Questão de honra (1992)

Por André Dick

Drama indicado a quatro Oscars (filme, ator coadjuvante, montagem e som) e que foi melhorando cada vez mais com o tempo, este filme de Rob Reiner traz um roteiro adaptado de uma peça de Aaron Sorkin (ele mesmo fez a adaptação) e investe num tema comum ao cinema norte-americano: o poder da força militar dentro do país. Dois fuzileiros, Louden Downey (James Marshall) e Harold W. Dawson (Wolfgang Bodison), são acusados de matar um companheiro, William Santiago, depois de aplicar o Código Vermelho, dentro da base militar americana em Guantánamo, comandada por um coronel corrupto, Nathan Jessup (Jack Nicholson), assessorado pelo tenente-coronel Matthew Markinson (JT Walsh) e pelo tenente Jonathan James Kendrick (Kiefer Sutherland). O caso chega ao governo federal e acaba na mão de um jovem casal, Daniel Kaffee (Tom Cruise) e JoAnne Galloway (Demi Moore), com a ajuda de Sam Weinberg (Kevin Pollack), resultando numa boa combinação. Eles começarão a investigar os fatos que cercam a morte do fuzileiro.

A montagem é uma das melhores estabelecidas num filme passado basicamente dentro de um tribunal, funcionando também com o simbolismo de algumas cenas. Já no início, mostra um batalhão de soldados realizando manobras com fuzis e em seguida a câmera segue o rosto de Demi, vestida de oficial, mostrando que ela representa a determinação feminina deslocada deste universo. O personagem de Cruise, filho de um famoso advogado, é bem delineado, e o ator ajuda a criar empatia, alternando descompromisso,  com sua fixação por esportes, e enfrentamento quando vai ao tribunal. Logo depois de suas atuações em Rain Man e Nascido em 4 de julho, Cruise era um dos melhores atores dramáticos de sua geração, o que foi dando espaço ao ator meramente de obras de ação, num dos declínios não financeiros, porém artísticos, de Hollywood, apesar de sua ótima série Missão: impossível. Cruise se alia tão bem a Moore que, quando eles encontram o coronel Jessup em Cuba, é uma das grandes sequências da filmografia de ambos, além, especialmente, de Nicholson, numa participação curta que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante, fazendo um vilão temível.

Sorkin, roteirista que depois ficaria conhecido pelo trabalho em A rede social, O homem que mudou o jogo Steve Jobs, além de ter estreado como diretor em A grande jogada, empreende uma sucessão de questionamentos, interrogatórios, utilizando os personagens do melhor modo em cada espaço. Do mesmo modo, chama a atenção como há um cuidado em traçar a passagem de estações: o filme parece começar no outono, depois passa pela primavera, até chegar ao verão. O design de produção, para isso, é extremamente funcional, quando se concentra especificamente nas reuniões de equipe na casa de Kaffee. Com o apoio do diretor de fotografia Robert Richardson, responsável pela maior parte dos filmes de Tarantino, consegue-se utilizar a iluminação em diálogo com os uniformes, além de estabelecer os pubs e corredores como confortáveis para os personagens exercerem seus diálogos. A maneira como o roteiro vai lidando com a posição de poder de cada personagem em cada circunstância diferenciada também se destaca de maneira evidente.

Os coadjuvantes (a maioria conhecidos, como Kevin Bacon, Kiefer Sutherland e James Marshall) cumprem suas funções corretamente, desempenhando personagens verossímeis e decorrentes de uma ótima direção de Reiner. Visto diversas vezes, Questão de honra funciona como raras obras do gênero, fazendo o espectador se perguntar por que não se fazem mais filmes em estilo mais objetivo como este e ainda assim com conteúdo impactante. Ainda: reserva para os últimos minutos um duelo fantástico, capaz de colocá-lo entre as grandes peças clássicas de uma época em que Hollywood tinha mais interesse em traçar roteiros ao mesmo tempo simples e complexos, além de seu custo reduzido (em torno de 30 milhões de dólares) ter retornado uma grande bilheteria (em torno de 240 milhões). Rob Reiner, à época, era um dos diretores em atividade mais interessantes, tendo feito a brincadeira fabular A princesa prometida, além de Conta comigo e Louca obsessão, duas das melhores adaptações da obra de Stephen King, tão delineados em roteiro quanto Questão de honra, e o nostálgico Harry & Sally – Feitos um para o outro. Este não é o melhor filme de tribunal já feito, mas parece.

