Trilogia De volta para o futuro (1985, 1989, 1990)

Por André Dick

Os anos 80 foram propícios para que uma nova geração de cineastas fizesse sucesso, principalmente alguns apoiados por Steven Spielberg, como Joe Dante e Robert Zemeckis. Foi este segundo, autor do roteiro de 1941 de Spielberg, escrito com o mesmo Bob Gale de De volta para o futuro o que mais se destacou. No filme projetado para estabelecer vínculos temporais longínquos, o jovem Marty McFly (Michael J. Fox) deseja tocar guitarra no colégio, enquanto tem uma amizade com o doutor Emmett Brown (Christopher Lloyd). São as atuações de Fox e Lloyd que dão vida a personagens que poderiam passar despercebidos se estivessem em outra história mais genérica. Para fugir de um atentado terrorista, cometido contra seu amigo cientista, McFly viaja no tempo e para no ano de 1955 da cidadezinha onde mora, Hill Valley. Nos anos 1950, encontra Emmett Brown algumas décadas mais novo (apesar de não parecer) e precisa, depois de um súbito interesse de sua mãe (Lea Thompson), ainda jovem, por ele, apresentá-la ao que seria seu pai (Crispin Glover). E, claro, no meio há um vilão: Biff Tannen (Thomas F. Wilson). Estamos diante de uma história simples, mas que Zemeckis torna secular, ao transformar o passado e o futuro chaves para a memória da humanidade, de uma nostalgia mais esquecida.

A proximidade que McFly tem com seus futuros pais é muito bem conduzida, tornando crível esta história fantástica e permitindo ao roteiro fazer piadas relacionadas a personalidades (o doutor não acredita por exemplo que Ronald Reagan, ator em sua época, viraria presidente dos Estados Unidos).
Ao mesmo tempo, a produção de Spielberg se nota em cada momento, no uso da trilha sonora pop e na mescla entre a realidade e a fantasia. Zemeckis já tinha se mostrado um diretor ágil ao situar seu interesse na beatlemania dos anos 60 com seu Febre de juventude, filme de estreia de 1978. Com rara mão para dirigir jovens atores, ele apanha a nostalgia daquele filme e a converte em elemento para que, com elementos e ficção científica, pudesse fazer De volta para o futuro. Ele entrelaça o ponto de vista da nostalgia com a velocidade da cultura pop dos anos 80, com sua miscelânea de acontecimentos. Ou seja, se o presente (1985) é rápido, as coisas nos anos 50 se mostram muito singelas, como se vê no primeiro encontro de McFly com sua família ainda jovem. Nisso, o elenco, começando por Fox, Thompson, Glover e Lloyd, funciona perfeitamente.
Continuação lançada quatro anos depois, De volta para o futuro II não chega a ser tão bom quanto o original, mas foi bem nas bilheterias americanas. E tem uma qualidade: reconhece o primeiro como insuperável, pegando-o como material para subverter as passagens do tempo, o que, curiosamente, também o torna único. Os momentos divertidos são poucos, mas há um humor mais ácido e ação, desenfreada, está mais presente. Começa onde terminou o primeiro, com McFly (Fox), Doutor Brown (Lloyd) e Jennifer (agora Elizabeth Shue), namorada de McFly, viajando no tempo para 2015, onde ajudarão seu filho a se livrar da cadeia, por causa do neto de Biff, Griff Tannen.

O vilão do filme passado, Biff, agora velho, volta para o passado com a máquina do tempo de Doc depois de comprar um livro com resultados de jogos. Ele regressa a 1955 e entrega esse livro ao seu eu jovem. Então, para modificar todo o ano de 1985, completamente diferente quando volta, McFly vai em busca do livro de resultados. Os efeitos visuais são excelentes (com um futuro opressor imaginado por Zemeckis), o elenco é bom, mas a história às vezes confusa, o que é um mérito – talvez aí, por outro lado, esteja a originalidade deste filme. É interessante como o roteiro consegue unir várias histórias em tempos diferentes com os personagens agindo como se vissem seus reflexos e comportamentos passados, assim como coloca mais uma vez o dilema de McFly de tentar salvar a vida não apenas da família, como também da cidade de Hill Valley, das mãos de Tannen. Ao vê-lo casado no presente modificado com sua mãe, ele vê sua existência sendo colocada em xeque. De certo modo, o segundo De volta para o futuro vai reprisar situações do filme anterior sob um novo ângulo, criando um universo paralelo àquele que vimos, é eficaz também na maneira como reproduz a cultura dos anos 80 projetada em 2015, com um grande holograma de Tubarão 19 na praça de Hill Valley ou os tênis Nike usados pelo personagem, além de outras referências de marketing que criam um elo temporal interessante.

O terceiro recupera a fantasia mais nostálgica do primeiro, trazendo novamente boas atuações e a direção competente de Zemeckis. O jovem Marty McFly (Fox), no final do segundo, recebia uma carta do professor Emmett Brown (mais uma vez excelente Lloyd), que estaria no velho oeste, mais precisamente em 1885, quando a cidadezinha de Hill Valley havia sido criada. Marty viaja novamente no tempo e encontra o cientista trabalhando como ferreiro e apaixonado por uma professora, Clara Clayton (Mary Steenburgen), mas, principalmente, preocupado que será morto num duelo pelo antepassado de Biff. Por isso, McFly volta a se envolver com o bisavô de Biff Tannen (o vilão dos filmes anteriores), aqui Buford “Mad Dog” Tannen. McFly envolve-se, claro, com uma confusão, em marcar um duelo – uma sátira a vários faroestes – com o “Mad Dog”.
O clímax é a volta para 1885, e como acelerar no tempo sem uma locomotiva? Sem excesso de efeitos especiais (como no segundo), com Fox e Lloyd em nova e talentosa parceria e um roteiro inteligente – homenageando o western –, este De volta para o futuro trabalha com a nostalgia. No mesmo ano, um faroeste, Dança com lobos, seria o vencedor do Oscar, e havia uma recuperação do gênero sob um viés mais jovem, em peças como Jovens demais para morrer, uma espécie de John Hughes passado nos tempos das diligências. A terceira aventura de McFly se insere nesse contexto de maneira interessante e, embora com algumas gags óbvias, mais preponderantes aquelas relacionadas a Clint Eastwood (que seriam recuperadas na animação Rango), é um desfecho eficaz para a trilogia, principalmente na sua parte final, quando Zemeckis novamente acelera para o fantástico e não deixa a série realmente partir – quando de fato ela permanece como referência de fenômeno pop de qualidade.

Back to the future, EUA, 1985 Direção: Robert Zemeckis Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Crispin Glover, Thomas F. Wilson Roteiro: Robert Zemeckis e Bob Gale Fotografia: Dean Cundey Trilha Sonora:  Alan Silvestri Produção: Steven Spielberg, Neil Canton, Bob Gale Duração: 116 min. Estúdio: Amblin Entertainment Distribuidora: Universal Pictures

 

 

Back to the future II, EUA, 1989 Direção: Robert Zemeckis Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Crispin Glover, Thomas F. Wilson Roteiro: Bob Gale Fotografia: Dean Cundey Trilha Sonora: Alan Silvestri Produção: Neil Canton, Bob Gale Duração: 108 min. Estúdio: Amblin Entertainment Distribuidora: Universal Pictures

 

 

Back to the future III, EUA, 1990 Direção: Robert Zemeckis Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Thomas F. Wilson, Mary Steenburgen Roteiro: Bob Gale Fotografia: Dean Cundey Trilha Sonora:  Alan Silvestri Produção: Neil Canton, Bob Gale Duração: 118 min. Estúdio: Amblin Entertainment Distribuidora: Universal Pictures

O silêncio dos inocentes (1991)

Por André Dick

Se houve um sucesso inesperado no início dos anos 90, foi O silêncio dos inocentes. Além de ter sido um êxito de bilheteria e crítica, foi ganhador de cinco Oscars: melhor filme, diretor, ator (Anthony Hopkins), atriz (Jodie Foster) e roteiro adaptado, façanha alcançada antes apenas por Aconteceu naquela noite e Um estranho no ninho. À primeira vista, é um thriller violento e que, ao estilo do pintor Francis Bacon (homenageado explicitamente), apresenta cenários perturbadores e distorcidos dentro do mundo real, pouco previsto na obra de um cineasta como Jonathan Demme, que na década de 80 vinha de peças bem-humoradas como Melvin e Howard e Totalmente selvagem. Jodie interpreta Clarice Starling, que pretende se tornar agente especial do FBI, com traumas de infância e que precisa investigar a morte de várias garotas, vítimas de um canibal à solta, Buffalo Bill (Ted Levine), que desejar usar a pele delas. A questão se agrava junto ao governo quando uma senadora é sequestrada por ele. Para isso, ela precisa interrogar o psiquiatra canibal Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), em busca de alguma pista.

