Por André Dick
Com direção de Antonio Campos, que nos anos 2000 fez Afterschool, uma referência do cinema indie. O diabo de cada dia é baseado num romance de Donald Ray Pollock. É ele mesmo que narra a história do filme, com uma dicção calma e ágil, que acaba oferecendo o tom da história contada. O início mostra a volta o fuzileiro Willard Russell (Bill Skarsgård,, egresso da Segunda Guerra Mundial. Ele chega a um café da cidade de Mean, Ohio, onde conhece e se apaixona por uma atendente, Charlotte (Haley Bennett). Depois ele volta para casa em Coal Creek, West Virginia, a fim de encontrar sua mãe, Emma (Kristin Griffith). Willard conta da paixão pela atendente, mas ela quer que ele conheça Helen Hatton (Mia Wasikowska), uma jovem religiosa.
Ele vai vai a uma igreja da igreja com as duas, onde conhece Roy Laferty (Harry Melling), interessado em espantar os fiéis da igreja com aracnídeos, e acaba se casando com Charlotte, com quem tem um filho, Arvin (na vida adulta Tom Holland). O casal decide morar em Knockemstiff, Ohio, sempre escondendo algo muito estranho por trás do comportamento errante de seus habitantes, além de o xerife estar sempre pensando em fazer campanha ao invés de atender os moradores problemáticos, certamente porque imagina o quanto vai trazer a ele de preocupações.
O diabo de cada dia é um filme que lembra muito peças dos anos 90, com um enredo mais clássico, estruturalmente mais quadrado, mas ainda assim, por causa da edição e do elenco, ele se sai melhor do que outros exemplares. Há um cuidado genuíno com a ambientação, a fotografia e a narrativa, apesar das excessivas coincidências, acaba se mostrando interessante, mesmo com toda sua exposição, certamente indicando que, tirando as conversas sobre a influência da religião, vista como opressiva, talvez não restassem mais do que vinte minutos. Os personagens estão sempre pagando alguma espécie de pecado, sem saberem o motivo, procurando abreviar o caminho para um Paraíso imaginário, e ainda assim almejado por todos. Ainda temos a presença de um casal, Carl (Jason Clarke) e Sandy (Riley Keough), que parece antecipar aquele de Assassinos por natureza, de Oliver Stone.
Se Holland mostra mais uma vez seu talento, agora expandindo seu papel de Homem-Aranha para a de um jovem com pesadelos diários, Pattinson tem um papel arriscado para seu atual estágio na carreira e ele se sai muito bem, com algumas sequências em que deixa um sotaque predominar. Outros do elenco, como Scanlen, Melling e Clarke, são suficientemente bons, fazendo o roteiro mostrar seus melhores momentos. A fotografia de Lol Crawley tem elementos de Terrence Malick, a imagem dos personagens olhando para as árvores que parecem encostar o céu. Há muito estilo sobre substância, e o ciclo da vida aqui dialoga com O lugar onde tudo termina, no qual os personagens vão se conectando indiretamente até que o núcleo reverta numa grande expansão para a história, mas também como uma espécie de purgatório para os pecados da humanidade.
Em determinado momento da metade do filme, Campos parece evitar expandir alguns temas e titubeia, mas se recupera num terceiro ato que se desenrola com um estilo climático e leva os personagens a uma confrontação também diante de tudo que fizeram, até então, desprezando o personagem promissor do xerife, Lee Bodecker (Sebastian Stan). Os temas da primeira parte vão ecoando ao longo da obra, e os requintes e violência se voltam tanto de uns personagens em relação aos outros quanto destes em relação à expectativa que possuem (ou não) da vida. Campos enfatiza o impacto de uma elevação espiritual por meio da violência, para combater a violência que ele julga mais perniciosa e combatente dos elementos positivos do ser humano. A figura de autoridade, seja na igreja, seja na polícia, é questionada constantemente por Campos em discursos que beiram o extremo posto da discrição, no entanto isso não concede à trama uma segunda camada superficial ou notavelmente brusca. Ele se choca com o consciente dos personagens, fazendo-os progredir em direção a uma espécie de vazio e uma retomada sempre dos mesmos caminhos: a guerra espera cada ser humano que ousa interromper esse ciclo de culpa e falta de compaixão.
The devil all the time, EUA, 2020 Diretor: Antonio Campos Elenco: Tom Holland, Bill Skarsgård, Riley Keough, Jason Clarke, Sebastian Stan, Haley Bennett, Eliza Scanlen, Mia Wasikowska, Robert Pattinson Roteiro: Antonio Campos, Paulo Campos Fotografia: Lol Crawley Trilha Sonora: Danny Bensi e Saunder Jurriaans Produção: Jake Gyllenhaal, Riva Marker, Randall Poster, Max Born Duração: 138 min. Estúdio: Nine Stories Productions, Bronx Moving ompany Distribuidora: Netflix