A few good men, EUA, 1992 Diretor: Rob Reiner Elenco: Tom Cruise, Jack Nicholson, Demi Moore, Kevin Bacon, Kevin Pollak, Wolfgang Bodison, James Marshall, JT Walsh, Kiefer Sutherland Roteiro: Aaron Sorkin Fotografia: Robert Richardson Trilha Sonora: Marc Shaiman Produção: Rob Reiner, David Brown, Andrew Scheinman Duração: 138 min. Estúdio: Castle Rock Entertainment
Distribuidora: Columbia Pictures

Sandy Wexler (2017)

Por André Dick

Este novo filme de Adam Sandler feito para a Netflix é dirigido por Steven Brill, do fraco A herança de Mr. Deeds e do caricato, mas com momentos divertidos, Little Nicky. Sandler tem mostrado alguns acertos esporádicos em sua trajetória, como Embriagado de amor, Tratamento de choque e Espanglês, mas nos últimos anos encadeou uma série de filmes desagradáveis, investindo em piadas excessivamente escatológicas e um humor voltado a piadas culturais em parte bastante ofensivas, apesar de ter aparecido também em Homens, mulheres e filhos e no infantojuvenil subestimado Pixels.
Desta vez, Sandler interpreta Sandy Wexler, que trabalha como empresário de estrelas (desconhecidas) de Hollywood: o ventríloquo Ted Rafferty (Kevin James), o esportista de luta livre Bobby Barnes (Terry Crews), o humorista Kevin Connors (Colin Quinn), o acrobata Gary Rodgers (Nick Swardson) e a atriz Amy Baskin (Jackie Sandler). No entanto, a sua grande descoberta é Courtney Clarke (Jennifer Hudson), uma cantora na qual aposta todas as suas fichas. Ele a conhece durante uma apresentação infantil e precisa pedir a permissão do pai dela, Willy (Aaron Neville), para empresariá-la. A questão é que ele se encontra numa prisão do Nebraska, para onde Wexler viaja devidamente.

Usando uma voz estranha, como em Little Nicky (e o espectador que se incomodar com isso pode se afastar imediatamente da narrativa), Sandler faz, ainda assim, um personagem humano, para o qual cada artista deve ser atendido de forma atenciosa. É uma figura ingênua, mas extremamente afetuosa, embora não consiga dizer a verdade, praticamente o oposto do empresário Richie Finestra, vivido por Bobby Cannavale em Vinyl. Ele vive numa pequena casa junto à mansão de Firuz (Rob Schneider), um milionário que se encontra fora do país e espalha câmeras por todos os lugares para que não usem sua piscina, e tem como vizinha a solitária (mas não tanto) Cindy Marvelle (Jane Seymour).
A exemplo de grande parte dos projetos de Sandler, há participações de vários artistas e diretores (veja Arsenio Hall, Rob Reiner, Quincy Jones, Judd Apatow e Jimmy Kimmel), além de parceiros do Saturday Night Live (Chris Rock, Jon Lovitz, David Spade e Dana Carvey). Isso concede aos seus filmes uma espécie de clima entre amigos, o que por vezes é prejudicial. No entanto, aqui se estabelece, em meio a algumas piadas menos bem-sucedidas, vínculos reais de amizade. Não apenas Sandler consegue oferecer uma camada interessante a Wexler: Hudson (Oscar de atriz coadjuvante em Dreamgirls) entrega uma grande atuação, além de Kevin James estar discreto e eficiente.