Comandada por Dr. Chilton (Anthony Heald), a prisão onde está Hannibal é um exemplo de lugar assustador, com um design de produção misterioso, principalmente das paredes, e onde se dá o início de uma relação dentro de certos limites sufocante – evitada por Foster quando se negou a fazer a sequência deste filme, sendo substituída por Julianne Moore. Com a necessidade de criar um ambiente claustrofóbico, em que o chefe de Clarice, Jack Crawford (Scott Glenn), parece gostar dela, parece o único alívio de fuga de um mundo doente, Demme fornece ao espectador fragmentos de suspense, como o de um homem pedindo ajuda a uma moça para colocar um sofá dentro de sua van – e a visão é assustadora.
O romance de Thomas Harris, do qual o filme parte, transformou-se em best-seller após o filme, mas sobretudo por causa da violência que existe nele. Assim, vemos corpos em decomposição, cabeças decepadas, rostos mordidos, em nome da realização de um suspense que, afinal, choque as pessoas. É hiperbólica a sequência em que encontramos um policial morto pelo psicopata, fatiado e pendurado (o que tenta criar uma relação com a borboleta que sai do casulo e, durante o filme, representa a mutação interior do ser humano). Outro exemplo de exagero é a atuação de Hopkins, na mesma medida em que é obsessiva e, desde o primeiro encontro com Clarice, já se traça uma espécie de aproximação entre os dois bastante estranha, mas funcional para o caminho que Demme pretende focar, de culpa do ser humano e apego às memórias antigas – no caso de Clarice, as que envolvem o pai. A trilha sonora de Howard Shore leva a cantos esquecidos da memória da personagem e sempre pontua uma espécie de medo do que pode acontecer.

Toda a composição efetuada por Hopkins é simétrica, por vezes além do limite, porém é ela que concede ao filme uma camada de aspecto perturbador que agita sua narrativa, mesmo quando ela não parece caminhar muito. A figura do pai ausente de Clarice se reflete tanto na figura do superior Crawford, em excepcional atuação de Glenn, quanto na de Hannibal, por caminhos bastante distintos: um representa certa proteção, o outro simboliza o medo vindo da infância mais longínqua. Lançado no mesmo ano de Thelma & Louise e Tomates verdes fritos, o filme de Demme apresenta um dos retratos mais complexos de uma mulher no cinema, com todas suas forças e fraquezas tentando se equilibrar rumo a uma autossatisfação.
Por que, nesse sentido, O silêncio dos inocentes é tão fascinante? Porque, em primeiro lugar, ele parece focar bem um mundo isolado do início dos anos 90, em contraposição à alegria do cinema oitentista, com grande influência de Twin Peaks de David Lynch em sua mistura de ambientes soturnos e estações frias, além de em alguns momentos severamente realista (o encontro de Hannibal no aeroporto com o familiar da senadora) e uma necessidade de mostrar uma investigação que acontece mais no subjetivo do que na superfície. A fotografia de Tak Fujimoto é propícia para essa construção, fazendo com que o espectador seja inserido num universo em que parece não haver calor humano ou afetividade, tudo sendo frio como o próprio caso a ser investigado. A tentativa de encontrar Buffalo Bill é a necessidade de Clarice resolver suas questões até então escondidas, e Foster é exitosa em passar essa sensação, é muito bem desenhada, com passos dignos de um grande thriller de suspense e, mesmo quando Hopkins surge com seu cabelo penteado com exatidão é também um motivo para tentar descobrir o que pode vir dele e ecoar nas descobertas de Starling. A relação entre eles se dá por meio de olhares, mas o vilão parece saber o que se esconde na subjetividade de Clarice.

A sensação de O silêncio dos inocentes é de um mundo sujo e do qual o espectador gostaria de manter distância, mas ele também parece explicar o que pode sempre nos afastar dele. O habitat de Buffalo Bill é impressionante e meticuloso em desenhar um mundo do qual se cria um afastamento automático. Talvez a analogia com o casulo das borboletas logo se esgote no imaginário do espectador, porém há a sequência final, antológica em todos os aspectos, com uma grande precisão do cenário e dos movimentos de fotografia, sob o comando magistral de Demme. O silêncio dos inocentes se tornou talvez tão marcante justamente por esse ato final, em que Demme consegue, ao mesmo tempo, mostrar a coragem de uma agente e sua necessidade de, mesmo se tornando parte de uma instituição, saber que nunca conseguirá resolver os problemas que a abalam psicologicamente. Foster apresenta uma grande atuação nesse sentido, mais do que Hopkins, tornando sua personagem realmente antológica.

The silence of the lambs, EUA, 1991 Diretor: Jonathan Demme Elenco: Jodie Foster, Anthony Hopkins, Scott Glenn, Ted Levine Roteiro: Ted Tally Fotografia: Tak Fujimoto Trilha Sonora: Howard Shore Produção: Kenneth Utt, Edward Saxon, Ron Bozman Duração: 118 min. Estúdio: Strong Heart Productions Distribuidora: Orion Pictures

 

Batman eternamente (1995)

Por André Dick

Depois de Batman – O retorno, a bilheteria não tão exitosa fez com que a Warner Bros não quisesse uma sequência no mesmo estilo soturno proporcionado por Tim Burton, inclusive com figuras mais assustadoras, como as da Mulher-Gato e do Pinguim. Três anos depois, ainda que com a produção do diretor, ela apostou em várias mudanças: Michael Keaton, o Batman original, foi substituído por Val Kilmer, o Jim Morrison em The Doors, e a direção ficou a cargo de Joel Schumacher (falecido infelizmente este ano). Este era um diretor que iniciou sua trajetória nos anos 80, primeiro com um filme na linha de John Hughes (O primeiro ano do resto de nossas vidas), seguido por uma diversão adolescente de vampiros (Os garotos perdidos) e um interessante estudo sobre flertar com a morte (Linha mortal). Nos anos 90, Schumacher também fez um drama com Julia Roberts (Tudo por amor) e o arriscado Um dia de fúria, com Michael Douglas, e adaptações reconhecidas de John Grisham, O cliente e Tempo de matar. Por isso, ter chegado à série Batman parecia ser um voto de confiança do cinema blockbuster. Junto com isso, o espaço na composição da trilha, antes de Danny Elfman, foi ocupado por Elliot Goldenthal.

