embora este tivesse qualidade, vencendo suas limitações), é muito bom, e há diversas sequências memoráveis, mostrando que o personagem merecia um tratamento que não estava recebendo de Joel Schumacher (os filmes que dirigiu, Batman eternamente e Batman e Robin são os mais fracos das franquias). Sentimos angústia no personagem – a sequência de treinamento nas montanhas é especialmente memorável – e a produção é extremamente cuidada.

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O segundo filme, Batman – O cavaleiro das trevas, reitera que temos um cineasta com menos imaginação do que Burton e uma atenção maior para o realismo das cenas de ação. Parece-nos que é Christian Bale o responsável por tornar o novo Batman em um personagem tão interessante quanto aquele feito por Michael Keaton. O não emprego de humor no personagem principal, um herói amargurado, talvez deixe o filme mais pesado. Além disso, toda a ambientação de Gotham City, uma mistura entre Nova York e Tóquio, volta a tirar qualquer fantasia da cena de ação. O vilão aqui é o Coringa (vivido por Hutch Ledger, que recebeu um Oscar póstumo de ator coadjuvante), cada vez mais enlouquecido pelas releituras que deram os quadrinhos (sobretudo de Frank Miller) e decisivamente psicopata (o de Jack Nicholson era um brincalhão perigoso).
Ainda mais do que no primeiro filme, neste Nolan tem uma tendência a cenas de ação ininterruptas, o que deixa o espectador excessivamente sem fôlego. A montagem, especialmente, é uma qualidade: parece que, com a rapidez dos diálogos e do corte de cenas, estamos assistindo não a um filme, mas a um trailer, em que o som não se ausenta por um minuto sequer – mas mesmo alguns trailers cansam.
Alguns de seus filmes têm o defeito de durarem uns 30 minutos a mais (como Insônia e A origem), e este tem pelo menos três finais, mas quando consegue conectar tudo é um diretor de talento, mais preciso do que Burton para cenas de ação e visões ameaçadoras da realidade. De qualquer modo, não mais poético: o Batman, aqui, é um herói endurecido pela realidade, e o que ele faz não se diferencia em nada dos policiais que vemos em filmes e séries (sobretudo na cena em que tenta interrogar o Coringa), o que reduz um tanto a complexidade do personagem. Quando ele confia em Harvey Dent (Aaron Eckhart, apropriado para o papel depois de boas atuações, em Obrigado por fumar, por exemplo) para limpar Gotham, o faz com a mesma noção política que faz mover o prefeito e o Comissário Gordon. Mas, quando se depara com o que irá acontecer a Dent e sua amada, Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal, substituindo Katie Holmes), que é namorada de Dent, parece voltar atrás, como agiria um policial. Assim, Batman tem receio de Gotham ser dominada por traficantes, e de haver um adversário justamente como o Coringa, que coloca fogo em dinheiro, isto é, não tem nenhum senso de ganância material, apenas o empenho de destruir (por exemplo, na cena do hospital, grandiosa e por isso perturbadora, mesmo que saibamos se tratar de um filme) e suas curvas pelas ruas de Gotham a bordo do carro da polícia deixam o espectador impactado – como se fosse um pouco verdade, tal a neutralidade e frieza com que Nolan filma essas imagens, sem nenhuma fantasia, mas querendo cada vez mais ver Gotham City em apuros.
Se não há mais a dupla personalidade dada com mais ênfase por Burton, sobretudo em Batman – O retorno, Nolan consegue estabelecer os personagens como figuras mais próximas do espectador, como o próprio Alfred, mordomo de Bruce Wayne, ou o cientista Lucius Fox, feito por Morgan Freeman. Há vários filmes colados nesta peça sonora e visualmente interessante: a viagem de Batman para capturar um criminoso em Tóquio é uma; a de Dent é outra; a dos barcos ao final, outra. Até que eles formam um conjunto, que deixa a desejar, de qualquer modo, no acabamento: há excessos neste filme, e no final tenta-se uma certa lição de moral que não condiz com o que aparece antes.