Além disso, a reconstituição da década de 90, na qual o filme se passa, é muito interessante, com fotografia de Dean Semler (Apocalypto), que lembra a de Boogie Nights em alguns momentos, e trilha sonora agradável de Rupert Gregson-Williams (A lenda de Tarzan e Até o último homem). O desenho de produção lembra até mesmo o de Cassino, destacando os letreiros noturnos e certos enquadramentos, como na sequência em que Wexler e Courtney vão para um estúdio de música fabuloso. Há um senso de estética no filme de Brill que não costuma haver nas obras de Sandler, um cuidado minucioso com o trabalho de figurino e as cores de cada ambiente, que fazem valer a sessão. Repare-se numa cena que mostra o personagem central caminhando por uma rua de Los Angeles com cartazes de filmes de 1994 e uma trilha sonora adequada àquele momento.
Sandy Wexler pode ser visto sem qualidades apenas por quem não considera que Sandler está adotando nessa narrativa outra postura, e o seu ritmo lembra Top five, um grande acerto de Chris Rock feito há alguns anos, também sobre as questões envolvendo fazer uma carreira acompanhada pela fama. Os bastidores do showbusiness são vistos sem nenhuma pose forçada, mas, em certos momentos, até com uma melancolia e uma nostalgia agradáveis. É notável a sequência em que Wexler reúne os artistas que assessora para comemorar a conquista de Courtney. Não há nenhuma espécie de ciúme do sucesso – talvez porque ele se considere o “rei de Hollywood”.

Terceira parceria de Sandler com a Netflix (as primeiras foram The ridiculous 6 e Zerando a vida), Sandy Wexler também possui um certo senso de crítica cultural que Noah Baumach apresenta em peças como Frances Ha e, sobretudo, Greenberg, no qual Ben Stiller tem seu melhor momento. Talvez seja o projeto pessoal de Sandler que mais se aproxime de um filme de verdade: claro que temos sua parceria afetuosa com Drew Barrymore em Afinado no amor e Como se fosse a primeira vez, e outros acertos já lembrados, mas é como se aqui ele realmente colocasse uma porção de sentimento, tanto em seu personagem quanto no tom narrativo. O roteiro de Sandler, em parceria com colaboradores de obras anteriores, Tim Herlihy, Dan Bulla e Paul Sado, é suficientemente interessante para sustentar as mais de duas horas, dividindo bem o tempo entre os personagens, de modo que não os percamos de vista. E espera-se que ele invista mais em obras nesse tom, trazendo uma homenagem interessante ao mundo artístico e buscando um diálogo até mesmo com La La Land em determinado instante, sem esquecer All That Jazz – O show deve continuar, a obra-prima de Bob Fosse. Seria uma maneira de utilizar o talento que exibe em filmes como Embriagado de amor, de quinze anos atrás e ainda seu papel mais desafiador.

Sandy Wexler, EUA, 2017 Diretor: Steven Brill Elenco: Adam Sandler, Jennifer Hudson, Kevin James, Terry Crews, Rob Schneider, Colin Quinn, Nick Swardson, Lamorne Morris, Aaron Neville, Jane Seymour, Jackie Sandler, Arsenio Hall, Rob Reiner, Quincy Jones, Judd Apatow, Jimmy Kimmel, Chris Rock, Jon Lovitz, David Spade, Dana Carvey, Conan O’Brien Roteiro: Tim Herlihy, Dan Bulla, Paul Sado, Adam Sandler Fotografia: Dean Semler Trilha Sonora: Rupert Gregson-Williams Produção: Allen Covert, Adam Sandler Duração: 131 min. Estúdio: Happy Madison Productions Distribuidora: Netflix

O lobo de Wall Street (2013)