Batman eternamente também traz uma jovem Nicole Kidman e Jim Carrey, depois da explosão inicial em O Máscara, Debi & Loide, e Tommy Lee Jones, além do novo Robin, feito por Chris O’Donnell, reconhecido desde Perfume de mulher. Antes, a série ganhava destaque principalmente pelo tratamento dado aos personagens, próximo do poético. Nesta terceira aventura, Batman tornou-se num justiceiro movido por lembranças, mas visto anos depois e já com as devidas diferenças incorporadas, pode-se notar que este não é um filme meramente inspirado na série dos anos 60. Na verdade, ele é um retrato muito próximo daquele de Burton, mas muito mais colorido e espalhafatoso, diluindo o lado soturno com o humor enérgico de Carrey e o jogo de luzes colorido de Stephen Goldblatt, indicado merecidamente ao Oscar. Bruce Wayne se interessa por uma psicóloga, Chase Meridian (Kidman). Ela, por sua vez, está mais interessada em sua persona noturna. Wayne também tem um breve contato com um de sues funcionários, Edward Nygma (Jim Carrey), um cientista que pretende extrair informações por meio de um aparelho das mentes de Gotham City, certamente o elemento que mais o aproxima de uma história em quadrinhos. De certo modo, ele tem um grande interesse de contar com a colaboração de Duas Caras (Jones), que tenta atrapalhar a vida de Batman desde que entendeu que foi prejudicado pelo super-herói quando ainda era Harvey Dent. Quando Wayne e Chase vão ao circo, eles veem uma apresentação da família de trapezistas Grayson, e é aí que Wayne conhece Robin (Chris O’Donnell). Acontece algo que mudará a trajetória de ambos, e Schumacher lida com essa situação de maneira interessante, jogando um traço mais humano que não havia tanto nos dois de Burton, muito mais, por outro lado, de alto impacto.

Jim Carrey é um Charada estridente, acompanhado por Sugar (Drew Barrymore) e Spice (Debi Mazar) , e ainda mais como Edward. Sua presença é melhor do que a de Jones, que não se sente à vontade no papel, muito afastado de seu estilo habitual, embora certamente ambos estejam longe do que melhor apresenta o filme de Schumacher, que certamente não conseguiu, à época, controlar os arroubos de um Carrey no auge do sucesso.
O papel do herói é mais indefinido que a da persona encarnada por Keaton, cada vez mais moderno, com carro transformado e figurino futurista, mesmo com detalhes polêmicos. Batman parece um coadjuvante no meio dessa tormenta, situado entre os dois vilões excêntricos e os conflitos amorosos e com a possível parceria com um novo super-herói, e Schumacher não permite que o espectador respire, rebocando a ação para o centro de todos os olhares. O excesso de ação cansa, que, por mais interessante que seja, não chega a ser trabalhada do mesmo modo, contudo não era também uma característica tão forte nas peças de Burton. Em Batman eternamente, a movimentação é mais deliberada, cômica, misturando o soturno e as luzes coloridas de Gotham City que parecem remeter a uma mescla entre os trabalhos da Chinatown de Blade Runner e da Chicago fictícia de Dick Tracy.

Há uma sensação quase palpável desse cenário, e Schumacher chega a usar sua característica cor alaranjada – já existente em Um dia de fúria e 8mm: Oito milímetros – para se contrapor à visão de Burton, tornando a mansão de Wayne também mais acolhedora e detalhada, sobretudo em sua coleção de motocicletas, que agrada a Grayson, e com Alfred (o sempre eficiente Michael Gogh). Avaliar que o visual é puro anos 90, como se diz, me parece desviar do caminho: esta é uma história em quadrinhos filmada ao vivo; é colorida, excessiva às vezes, mas tem um ponto de vista. No fim de tudo, Batman eternamente é o que mais antecipa alguns elementos do passado de Wayme, que é reprisado principalmente em Batman begins, de Nolan. Os gráficos do personagem na infância são interessantes e criam uma boa ponte com o conhecido cenário do Asilo Arkham. É aqui que Schumacher revela sua leitura mais apropriada de Batman.

Batman forever, EUA, 1995 Diretor: Joel Schumacher Elenco: Val Kilmer, Tommy Lee Jones, Jim Carrey, Nicole Kidman, Chris O’Donnell, Michael Gough, Pat Hingle, Drew Barrymore, Debi Mazar Roteiro: Lee Batchler, Janet Scott Batchler, Akiva Goldsman Fotografia: Stephen Goldblatt Trilha Sonora: Elliot Goldenthal Produção: Tim Burton e Peter MacGregor-Scott Duração: 129 min. Estúdio: Warner Bros. Distribuidora: Warner Bros. Pictures

Central do Brasil (1998)

Por André Dick

Um dos grande feitos dos anos 90 do cinema brasileiro foi ter ganho o Festival de Berlim com Central do Brasil, de Walter Salles Jr., cineasta de raro talento, como já havia demonstrado em A grande arte (1991), seu primeiro e interessante trabalho, e Terra estrangeira (1995), com fotografia em preto e branco, ao lado da codiretora Daniela Thomas.
Esses dois primeiros filmes indicavam que os elementos da cinematografia de Walter Salles amadureciam e o resultou foi Central do Brasil  (1998) que possui um tom documental, inspirado em parte no cinema de Nelson Pereira dos Santos, elemento acentuado pela crítica. Não chegando ao limite de violência de Pixote, de Hector Babenco, um filme brasileiro igualmente extraordinário, com contornos trágicos, Central do Brasil tem um roteiro propositadamente simples, assinado por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein, mas universal. Isso talvez explique não apenas o Urso de Ouro em Berlim, como também o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e a indicação ao Oscar nessa mesma categoria.

Tendo à frente Fernanda Montenegro, escolhida como a melhor atriz em Berlim, e Vinícius de Oliveira, garoto de 11 anos selecionado por Walter no aeroporto Santos Dumont, onde trabalhava  engraxando sapatos, Central do Brasil tem elementos caros a nosso cinema, vindo de uma tradição reafirmada por Cacá Diegues em Bye Bye Brazil, e por Glauber Rocha em O dragão da maldade contra o santo guerreiro.
A ligação entre Dora (Fernanda Montenegro, indicada ao Oscar, que foi injustamente para Gwyneth Paltrow, de Shakespeare apaixonado), uma escrevedora de cartas na Central do Brasil, e o menino Josué (Vinícius de Oliveira), que tem um problema incontornável com a mãe Ana (Sôia Lira)  e quer conhecer o pai, é, no fundo, a descoberta de dois órfãos, tanto de pais quanto da pátria, sobre a realidade que os cerca. Amiga de Irene (Marília Pêra, excelente), Dora, a princípio, fica em dúvida sobre o que deve fazer; quando descobre, resolve descobrir junto o que a trouxe até ali também. Não à toa o filme de Salles é quase um filme de estrada, como Paris, Texas, de Wim Wenders, ou Bagdad Café, de Percy Adlon.

É nesse tipo de filme, afinal, que os personagens vão crescendo na medida em que viajam para longe de seus lares, encontrando a alma perdida em algum ponto de referência na estrada que os aguarda. No caso de Central do Brasil é a estrada brasileira, com alguns tipos inconfundíveis. O exemplo mais bem acabado é o do caminhoneiro (Othon Bastos, muito eficiente), que dá carona a Dora e Josué quando ambos já não tem como comer e viajar para onde querem.
Fugindo do exílio solitário imposto pela vida, atrás de descobertas, Dora e Josué descobrem não só a si mesmos, no fim da jornada, mas também o país, habitado por pessoas sempre em trânsito – elemento de destaque ainda quando a história transcorre na Central do Brasil, quando o movimento da multidão se dirigindo aos trens não arranca Dora e Josué da solidão onde estão exilados –, estradas desertas, povoados escondidos, procissões de fé, famílias desintegradas. País em parte conhecido – fotografado com raro talento por Walter Carvalho – e, ao mesmo tempo, afastado, desconhecido. Esse traço ecoa o cinema de Glauber Rocha principalmente, no seu interesse em filmar lugares despovoados, longos trechos de estrada apontados para o nada. E Salles visualiza isso de modo humano, não apenas estético.