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No novo filme, Batman – O cavaleiro das trevas ressurge, Nolan tinha A origem como imediatamente seu precursor, o que era preocupante. Não apenas porque se podia contaminar uma adaptação de um herói em quadrinhos com novas filosofias sobre o onirismo, excessivamente calculadas e com personagens pouco interessantes. Desde o início do terceiro Batman – cuja estreia teve, como se sabe, um acontecimento trágico –, parece que Nolan está interessado em deixar as tentativas de configurar uma realidade, como havia nos outros dois, para realmente uma narrativa configurada no fantástico, mesmo que, como nos demais, com cenários parecidos com a realidade, em certos momentos até terrivelmente parecidos. Em primeiro plano, o novo vilão, Bane (Tom Hardy), com sua voz ecoando como a de Darth Vader, também atrás de uma máscara, apesar de violento e chocar, não tem a mesma participação do Coringa e nem a mesma tentativa de realismo ou de psicopatia. É um vilão dentro dos moldes que já vimos, mas Nolan, claro, se preocupa em conceder uma violência extra a ele nos momentos em que aparece, desnecessária – e com um início que é um grande furo, apenas para justificar a situação. A cidade de Gotham City vive um momento de paz, oito anos depois da segunda parte. O Comissário Gordon (Oldman) está para ser demitido, como informa o vice-comissário Peter Foley (Matthew Modine),  não tem coragem de contar a verdade sobre Dent, e o milionário Bruce Wayne vive uma espécie de exílio em sua mansão, na companhia de Alfred (Michael Caine, excelente). Até o dia em que tem uma de suas joias roubadas por uma mulher que se disfaça de empregada, Selina Kyle (Anne Hathaway, tornando o filme mais leve), e depois de uma visita de um policial, John Blake (Joseph Gordon-Levitt, levemente deslocado), que morou num orfanato bancado pela família Wayne. Há muitas coisas implicadas desta vez. Wayne não quer mais enfrentar a realidade depois da morte da amada no filme anterior, até que descobre a vinda de Bane para Gotham City. Sua empresa está passando por problemas, e a ricaça Miranda Tate (Marion Cotillard) precisa assumir o cargo. Para isso, ela deve saber como funcionam algumas pesquisas das empresas Wayne que lidam com energia nuclear, a critério de Lucius Fox (novamente Morgan Freeman).

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Por não entender que o segundo da trilogia tenha sido o melhor, acredito que este Batman consiga traduzir, como o primeiro, uma relação do personagem com uma vertente mais humana, apesar de em certos momentos parecer um coadjuvante em sua própria história. Nolan, por meio da sua figura, e isso é acentuado neste, pretende, na verdade, lidar com a história de personagens como o Comissário Gordon, Blake e o mordomo Alfred (que tem pelo menos dois momentos antológicos, que se ligam, sobretudo, a Batman begins). Não consegue ser totalmente efetivo porque o roteiro, desde o primeiro filme, com suas referências a medo, destruição, máscaras, não revela o quanto haveria nos personagens para ser abordado e cai, às vezes, num plano de condescendência (como num momento em que Bruce Wayne precisa novamente enfrentar seus temores; sabemos, desde o primeiro, que ele não confia totalmente em si mesmo, mas nos perguntamos se haveria mais enfrentamento para os temores do que ele acaba tendo de fazer pela cidade de origem). Outro plano de abordagem parece o político: Bane quer liderar uma revolução às avessas em Gotham – ele começa atacando a Bolsa de Valores – e em certos momentos é questionada a diferença entre bandidos e policiais; até que ponto a mentira não é a maior destruição da sociedade; a riqueza é colocada em xeque, pois é preciso se revoltar. Parece falso considerar que Nolan coloca Batman como um mero playboy que deseja manter um status quo. Seria tornar o personagem fora ainda mais de seu contexto. Não se trata de uma discussão levantada também por Burton quando poderia – em comparar Bruce Wayne e Oswald Cobblepot, o personagem do Pinguim, abandonado pelos pais nos esgotos da cidade –, e portanto me parece um um tanto deslocada. Mas é uma leitura possível. Parece-me, de qualquer modo, que Nolan, como Cronenberg em Cosmópolis, está fazendo uma sátira a movimentos de libertação do povo – o que só pode ser feito pelo próprio povo, e não por tribunais livres colocados por uma espécie de guia. Mesmo no fato de, em determinado momento, ele dizer que a decisão do destino está nas mãos do povo, feito da forma mais pomposa possível num estádio de futebol. Neste ponto de vista, Batman apenas tenta oferecer outras opções, mas sem deixar de temer que, pela lenda deixada depois da morte de Harvey Dent, o povo o massacre em praça pública.