Por André Dick

O lobo de Wall Street 22

O início de O lobo de Wall Street consegue defini-lo quase por completo. Há uma sucessão de imagens do milionário Jordan Belfort, feito por Leonardo DiCaprio, saindo de casa e jogando uma taça no gramado de seu pátio, indo para o emprego com uma mulher em posição indiscreta e finalmente sua chegada ao escritório, onde as drogas são usadas na mesma proporção com que se utiliza o telefone para negociar. Para quem viu no ano passado o filme Sem dor, sem ganho, de Michael Bay, não há novidades. Mas Martin Scorsese é um dos maiores diretores da história, criador de um estilo próprio e capaz de dominar os mais variados gêneros, como pôde ser visto em A invenção de Hugo Cabret, no qual realmente saiu de sua zona de conforto. Ele consegue encontrar uma síntese dos mais variados desequilíbrios do indivíduo, seja em O touro indomávelOs bons companheirosCassino ou em Depois de horas, o filme que é, em sua essência, a peça-chave para entender O lobo de Wall Street. Um dos mais subestimados da trajetória do diretor, e pequeno em termos de orçamento, surgido logo depois da recepção fracassada à sua obra-prima O rei da comédiaDepois de horas mostrava movimentos de câmera constantes, que se expandiram em Os bons companheiros e Os infiltrados. O cenário do escritório também é o mesmo. São quase 30 anos de distância, mas há diferenças: antes Scorsese empregava um humor nas entrelinhas, agora ele é cáustico.
Ao mostrar a chegada de um jovem Jordan Belfort à Bolsa de Wall Street em meados dos anos 80, quando conheceu Mark Hanna (Matthew McConaughey), com o intuito de enriquecer e fazer uma família com Teresa Petrillo (Cristin Milioti), Scorsese parece ingressar numa época de ingenuidade, porém já ameaçada pela escala crescente do uso de drogas. Depois da criação de sua empresa, Stratton Oakmont, composta por um grupo de enganadores, e tendo como braço direito Donnie Azoff (Jonah Hill), por meio da figura de Belfort, Scorsese aproveita alguns elementos já extraídos por Spielberg de DiCaprio em Prenda-me se for capaz. Mas consegue, de certo modo, ainda mais.

O lobo de Wall Street 5

O lobo de Wall Street 12

O essencial em O lobo de Wall Street é como Scorsese, um diretor essencial de atores, capaz de tirar as melhores atuações de De Niro, consegue obter de DiCaprio uma atuação superior àquelas apresentadas em O grande Gatsby e Django livre. Embora a cada movimento de câmera e a cada grito ou distorção grave, DiCaprio parece incorrer numa vontade de ser premiado, ele tem uma desenvoltura notável, mesmo quando encadeia uma espécie de ego trip. O roteiro tenta criar uma série de episódios em que Belfort tem o ponto de destaque, também quando contracena com outros personagens, como a sequência na qual encontra o agente do FBI Patrick Denham (um Kyle Chandler irônico). Na maior parte do tempo, a sátira nada discreta de Scorsese coloca os atores em uma posição de chamarem a atenção para si próprios (Matthew McConaughey mexendo as mãos e batendo no peito numa reunião como DiCaprio, e ainda assim divertido; os dentes postiços de Jonah Hill), mas eles nunca soam simples estereótipos, embora também, em parte, o sejam. O ponto principal é o de Belfort. Em meio às tentações pela trapaça financeira, ele tem um certo idealismo romântico embaixo da depravação e uma certa reserva em explicar para seu pai, “Mad” Max Belfort (um Rob Reiner, o diretor de Conta comigo e Questão de honra, não menos do que excepcional), os seus negócios. Ou seja, DiCaprio não esvazia Belfort a ponto de torná-lo uma simples caricatura. Sua relação com a primeira mulher e com aquela que o conquista de forma nem tão definitiva, Naomi LaPaglia (Margot Robbie, uma revelação), tem uma velocidade destemperada e, em meio a conflitos exagerados, verdadeiramente mordaz. O grupo escalado por Belfort para a Stratton Oakmont também é uma reunião de estereótipos, assim como o banqueiro Jean-Jacques Saurel (Jean Dujardin), mas em algum ponto isso realmente funciona.