Com trilha musical comovente de Jaques Morelenbaum, Central do Brasil se desenrola num cenário de feiras, reuniões espirituais, agrupamentos, por meio, é claro, da amizade entre a escrevedora de cartas e o garoto. Na época de seu lançamento, o filme de Salles foi uma espécie de coroamento para uma indústria que vinha com uma lista diversificada de filmes, a exemplo de Os matadores, A ostra e o vento e Guerra de Canudos, entre outros. Seu enfoque principal, contudo, é o de figuras solitárias, com as quais Salles trabalha em A grande arte (como a do fotógrafo vivido por Peter Coyote, cujas relações femininas vão desaparecendo no decorrer da história), Terra estrangeira (os brasileiros que, no exterior, buscam espaço), além de – num escopo  mais abrangente na filmografia do diretor –, a mãe recém-separada feita por Jennifer Connelly em Água negra, o menino que sonha em ser jogador de futebol em Linha de passe e a amizade entre Jack Kerouac e Sal Cassidy de Na estrada. O olhar de Josué, numa grande atuação de Oliveira, ao final de Central do Brasil, certamente é um olhar para um país sempre em autodescoberta. É genuíno e de forte impacto.

Central do Brasil, BRA/FRA, 1998 Diretor: Walter Salles Elenco: Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Vinícius de Oliveira, Othon Bastos, Otávio Augusto, Matheus Nachtergaele, Sôia Lira Roteiro: Marcos Bernstein, João Emanuel Carneiro Fotografia: Walter Carvalho Trilha Sonora: Jacques Morelembaum, Antonio Pinto Produção: Martine de Clermont-Tonnerre, Arthur Cohn, Robert Redford, Walter Salles Duração: 113 min. Estúdio: VideoFilmes Distribuidora: Europa Filmes/Sony Pictures Classics 

Alien – A ressurreição (1997)

Por André Dick

Muito criticado, Alien 3 veio no rastro do sucesso de Aliens e dirigido pelo talentoso estreante David Fincher (que faria depois, entre outros, SevenO curioso caso de Benjamin Button e A rede social), antes dele responsável por clipes de Madonna e Billy Idol, entre outros. Ele pode ter salvo uma ficção científica com muitos problemas de produção. No papel da tenente Ellen Ripley, Sigourney transforma-se, aqui, numa espécie de fuzileira naval. Ela volta a enfrentar um alien, muito mais veloz, num planeta-prisão, habitado por homens que seguem uma religião medieval e foram aprisionados ali por serem loucos ou psicopatas. O diretor soube criar uma atmosfera vazia e com clima claustrofóbico, tal como o primeiro da trilogia, mas com o suspense do segundo.
O fator que diferencia este Alien dos outros é a temática existencial, assinada por Vincent Ward (diretor de Navigator). Os personagens nunca agem de maneira previsível, principalmente, sobretudo os de Dance (o médico) e Dutton (o braço direito do líder da religião) e, claro, de Sigourney, emprestando um lado verossímil a um personagem que combate um monstro quase sem armas – ao contrário do segundo filme, ou seja, aproximando-se mais do original. Tem muita ação, muitos movimentos de câmera (para mostrar as perseguições), excelente maquiagem, uma boa dose de humor e apenas um problema: a curta duração.  No entanto, o final indica um desfecho para a série. Como contornar esse fato?

A resposta é dada em Alien – A ressurreição. Além de trazer de volta a tenente Ellen Ripley, interpretada por Sigourney Weaver, os produtores da Fox chamaram o francês  Jean-Pierre Jeunet para o cargo de diretor do novo Alien. Se ele era elogiado por Delicatessen e Ladrão de sonhos, requintes de apuro visual – exigência para ser diretor da série, a julgar por Scott, Cameron e Fincher –, e viria a dirigir a obra-prima O fabuloso destino de Amélie Poulain, em sua estreia de Hollywood não se deu bem. Apesar do filme ter o seu registro visual e cenários fantásticos, superiores a qualquer ficção científica atual, Alien – A ressurreição tem uma predileção pelo exagero. Isso se mostra não apenas na maneira como Ripley reaparece – e a versão estendida, com 13 minutos de cenas acrescidas ou modificadas é vital para estabelecer seu contato novamente com Newt, a menina de Aliens. A partida da história mostra cientistas numa nave espacial em 2379, a  USM Auriga, clonando a tenente Ripley, conseguindo extrair dela o embrião da rainha alien, para reprodução.

Enquanto a clone tem uma força incomum, proporcional ao do alien, os monstros da nova ninhada se rebelam contra os cientistas que os pesquisam, entre os quais Dr. Mason Wren.(JE Freeman) e Dr. Jonathan Gediman (Brad Dourif). Na nave, chega um grupo de mercenários que traz humanos para pesquisas: Ron Johner (Ron Perlman), Gary Christie (Gary Dourdan), Sabra Hillard (Kim Flowers),, Annalee Call (Winona Ryder) e Dom Vriess (Dominique Pinon).
Em alguns momentos, também no elenco – com a inclusão de Perlman e Pinon –, este Alien dialoga com o filme anterior de Jeunet, Ladrão de sonhos, com seu clima claustrofóbico e esfumaçado, como se ocorresse numa penumbra, assim como traz gráficos de experimentos laboratoriais que remetem à mesma obra.
Com um festival de mortes e violência, carrega na atmosfera, um híbrido entre gosma e pesadelo, exibindo monstros estraçalhando humanos – o que se via apenas de forma discreta, sobretudo no terceiro –, seres mutantes e uma nova rainha alien, que dá a luz a um rebento assustador.

O interessante, mais de mais de 20 anos depois, é ver como alguns lances do roteiro de Joss Whedon – que havia ajudado a escrever Toy Story dois anos antes – antecipam as ideias de Prometheus, na fusão entre aliens e humanos. Embora o espectador precise obrigatoriamente aceitar a ideia de que Ripley agora é um clone com uma força descomunal, ele pode aceitar a ideia de sua amizade com Call como reflexo da lembrança que tem de Newt, o que a versão estendida do filme provoca. Isso dá razão a uma conversa mais longa entre elas depois de um embate bastante interessante da equipe contra aliens embaixo d’água, filmada com rara competência por Jeunet numa profusão visual intensa. Os casulos também parecem mais realistas neste episódio de Alien, e os monstros com um aspecto mais aterrorizante. De certa maneira, é o mais próximo do episódio inicial de 1979, com elementos do segundo de Cameron.
A fotografia de Darius Khondji  (que havia feito a da obra anterior de Jeunet, Ladrão de sonhos), os efeitos especiais e os cenários do novo filme são irrepreensíveis, assim como os outros do diretor. Na versão estendida, a curiosidade é seu final estabelecer uma ligação principalmente com Delicatessen, numa marca autoral interessante. De modo geral, sua versão estendida melhora uma produção que não foi tão recebida e merece um reconhecimento: dentro do que se propõe é uma das melhores.

Alien: resurrection, EUA, 1997 Diretor: Jean-Pierre Jeunet Elenco: Sigourney Weaver, Winona Ryder, Dominique Pinon, Ron Perlman, Gary Dourdan, Michael Wincott Roteiro: Joss Whedon Fotografia: Darius Khondji Trilha Sonora: John Frizzell Produção: Bill Badalato, Gordon Carroll, David Giler, Walter Hill Duração: 109 min. (Versão teatral); 116 min. (Versão estendida) Estúdio: Brandywine Productions/ Twentieth Century Fox Film Corporation Distribuidora: Twentieth Century Fox Film Corporation

Jerry Maguire (1996)

Por André Dick

O diretor Cameron Crowe vinha de uma juventude trabalhando como repórter de música da Rolling Stone quando teve um roteiro seu filmado por Amy Heckerling em Picardias estudantis. Em Digam o que quiserem, ele estreou como diretor, mostrando uma história interessante sobre um jovem (John Cusack) que se apaixonava por uma colega de escola, enfrentando uma situação inusitada quando o pai dela se envolvia em problemas. Seu segundo passo foi o curioso Vida de solteiro, situado na cena grunge de Seattle dos anos 90; Finalmente, em 1996, ele deu o passo adiante em sua trajetória com Jerry Maguire. Indicado aos Oscars de melhor filme, roteiro original, ator (Tom Cruise) e edição e que proporcionou a estatueta de melhor coadjuvante ao ótimo Cuba Gooding Jr. Seu diretor, Cameron Crowe, já havia prestado uma homenagem à juventude descompromissada em Vida de solteiro e acerta, neste filme, no coração juvenil americano, com uma história ao mesmo tempo simples e exagerada (spoilers a partir daqui).