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Bane, em nenhum momento, soa um vilão real – como se refere acima, sua voz lembra a de Darth Vader (é difícil dizer o que o personagem realmente tem de interpretação de Tom Hardy). Ainda assim, os momentos em que ele precisa se confrontar com Batman são muito bem feitos (pela interpretação de Bale), como também as perseguições e os quarenta minutos finais (com efeitos realmente extraordinários, apesar de a trilha sonora abafar excessivamente os outros sons, fazendo com que seja uma espécie de trailer), com uma tensão que faz com que se destaquem diante do restante da série. Não tenho certeza, por outro lado, se a metragem longa (164 minutos), típica desde o sucesso de O senhor dos anéis, era necessária ou apenas para dar um sentido mais épico à finalização da trilogia. Se em certos momentos a montagem flui, há um ou outro momento, sobretudo naquele mais delicado pelo qual passa Wayne, que Nolan parece repetir demais a mesma situação (colocando, inclusive, um personagem para traduzir o que um outro fala para Wayne, sem este pedir). Em outras sequências, a montagem é ágil demais, quebrando uma cena que poderia ser interessante, mas acaba dando espaço a outra. A própria colocação de alguns personagens, como o de Miranda e o de Folley, soa, às vezes, um tanto dispersa e confusa, limitando-se a alguns diálogos sem força, o que é de se lamentar pela metragem.
Mas, de modo geral, isso não prejudica Batman – O cavaleiro das trevas ressurge. Há qualidades que o costuram como um filme de ação contida, mais do que o segundo filme, e sem o clima apocalíptico deste, apesar de várias cenas dizerem também o contrário – é impressionante a direção de arte do filme, muito superior às dos outros dois, além de mais diversificada, além da fotografia requintada de Wally Pfister (O homem que mudou o jogo), habitual colaborador de Nolan e muito talentoso, dando classes a imagens que poderiam ser rotineiras e mistura ruínas atrás do colégio de órfãos com arranha-céus gigantescos e iluminados, com a chegada do inverno e do calor que se anuncia.
A ligação da narrativa com o primeiro filme também dá uma sensação de fechamento de uma fase de Batman feita por Nolan (o que não havia na primeira quadrilogia, sobretudo pela troca de Burton para Schumacher). E não me parece que este se leve a sério demais – os outros também tinham um ar de cinema mais sóbrio e contido – ou que Batman é visto como algum personagem de proporções trágicas; pelo contrário, o que me parece é que, ao fim de tudo, Nolan só queria realmente mostrar uma humanidade que pode haver para um garoto órfão na persona de um herói.
Não parece ser uma obra-prima, mas tampouco deixa de ser, sobretudo como o primeiro, muito divertido, encerrando a trilogia de forma bastante satisfatória.

The Dark Knight Rises, EUA/Reino Unido, 2012 Diretor: Christopher Nolan Elenco: Christian Bale, Gary Oldman, Morgan Freeman, Michael Caine, Anne Hathaway, Joseph Gordon-Levitt, Liam Neeson, Tom Hardy, Cillian Murphy, Marion Cotillard Produção: Christopher Nolan, Charles Roven, Emma Thomas Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan Fotografia: Wally Pfister Trilha Sonora: Hans Zimmer Duração: 165 min. Distribuidora: Warner Bros. Estúdio: DC Entertainment / Legendary Pictures / Syncopy / Warner Bros.

Cotação 4 estrelas