Por André Dick
Há dois anos, o cineasta Morter Tyldum foi recebido com grande ânimo por causa de O jogo da imitação, com Benedict Cumberbatch atuando como Alan Turing, gênio que encontrou uma maneira de enfrentar o grave problema da Segunda Guerra Mundial. Lá, Keira Knightey fazia o par do personagem de Cumberbatch, numa relação conflituosa e abalada pela época em que transcorreu. Agora ele regressa em outro gênero, mais delicado do que o drama, neste Passageiros, tendo uma recepção contrária: poucas vezes se viu tantas críticas negativas. Com uma bilheteria razoável, ele pode, no entanto, se transformar naquilo que mais pretende: uma sessão descompromissada.
Na narrativa, a nave Avalon transporta mais de 5 mil colonos para o planeta Homestead II, um novo habitat, numa viagem que deverá durar 120 anos. No entanto, o engenheiro mecânico Jim “Peter Quill” Preston (Chris Pratt) acorda 90 anos mais cedo. Ele fica desesperado, pois está sozinho, pelo menos se contarmos os humanos. A sua única companhia é o androide Arthur (Michael Sheen), não tão discreto quanto os da série Alien, que atende num bar da nave espacial que remete, claro, a O iluminado.
Não apenas o bar remete ao filme de Kubrick, como o enorme refeitório dos passageiros (desacordados), embora o design de produção deva bastante a Prometheus, de Ridley Scott, principalmente na sua iluminação. A sua dúvida existencial é justamente se ficará sozinho para o resto de sua vida, uma vez que não consegue mais localizar como poderia hibernar novamente. Esta dúvida não é cercada por alguma angústia, assemelhando-se mais à alegria do personagem de Matt Damon isolado no planeta vermelho em Perdido em Marte. Certo dia, ele, de qualquer modo, parecendo o personagem da série de TV O último cara da terra, decide despertar uma nova passageira, Aurora Lane (Jennifer Lawrence), sem avisá-la sobre isso. Antes, claro, ele fica sabendo de sua história, do fato de que é uma escritora e acaba, antes de tudo, se apaixonando por ela. O drama dessa paixão poderia se equivaler àquele do casal de Solaris, no entanto Tyldum não tem essa pretensão, e temos até uma cena de Aurora subindo pouco discretamente na mesa do refeitório. O roteiro de Jon Spaihts, que colaborou em Prometheus e Doutor Estranho, prefere as características românticas de um encontro improvável do que os dilemas existenciais desses personagens, que certamente renderiam bons conflitos na superfície do filme.
Tyldum tem em Pratt e Lawrence seus apoios para contar esta história e inicia fazendo com que Preston lembre Quill, o contrabandista dançarino de Guardiões da galáxia. Ele deve ter gostado também de O lado bom da vida, e coloca Lawrence como uma maneira de descobrir uma companheira ao invés de enfrentar a solidão do espaço sideral e para dar também um novo sentido aos passos de dança de um jogo. O mais curioso em relação a Passageiros é o quanto seu roteiro autenticamente fraco possui alguns temas interessantes sobre a solidão humana. Não poucas vezes ele parece remeter a traços da história de Adão e Eva, sobre um casal que pode constituir por si só uma humanidade, quando são ameaçados por uma revelação que pode colocar o relacionamento em prova, e não parece por acaso que a personagem de Lawrence se chame Aurora. Já tivemos clássicos sobre seres humanos com sentimento de solidão no espaço, a começar pelo clássico Corrida silenciosa – sobretudo na amizade entre Preston e os robôs que trabalhavam na nave – e mais recentemente Gravidade. Uma saída dos personagens para um passeio fora da nave lembra imediatamente a de Spock em Star Trek – O filme, no qual se ressalta a beleza visual e certa poeticidade, logo quebrada por um humor desajeitado, que permeia toda a obra, indecisa entre a faceta dramática e a comédia mais facilitada.
Também há um grande impacto quando a nave passa por uma estrela, lembrando Sunshine – Alerta solar, de Danny Boyle. Há referências também bastante evidentes a 2001 (quando Aurora corre pela espaçonave), e a fotografia de Rodrigo Prieto é eficaz, principalmente quando mostra a parte externa da nave, assim como a trilha sonora de Thomas Newman oferece ritmo a cada bloco – um ritmo que não havia, particularmente, em O jogo da imitação, um filme com padrão clássico que se demorava excessivamente em cada sequência.
Ainda assim, falta a Passageiros um toque de complexidade pelo roteiro fraco e pela atuação de Pratt, mesmo que em determinados momentos ele até convença, embora Lawrence também não esteja em seus melhores dias. Nesse sentido, temos um exemplar de ficção científica interessante e divertido dentro de alguns aspectos, com bela direção de arte e efeitos visuais de qualidade. Havia uma obra de maior potencial aqui, mas nada que a transforme num desperdício.
Passengers, EUA, 2016 Diretor: Morter Tyldum Elenco: Chris Pratt, Jennifer Lawrence, Michael Sheen Roteiro: Jon Spaihts Fotografia: Rodrigo Prieto Trilha Sonora: Thomas Newman Produção: Michael Maher, Neal H. Moritz, Ori Marmur, Stephen Hamel Duração: 118 min. Distribuidora: Sony Pictures Estúdio: Columbia Pictures / Original Film / Start Motion Pictures