O agente esportivo Jerry Maguire (Cruise) redige um manual endereçado aos colegas de profissão, em que pede que os atletas em geral sejam mais valorizados. A princípio aplaudido, ele logo é despedido de sua agência por um colega inescrupuloso, Bob Sugar (Jay Mohr), que acaba roubando também sua agenda de esportistas que agencia. Na despedida do emprego, uma moça, Dorothy Boyd (Renée Zellweger) decide acompanhar Maguire em carreira solo. Namorado de Avery Bishop (Kelly Preston), uma mulher ambiciosa, o cliente que lhe resta é um jogador de futebol americano Rod Tidwell (Cuba), mas ainda tenta se manter agente de  Frank “Cush” Cushman (Jerry O’Connell), influenciado por seu pai, Matthew (Beau Bridges). Mãe solteira, Dorothy vai se interessar por Maguire e, a partir daí, o filme se torna, além de bem-humorado, romântico. O filho de Dorothy, Raymond (Jonathan Lipnicki) começa a gostar de Maguire como o pai que lhe faltava. No entanto, a irmã de?Dorothy, Laurel (Bonnie Hunt), está com receio do envolvimento dela com o novo chefe.

Ela costuma se reunir com amigas em sua sala de casa para falar sobre problemas que tiveram com seus parceiros – e Maguire parece como um intruso nesse cenário. Afogado em dívidas, ele é traído várias vezes, mas sabe que tem o perfil da superação.  Com intervalos pop, muito bem feito. Maguire e Dorothy se aproximam de Rod e sua mulher, Marcee (Regina King), tornando-se amigos e dividindo os problemas.
Jerry Maguire possui quase todos os elementos da filmografia de Crowe, cada vez mais usuais em Quase famosos, Compramos um zoológico e Sob o mesmo céu. Mesmo não sendo o melhor personagem de Cruise no cinema (que continua sendo Ron Kovic, de Nascido em 4 de julho), Maguire ainda assim é uma composição interessante que dá valor especial a esta obra de Crowe. Sua parceria com Zellweger, além disso, é muito boa, e funciona principalmente nos momentos de comicidade, auxiliado, às vezes, por uma ótima Regina King. No mesmo caminho, o trabalho de fotografia de Janusz Kamiński, hoje habitual colaborador de Steven Spielberg, faz uma mescla entre a iluminação de manhãs e uma atmosfera acolhedora noturna, quando, por exemplo, Maguire se prepara para ir a um restaurante com Dorothy. São momentos que Crowe sublinha com sua insuspeita em mostrar um mundo positivo, mesmo com personagens em meio a dificuldades. Cada um deles vai tentando estabelecer relações em meio a um cenário no qual os valores determinam seguir um rumo diferente, porém Crowe nunca perde de vista a humanidade investida em pequenas ações e gentilezas que movem a narrativa.

Em meio a isso, cresce o dueto de Cruise com Cuba Gooding Jr., um dos mais expressivos da década de 90 – principalmente manifestos em diálogos sobre a superação e especialmente nos bastidores de um comercial do jogador.. Há uma notável agilidade na maneira como Crowe utiliza esse personagem para visualizar o sonho americano, reproduzido tanto por Maguire como agente quanto por Rod como jogador e Dorothy como uma mulher que pretende criar independência estabelecendo laços. Há um romantismo dos anos 99 na história que em parte se perdeu a partir deste século, muitas vezes ingênuo, mas nunca menos do que autêntico. Crowe também possui uma tendência a relatar histórias otimistas, como mostra com o universo do rock em Quase famosos, sempre fazendo seus personagens atuarem com um elo de ligação muito claro com seu público.

Jerry Maguire, EUA, 1996 Diretor: Cameron Crowe  Elenco: Tom Cruise, Cuba Gooding Jr, Renée Zellweger, Kelly Preston, Regina King, Jerry O’Connell, Jay Mohr, Bonnie Hunt, (Jonathan Lipnicki, Beau Bridges Roteiro: Cameron Crowe Fotografia: Janusz Kamiński Trilha Sonora: Nancy Wilson Produção: Cameron Crowe, James L. Brooks, Laurence Mark, Richard Sakai Duração: 139 min. Estúdio: TriStar Pictures, Gracie Films, Vinyl Films Distribuidora: Sony Pictures Releasing

Star Wars: A ameaça fantasma (1999), Ataque dos clones (2002) e A vingança dos Sith (2005)

Por André Dick

Seria difícil que George Lucas, após 22 anos afastado das câmeras, como diretor, conseguisse criar uma obra equivalente à primeira trilogia, no primeiro episódio da segunda franquia de Guerra nas estrelas, intitulado A ameaça fantasma. Não querendo oferecer seu novo projeto a outros diretores, como fez com O império contra-ataca e O retorno de Jedi, ele tentou evitar aquilo que os fãs mais fiéis temiam: que o estilo e magia da saga se perdessem pelos corredores de sua empresa ILM. O mais interessante nesse filme é, dessa maneira, a maneira como Lucas não chega a congelar os personagens, que, mesmo não substituindo o carisma dos originais, conseguem, num primeiro momento, agradar.
Iniciando por uma retrospectiva da série, o que mais chama a atenção em A ameaça fantasma é que Lucas apresenta personagens interessantes, mesmo não substituindo o carisma dos originais. Na pele do mestre Jedi Qui-Gon Jinn, Liam Neeson consegue mostrar novamente que é um bom ator, substituindo o estilo sábio de Alec Guiness do primeiro Guerra nas estrelas. Parece ser de Ewan McGregor, na pele de Obi-Wan Kenobi, a atuação menos convincente (se alguém esquecer outro personagem do filme), levemente deslocado, sendo, no período, um ator de produções independentes, como Cova rasa e Trainspotting.

A história do primeiro episódio da nova trilogia é simples como todas as outras da saga, embora aqui com peso maior político. A fim de realizar um acordo com a Federação Comercial, sobre rotas do comércio intergaláctico, a rainha Padmé Amidala (Natalie Portman), do planeta Naboo, envia os dois cavaleiros Jedi, Qui-Gon Jinn e Obi-Wan Kenobi. Eles, no entanto, caem numa armadilha e descobrem que há uma invasão planejada ao planeta Naboo. Acabam voltando a ele em naves invasoras e, ao se depararem com Jar Jar Binks, conhecem os Gungans, que vivem submersos num lago (a melhor criação de Lucas para o filme, embora com elementos de O segredo do abismo, de Cameron), com o objetivo de pedir ajuda para salvar Amidala (não nos percamos nos nomes). A rainha, mesmo sem a ajuda dos Gungans, acaba sendo salva, mas a nave de fuga de Naboo acaba tendo problemas – sendo salva por um droide, chamado R2-D2 (Kenny Baker) – e é obrigada a pousar no planeta desértico de Tatooine, palco de sequências em Guerra nas estrelas e O retorno de Jedi. Ali, Qui-Gon Jinn acaba descobrindo Anakin Skywalker (Jake Lloyd), criador do robô C-3PO (Anthony Daniels) e escravo do estranho alienígena voador Watto, que, para conseguir as peças que consertem a nave da rainha, precisa entrar numa corrida de miniespaçonaves (pods) no deserto, patrocinada por Jabba (o monstrengo da reedição de Guerra nas estrelas e de O retorno de Jedi). Anakin combaterá Darth Anakin vive com a mãe Shmi (Pernilla August).