O lobo de Wall Street 18

O lobo de Wall Street 11

De todos os filmes de Scorsese, O lobo de Wall Street parece o filme mais acelerado em todos os sentidos – e quem ingressa na proposta dificilmente sentirá as três horas de duração. É como se ele tivesse assistido vários filmes que satirizam a sociedade nos últimos anos, também em razão de seus filmes, resolvesse tornar a crítica hiperbólica para a plateia. Ele é obviamente um diretor com talento gráfico para as cenas e nada do que se assiste é improvisado, embora às vezes pareça. Também a montagem de Thelma Schoonmaker é a de uma especialista em dar a ideia de que algo está acontecendo, mesmo quando não está, e isso marca presença algumas vezes em O lobo de Wall Street. Por exemplo, o Donnie de Jonah Hill puxa brigas porque em algum momento Scorsese considerou que ele fosse um novo Joe Pesci, principalmente o de Os bons companheiros. Mas muitas delas são genuinamente engraçadas, e há pelo menos três sequências notavelmente cômicas, com uma agilidade própria dos melhores momentos de Depois de horas, e a última hora particularmente devastadora (a cena do iate é antológica, pelo ritmo que Scorsese emprega, quando não se sabe se estamos vendo um drama ou uma comédia, e o emprego impagável da canção “Gloria”, juntando-se a uma trilha bem selecionada), além de alguns achados da narração (quando Belfort compara um determinado personagem a Mozart ou já no início quando não se revela um guia confiável, por mudar a cor de seu carro).
A sensação é que Scorsese queria realmente contemporâneo e moderno – em Cabo do medo, ele reinventa o suspense nos anos 90, por exemplo – e torna os travellings numa técnica para mostrar a vida apressada e superficial. Em sua carreira, isso às vezes não deu certo, mas em O lobo de Wall Street preenche todos os requisitos. Em grande parte, a necessidade de Scorsese querer soar contemporâneo o deixa quase sempre próximo dos personagens, buscando algum resquício de humanidade em meio à amoralidade. O melhor de Bling Ring, outra sátira recente, embora pouco engraçada, é uma possível amizade entre a líder das contravenções e o rapaz recém-chegado ao colégio, que Sofia Coppola, mesmo com seu sentimento solitário a respeito dos jovens, não soube identificar. Temerários, de alguns anos para cá, os filmes que congelam imagens de pessoas em festas, seja estourando champanhes, usando drogas ou mostrando mulheres nuas – parecem o mesmo filme, e sem a dose exata de elaboração (todos, em algum ponto, também devem ao Scarface de De Palma). Não é porque são usados esses elementos que o filme se torna provocador, mas surpreende-se que Scorsese siga esse caminho, desta vez em uma festa ininterrupta de três horas, focando uma fúria emocional contra a ganância financeira que mescla Cosmópolis, Gremlins II e o trabalho do grupo Monty Python.

O lobo de Wall Street 20

O lobo de Wall Street 15O escritório de Jordan Belfort traz algumas sequências de humor inabalável feitas por DiCaprio e Jonah Hill, pois tudo, antes de mais nada, é de um exagero interminável: em determinado momento, um dos vendedores da equipe de Belfort segura uma cobra em volta do pescoço, falando ao telefone, em meio a uma bagunça desproporcional. Em outro momento, entra uma banda lembrando o grupo de mulheres ao redor da mesa de reunião de Cidadão Kane. Mas Scorsese não homenageia essas figuras: ele as leva ao ponto máximo da sátira, esvaziando qualquer normalidade em suas ações, e nos dá a oportunidade de rir delas, que parecem existir apenas para rir de quem está do outro lado do telefone. Embora não seja uma vingança completa, O lobo de Wall Street não deixa de fazer um estrago.
Para Scorsese, não há nada em O lobo de Wall Street que não esteja preconcebido pela própria mitologia acerca do universo de Wall Street. Todos lá invocam uma certa sátira – e Scorsese, como David Cronenberg em Cosmópolis, é corrosivo na medida certa. Para ele, o que deve se sobrepor é o deboche, simples e direto. Isso pode ser, além de grande cinema – nem todos o receberam assim –, o primeiro real acerto na parceria do diretor com DiCaprio. Na verdade, seus encontros nunca haviam dado realmente certo, sempre cercados por uma necessidade de provarem a si mesmos que podem conquistar o mundo. Quase como Jordan Belfort. E aqui estamos: O lobo de Wall Street, embora não possa ser enquadrado num gênero definido, é também, por causa dos dois, uma das melhores tragicomédias dos últimos tempos.

The Wolf of Wall Street, EUA, 2013 Diretor: Martin Scorsese Elenco: Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Cristin Milioti, Jean Dujardin, Margot Robbie, Justin Wheelon, Kenneth Choi, Kyle Chandler, P.J. Byrne, Rob Reiner, Jake Hoffman, Jon Favreau, Spike Jonze Roteiro: Terence Winter, baseado em livro de Jordan Belfort Fotografia: Rodrigo Prieto Trilha Sonora: Howard Shore Produção: Emma Tillinger Koskoff, Joey McFarland, Leonardo DiCaprio, Martin Scorsese, Riza Aziz Duração: 179 min. Distribuidora: Paris Filmes Estúdio: Appian Way / EMJAG Productions / Red Granite Pictures / Sikelia Productions

Cotação 5 estrelas