É visível como Lucas, neste reingresso em seu universo, optou por um direcionamento infantojuvenil, tanto  no desenho dos personagens quanto na sucessão de batalhas que parecem mais parte de um video game. Porém, ainda assim, ele consegue desenvolver certa mitologia dos Jedi, por meio do encontro de Qui-Gon Jinn e Obi-Wan Kenobi com Anakin. Resulta, por vezes, em certo material expositivo, e ainda assim se contrapõe às discussões sobre política no espaço sideral. Algumas cenas são verdadeiramente bem feitas, como a corrida de Anakin no deserto, proporcionando um visual notável, outras insistem demasiadamente num humor que se mostra deslocado. Lucas tenta mesclar o material mais sério da primeira trilogia, por meio de frases de sabedoria, e insere uma origem enigmática para o jovem Anakin, porém sem aliviar o peso de mostrá-lo como um escravo, em busca de libertação, o que concede uma complexidade ao que acontecerá depois a ele.

A ameaça fantasma não anuncia o estilo do segundo, Ataque dos clones, cujo tom interno é de mais melancolia e romance, contrariando o primeiro desta trilogia, mesmo com a habitual trilha sonora animada de John Williams. Os atores estão um tanto engessados pelo roteiro, e Hayden Christensen é uma escolha não tão acertada para Anakin Skywalker: ainda assim, quem faria melhor com os diálogos entregues, de uma simplicidade visível e que Harrison Ford certamente não seguiria? Bem, até Christensen não está tão mal numa revisão. O romance de Anakin com Padmé Amidala (Natalie Portman), que se transformou em senadora da República, acontece repentinamente; por outro lado, ele não desaquece a parte mais interessante, que é a perseguição de Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) a quem ameaça Amidala, chegando a Jango Fett (Temuera Morrison), pai do pequeno Boba (Daniel Logan) – um dos vilões da primeira trilogia. Yoda e Mace Windu (Samuel L. Jackson) estão preocupados com a revolta crescente de Anakin e entregam a ele a tarefa de vigiar Amidala. Anakin tem pesadelos com a mãe que não vê há dez anos, precisando regressar a Tatooine, num momento que remete à primeira trilogia. E há Christopher Lee como o Conde Dooku, trazendo intrigas aos jedi. A questão política envolvendo a princesa, por quem Anakin se apaixona, continua presente, e Palpatine (Ian McDiarmid) tenta organizar o jogo.

O filme inicia com uma perseguição fantástica em cenários que remetem a Blade Runner e segue em planetas oceânicos (Kamino, que possui uma estação com interiores evocando THX 1138, obra que projetou Lucas) ou desérticos, com fugas fantásticas em meio a meteoros. O desenho de produção deste episódio, vendo anos depois e com uma imagem melhor do que a do digital no cinema, destacando a fotografia de David Tattersall (e justificando por que as irmãs Wachowski o chamaram depois para fazer o trabalho em Speed Racer), é muito bom, escolhendo cores acertadas para cada ambiente – e isso é metade da fantasia. E a trama, se não tem grandes diálogos, nunca interrompe o fluxo: Lucas não é um grande diretor de atores, e ainda assim ele sabe dar uma cadência de aventura a suas histórias, baseando-se numa sensível melhora na atuação de McGregor em relação ao primeiro. Os últimos 40 minutos passados em Geonosis, uma espécie de Tatooine, reservam alguns momentos memoráveis, tanto em termos de efeitos especiais quanto de design, além das lutas. Lucas havia sido pego na metade do cainho pela onda O senhor dos anéis e tenta inserir um pouco desse universo em cenários de cavernas com inúmeras criaturas, antecipando igualmente John Carter, muito presentes no trabalho de Peter Jackson. A fascinação de Lucas pelo CGI e pelo digital também transforma alguns momentos muito próximos de uma animação, trazendo, por um lado, um trabalho interessante de cores e, por outro, uma certa artificialidade. E o filme, sem dúvida, cresce como uma antecipação de A vingança dos Sith, em razão de uma escalada rumo a um desfecho mais grandioso e que cria certo impacto e interessante para o melhor episódio da segunda trilogia.

As cenas de ação ininterruptas e o excesso de acontecimentos de A vingança dos Sith não chegam a cansar, e Lucas entrega uma obra verdadeiramente à altura da saga original, embora sempre sem o mesmo humor e sem os mesmos personagens expressivos (apesar de Yoda e da reaparição, por momentos, de Chewbacca). O cineasta, na verdade, não quis abrir a concessão de que a tecnologia da nova trilogia não substitui um elenco interessante e interessado. Embora Lucas ainda continue um diretor com dificuldades para lidar com atores, Christensen, McGregor e Portman, desperdiçada em diálogos sem muito vigor nos filmes anteriores, passam por acontecimentos que merecem destaque e conseguem diminuir a distância emocional que havia entre eles. Na pele da rainha Padmé Amidala, especialmente Portman, alguns anos depois da atuação em O profissional, sem sinais do futuro Cisne negro, não desaponta, apresentando uma atuação conflitante. Parece ser de Ewan McGregor, como Obi-Wan Kenobi, a atuação mais dedicada, fazendo um bom contraponto a Christensen, que consegue fugir um pouco ao estilo consagrado em Jumper – mas o final surpreende quando finalmente ele adquire uma ressonância que faltou um pouco à trilogia.
A vitalidade também resulta dos efeitos especiais, porém pertence muito mais a uma montagem que não deixa de amarrar a história da traição de Palpatine (McDiarmid) e a transformação consequente em mestre de Anakin (e Andersen, que parecia apático no segundo, transmite uma expressão pessoal de desespero), a um passo de se tornar Darth Vader. E o jedi Mace Windu (Jackson) finalmente tem uma participação decisiva na história.

A revolta de Anakin tem um lado bastante obscuro, aqui, pela primeira vez, aliada a um grande sentimento de perda, em relação a seu próprio futuro; mais do que uma fantasia, o comportamento dele decisivamente é perturbador. Anakin, portanto, quando viaja para outro planeta, a fim de deflagrar o domínio da galáxia, leva todos os personagens ao que seria a antiga trilogia, com figuras estranhas, robôs mais inovadores do que os dois primeiros episódios da nova trilogia e cenas de batalha realmente notáveis, sobretudo no início do filme e na investida contra os jedis da República. Existe, no personagem, um conflito com a imagem da infância, e é esta torna o olhar de Lucas mais compenetrado e negativo. Ao contrário da primeira trilogia, Ataque dos clones já tinha uma melancolia, mas este, sem negá-la, consegue inseri-la numa narração, tornando alguns dos momentos interessantes e de significado para a ligação com a primeira trilogia, e a sensação é uma mescla de perda e nostalgia. Há um trabalho elaborado de fotografia tanto no que diz respeitado ao jogo de luzes (a chegada de Anakin à Terra e o reencontro com Padmé Amidala ganha um tratamento específico de Lucas) quanto ao uso de cores (a primeira batalha antecipa boa parte dos efeitos usados hoje em produções recentes) e de movimentação de câmeras que remetem ao talento inicial de Lucas para uma visão futurista, entregue em THX 1138, seu filme ainda mais experimental.
A vingança dos Sith ganha elementos próprios mesmo em relação aos outros da série, com uma certa ambiguidade na ação dos personagens, tornando-o talvez o mais denso. Com desenho de produção impressionante, figurino rebuscado, lutas com certo impacto – quase ausentes no segundo, por exemplo –, o episódio faz esquecer, em parte, o desapontamento visível na comparação com a primeira trilogia. Uma das poucas ficções clássicas deste início de século. Lucas realmente demonstra interesse em finalizar a trilogia e nos guarda uma peça a ser revista, forte o suficiente para não ter o impacto reduzido dez anos depois.

Star Wars: episode I – The phantom menace, EUA, 1999 Diretor: George Lucas Elenco: Liam Neeson, Ewan McGregor, Natalie Portman, Jake Lloyd, Ian McDiarmid, Anthony Daniels, Kenny Baker, Pernilla August, Frank Oz Roteiro: George Lucas Fotografia: David Tattersall Trilha Sonora: John Williams Produção: Rick McCallum Duração: 138 min. Estúdio: Lucasfilm Ltd. Distribuidora: 20th Century Fox


Star Wars: episode II – Attack of the clones, EUA, 2002 Diretor: George Lucas Elenco: Ewan McGregor, Natalie Portman, Hayden Christensen, Ian McDiarmid, Samuel L. Jackson, Christopher Lee, Anthony Daniels, Kenny Baker, Frank Oz Roteiro: George Lucas e Jonathan Hales Fotografia: David Tattersall Trilha Sonora: John Williams Produção: Rick McCallum Duração: 142 min. Estúdio: Lucasfilm Ltd. Distribuidora: 20th Century Fox

 

Star Wars: episode III – Revenge of the Sith, EUA, 2005 Diretor: George Lucas Elenco: Ewan McGregor, Natalie Portman, Hayden Christensen, Ian McDiarmid, Samuel L. Jackson, Jimmy Smits, Frank Oz, Anthony Daniels, Christopher Lee, Keisha Castle-Hughes, Silas Carson, Jay Laga’aia, Bruce Spence, Wayne Pygram, Temuera Morrison, David Bowers, Oliver Ford Davies  Roteiro: George Lucas Fotografia: David Tattersall Trilha Sonora: John Williams Produção: Rick McCallum Duração: 140 min. Estúdio: Lucasfilm Ltd Distribuidora: Fox Film

50 melhores filmes dos anos 90

Por André Dick

Abaixo, uma lista dos 50 melhores filmes dos anos 1990 segundo o Cinematographe. As listas completas dos melhores filmes de cada ano dessa década estão nesta página. E os cartazes dos 50 escolhidos nesta. Importante assinalar que o visual das imagens é baseado naquele utilizado pelo MUBI.

Os imperdoáveis (1992)

Por André Dick

Clint Eastwood inicialmente ficou conhecido pelos filmes de Spaghetti western que fez com Sergio Leone, antes de encarnar o policial Dirty Harry. Em seguida, tornou-se diretor, com Josey Wales, o fora da lei e O cavaleiro solitário, dois faroestes mais climáticos do que aqueles co cinema clássico dos Estados Unidos. Ele também alternou outros gêneros (O destemido senhor da guerra, Cadillac cor-de-rosa, Bird) e no início dos anos 90 e causou sensação em Cannes, dirigindo e interpretando em Coração de caçador. Em seguida, fez Rookie, policial um tanto desastrado, antes de se deparar com o roteiro de David Webb Peoples, o mesmo que escreveu Blade Runner – O caçador de androides, ao lado de Hampton Fancher, que daria origem ao filme responsável por trazer uma reviravolta para sua carreira: Os imperdoáveis, vencedor de quatro Oscars, inclusive filme e direção. Esta guinada não se deu afastada de sua faceta mitológica. Por exemplo, dois anos anos, na terceira parte de De volta para o futuro, Marty McFly, em sua visita ao velho oeste, utilizava o nome Clint Eastwood para seus adversários.

Antecedido pelo humanista Dança com lobos, Os imperdoáveis, por sua vez, investe mais na qualidade de faroeste, embora tardio e um tanto arrependido. O roteiro de Peoples procura mostrar que não existiam justiceiros ou pistoleiros do bem, querendo acabar com o mal, e sim seres humanos. Nesse ponto, assemelha-se, em detalhes internos, ao grandioso O portal do paraíso, em sua tentativa de atenuar a mitologia dos caubóis.  Inclusive, sua trama se passa no mesmo estado do Wyoming, em 1880, ou seja, uma década antes dos acontecimentos do filme da obra-prima de Cimino.
Todos, aqui, de certo modo são habitantes de um universo no qual a pretensa justiça parece ser traduzida apenas por duelos, mas nem esses conseguem trazer uma revitalização para suas vidas. Bill Munny (Eastwood) já foi conhecido por dizimar vários bandidos e agora está melancólico: perdeu a esposa, tem dois filhos e uma criação de porcos para se manter. Certo dia, um jovem, Schofield Kid (Jaimz Woolvett), dizendo-se rápido no gatilho, o convida para matar dois vaqueiros, Quick Mike (David Mucci) e “Davey-Boy” Bunting (Rob Campbell), sendo que um deles desfigurou uma prostituta, Delilah Fitzgerald (Anna Levine), à ponta de faca.

A recompensa, oferecida pela líder de um grupo de prostitutas, Strawberry Alice (Frances Fisher), insatisfeita com o tratamento dado pelo xerife de Big Whiskey, Little Bill Daggett (Gene Hackman), o qual quis apenas uma quantia de dinheiro para o dono do saloon onde funciona o prostíbulo, é de mil dólares. Munny pede ajuda a um velho amigo, Ned Loogan (Morgan Freeman), e com Kid partem para fazer o serviço.
O xerife expulsa o primeiro que aparece em busca de dinheiro, English Bob (Richard Harris), a socos e pontapés, a fim de desencorajar outras pessoas a fazer o mesmo, pois na cidade apenas ele pode portar arma. Bob é acompanhado por um pobre escritor, WW Beauchamp (Saul Rubinek). Este acaba ficando para que Little Big possa, ele sim, ter sua biografia, para contar sobre como caça aqueles que chama de vagabundos. Apesar de pompa em contar suas histórias e convidar um prisioneiro a um duelo em que certamente sairá vencedor, mesmo porque há grades em sua frente, sua delegacia precisa de baldes para conter as goteiras.

Entre uma e outra história, ele joga a água fora do balde e o coloca de volta. No entanto, não se trata de um mero vilão. No momento-chave, quando ele acha ter de controlar a cidade, torna-se aquele que provocará todo um estrago. Enquanto isso não acontece, é Munny que se recolhe, ferido, no lodaçal em frente do saloon. Eastwood consegue mostrar, ao longo do filme, uma versão sombria daqueles filmes que fez com Sergio Leone, expandindo o universo para uma melancolia por vezes fria (os cenários são chuvosos, quando não com neve, e a lama é peça-chave para sintetizar também os personagens), mas nunca sem emoção. A edição de Os imperdoáveis tem um ritmo bastante particular: ao mesmo tempo que o filme parece mesmo lento e com cenas demarcadas, ele, por outro lado, flui e deixa sempre uma impressão de trazer sempre detalhes novos ao visualizá-lo novamente.

Se Clint Eastwood tem o seu melhor momento como ator – ele só conseguiria uma atuação do mesmo nível em Menina de ouro –, Hackman e Freeman não ficam para trás: são magníficos. Hackman finalmente encarna um vilão ameaçador, ao contrário de Lex Luthor, tendo vencido o Oscar de coadjuvante. A atriz Anna Levine, que faz a prostituta, também atua de maneira notável, sobretudo quando dialoga sobre o fato de, em razão das cicatrizes, acha não ser mais uma mulher bonita. É nesta sequência, alimentada pela anterior, que se desenha, no personagem de Munny, uma questão de sobrevivência e vingança.
Repleto de diálogos convincentes, ao longo de mais de duas horas, o filme atrai o espectador tanto pelo elenco quanto pela fotografia de Jack N. Green (habitual colaborador de Eastwood), focalizando um mundo que parece habitado por pessoas sem perspectiva, mas, no fundo, Os imperdoáveis é um drama sobre a amizade e a fidelidade, que resistem numa terra sem lei, e Munny reflete o tempo todo que viver ou morrer são estados de espírito. Sem fazer esforço acaba sendo um dos faroestes mais estupendos da história.

Unforgiven, EUA, 1992 Diretor: Clint Eastwood Elenco: Clint Eastwood, Gene Hackman, Morgan Freeman, Richard Harris, Jaimz Woolvett, Saul Rubinek, Frances Fisher, Anna Levine, David Mucci, Rob Campbell Roteiro: David Webb Peoples Fotografia: Jack N. Green Trilha Sonora: Lennie Niehaus Produção: Clint Eastwood Duração: 135 min. Estúdio: Malpaso Productions Distribuidora: Warner Bros. Pictures

Bottle Rocket (1996)

Por André Dick

Um dos principais pontos a serem discutidos em filmes de estreia é o quanto eles antecipam ou mesmo se afastam da obra do autor que ainda virá – e costuma ser muito mais conhecida, sobretudo quando não iniciou com uma recepção extraordinária. Não é diferente no caso do diretor Wes Anderson, com seu Bottle Rocket (lançado no Brasil com o título genérico Pura adrenalina). Lançado em 1996, com a ajuda de James L. Brooks, diretor de filmes como Laços de ternura e Melhor é impossível e criador dos Simpsons, o primeiro filme de Anderson transformava um curta-metragem de dois anos antes num longa, com os mesmos atores, os irmãos Luke e Owen Wilson. Eles se conheceram na universidade do Texas e certamente lá esboçaram esses projetos (Owen escreveria com Wes ainda Rushmore Os excêntricos Tenenbaums). O que se costuma falar de Bottle Rocket é que se trata ainda de um experimento na carreira de Anderson e de que podem haver elementos nele do diretor mais conhecido e consagrado, no entanto mal desenhados e aprofundados.
Por mais que não haja nele ainda a identidade visual, embora apareçam algumas cores capazes de dialogar com Os excêntricos Tenenbaums, por exemplo, Bottle Rocket parece sintetizar a obra de Anderson, numa história bastante simples, mas não menos densa e transformadora. Experimentando em alguns lugares com a obra Jim Jarmusch, ele já se sente à vontade num universo de humro patético. No entanto, Anderson nunca imagina estar fazendo uma síntese do comportamento humano, como Jarmusch, por exemplo, em alguns filmes, como o rebuscado Misery train, e consegue focar uma certa ingenuidade no comportamento pretensamente visto como adulto.

Bottle Rocket 9

Bottle Rocket 8

Bottle Rocket 7

Os personagens, aqui, são adultos, mas não agem como tais, porque trazem sempre as reminiscências de uma infância nunca encerrada. Se vemos isso em todos os seus filmes, inclusive no universo de escoteiros de Moonrise Kingdom, em Bottle Rocket talvez esteja não apenas aquilo que propaga essa ideia, mas o Anderson, talvez, mais humano e menos atento à cenografia, portanto possivelmente menos interessante em compor uma ideia a partir da simbologia geral. Isso acaba dando uma naturalidade, mesmo que nunca acomodada, aos seus personagens e uma notável agilidade no uso de imagens do interior do Texas.
Em primeiro plano, é como se Anderson brincasse com duas ideias: o casal de bandidos de Terra de ninguém, de Malick, e o par que pretende assaltar a lanchonete em Pulp Fiction. É ainda mais estranho porque inicia com Anthony (Luke Wilson) fingindo fugir do hospital psiquiátrico em que se encontra para encontrar seu amigo Dignan (Owen Wilson). Certamente, eles já haviam envolvidos em confusões antes, e Dignan planeja uma nova ideia: a de realizar alguns assaltos com o objetivo de ganhar reputação para trabalhar com Mr. Henry (James Caan), uma espécie de Dom Corleone dos subúrbios, mais interessado num jogo de ping-pong. Eles precisam de um carro e alguém a fim de guiá-lo, no que contam com a ajuda de Bob Mapplethorpe (Robert Musgrave, que infelizmente Anderson não aproveita mais em sua filmografia), renegado pelo irmão, John (Andrew Wilson, que parece saído diretamente de um filme dos irmãos Farrelly).

Bottle Rocket 4

Eles param num hotel de beira de estrada onde Anthony conhece uma paraguaia, Inez (Lumi Cavazos), com quem poderá se envolver ou não, dependendo das probabilidades, nesse sentido, de Anderson. Os personagens estão como que abandonados neste universo e o hotel, mais do que uma peça de road movie, mostra o quanto eles querem permanecer no mesmo lugar, como querem ficar numa ideia remota de infância, em que a irmã, ainda criança, de um deles se torna injusta porque tentou julgá-lo. Dignan pergunta: “O que ela fez na vida para lhe dizer isso?”. Anderson desenha esses personagens como figuras que tentam viver fora da lei, mas, na verdade, porque não encontram mais nada que possa lhes dar alguma emoção. Isso acontecia com o casal de Malick em Terra de ninguém, mas na obra de Anderson esta ideia não é doentia: passa a ser vista apenas como uma desculpa para uma trupe desastrada ter o que fazer. No entanto, todos os momentos em que Anthony e Dignan se entendem por causa da paixão em relação a Inez é sob o ponto de vista de que um – Dignan – não quer que o outro cresça, e ele aparecer vestido de amarelo sobre uma motinho de cor igual não ajuda a fazer com que haja alguma diferença em sua rotina. Os personagens estão juntos para evitarem uma volta à infância, porém tampouco estão interessados em crescerem – embora queiram buscar o incômodo.
É definidor do estilo de Wes Anderson a passagem de uma festa em que os personagens parecem sossegados para um momento em que estão completamente voltados a uma situação tensa. Os personagens não querem apenas viver conflitos existenciais: eles os buscam arduamente, querendo romper com qualquer motivo de tranquilidade. Se eles não conseguem crescer, pelo menos querem fazer algo ligado à subversão. Há uma influência decisiva para este filme de Hal Hartley, diretor subestimado do início dos anos 90, sobretudo o de Simples desejo, mas, onde Hartley ainda é um pouco amargo, Anderson puxa mais para um lado cômico inesperado dentro do próprio drama que ameaça se pronunciar.

Bottle Rocket 15

Bottle Rocket 11

Bottle Rocket 12

No entanto, este não chega a vir à tona, não passando de uma provocação escondida em algumas linhas de diálogo quase invisíveis, como aquelas travadas com Applejack (Jim Lagoas) e Kumar (Kumar Pallana), parceiros de roubo em determinado momento, no que anuncia certamente alguns elementos de O fantástico Sr. Raposo e O grande Hotel Budapeste, sobretudo por sua fuga à moral.
O fato de Dignan ter uma espécie de obsessão em fazer com que Anthony não cresça e qualquer elemento que possa se inserir para que isso aconteça passa a ser uma ameaça. Há um propósito na obra de Anderson que é enfocar justamente os desajustes familiares sob um ponto de vista em que sobrevive a atração pelo ideal de felicidade. Bottle Rocket, com seu descompromisso aparente, não consegue esconder o principal: aqui está um dos filmes de 1996 (os outros são Fargo em Trainspotting – Sem limites) em que boa parte do cinema norte-americano tenta se basear quando pretende se credenciar para festivais independentes. No entanto, como esses cineastas adiantam, e o próprio Wes Anderson, Bottle Rocket não faz parte de uma linha previsível de montagem e sim um novo olhar sobre as questões que nos cercam.

Bottle Rocket, EUA, 1996 Diretor: Wes Anderson Elenco: Owen Wilson, Luke Wilson, Robert Musgrave, Lumi Cavazos, James Caan, Andrew Wilson Roteiro: Owen Wilson, Wes Anderson Fotografia: Robert D. Yeoman Trilha Sonora: Arthur Lee, Mark Mothersbaugh Produção: Barbara Boyle, James L. Brooks, Michael Taylor, Richard Sakai Duração: 92 min. Estúdio: Gracie Films Distribuidora: Columbia Pictures Corporation