O Halloween do Hubie (2020)

Por André Dick

O Halloween do Hubie é a mais nova comédia com Adam Sandler, trazendo uma homenagem aos filmes da série criada por John Carpenter e elementos que remetem ao cinema de Joe Dante, com direção de Steven Brill, de Sandy Wexler, outro filme com Sandler da Netflix. Normalmente se costuma dizer, nos últimos anos, que o ator poderia ter uma carreira mais sólida, visto suas atuações em Embriagado de amor e Joias brutas, por exemplo, mas insiste em cair no cinema comercial e grosseiro de muitas obras. É bem verdade que isso acontece de modo geral, no entanto é um tanto injusto avaliar que comédias mais ingênuas, como Pixels e Sandy Wexler, com situações cômicas dentro de um universo infantojuvenil, sem tender demais a certas piadas mais grosseiras, não sejam suficientemente interessantes.

De qualquer modo, há quem veja nessas comédias algo um tanto ofensivo, como se menosprezassem a inteligência do espectador, como se este só estivesse disposto a se deparar com uma espécie de Eric Rohmer das comédias, com diálogos sustentados. Sandler, de fato, tem, por um lado, essa vontade de montar o universo expandido com seu nome, cercado dos mesmos amigos, mas, por outro, como em O Halloween do Hubie, ele acerta numa espécie de homenagem, assim como conseguia fazer em Como se fosse a primeira vez e Afinado no amor às comédias dos anos 80.
Hubie Dubois é uma espécie de organizador da noite de Halloween na cidade de Salem. Ele mora com a mãe (June Squibb, de Nebraska) e é apaixonado por uma mulher, Violet Valentine (Julie Bowen) que parece retribuir o sentimento sem que seja notada, ex-mulher do xerife local, Steve Downey (Kevin James). Hubie sai pelos bairros com sua bicicleta se desviando de objetos que as crianças atiram e xingamentos gerais. Assim o é de modo amplo, também onde trabalha e nas visitas que faz ao colégio. Coisas estranhas começam a acontecer, principalmente com a chegada de um novo vizinho de Hubie, Walter Lambert (Steve Buscemi). 

 Ele se envolve com problemas num milharal e com um casal adolescente, Tommy (Noah Schnapp, de Stranger Things), filho de Violet, e Megan (Paris Berelc). É também perseguido por algumas figuras, como Pete Landolfa (Ray Liotta), Mike (Karan Brar), colega de trabalho de Hubei, e o casal Lester e Mary Hennessey (Tim Meadows e Maya Rudolph).
As comédias de Sandler da década passada se situavam entre o agressivo (Gente grande) e comédias românticas (Esposa de mentuirinha). Desta vez, ele parece embarcar numa viagem onírica pelos anos 80, com referências também a John Landis, de Um lobisomem americano em Londres, ao clássico A hora do pesadelo, a Tobe Hooper de Pague para entrar, rezes para sair e, sobretudo, o Joe Dante de Gremlins 2 e Looney Tunes. O visual é mais bem elaborado do que as comédias-padrão do ator, com ótimo design de produção, e a participação de vários artistas funciona (alguns da mesma turma que acompanha o humorista). A atmosfera de outono, bem registrada por Seamus Tierney, fazendo um vínculo entre as cor alaranjada das folhas, das abóboras, dos hidrantes, da garrafa térmica e do capacete de Hubie e da iluminação em muitas situações (como a da lanchonete onde trabalha Violet), e o ritmo entrecortado se destacam, caracterizando vários elementos icônicos desta festa típica norte-americana, com boa sátira à figura do lobisomem.

Como Sandy Wexler, é uma obra que foge às outras de Sandler pela elaboração mais técnica, um visual mais atrativo e uma narrativa menos concentrada em confrontos e mais empatia entre os personagens. Forçando uma maneira de falar estranha, o ator parece enveredar pelo overacting, mas, ao mesmo tempo, é equilibrado e mantém o tom do personagem num plano aceitável, sem humor grosseiro.
O Halloween de Hubie é agradável dentro de seus limites, apelando algumas vezes a certa escatologia e exagerando alguns elementos de maneira infantil (como o funcionamento da garrafa térmica do personagem) de modo que oferece à trama uma certa unidade, mesmo que o todo pareça desconjuntado e sem muitas ligações evidentes. O roteiro de Tim Herlihy, o mesmo de O paizão e Pixels, em parceria com Sandler funciona quase sempre impulsionado pela edição que torna simpática, inclusive, a participação de nomes como Shaquille O’Neal. Não pretende trazer inovação, mas funciona bem dentro de um sentimento geral de nostalgia. Em alguns anos, este será uma referência desta data festiva.

Hubie Halloween, EUA, 2020 Diretor: Steven Brill Elenco: Adam Sandler, Kevin James, Julie Bowen, Ray Liotta, Rob Schneider, June Squibb, Kenan Thompson, Shaquille O’Neal, Steve Buscemi, Maya Rudolph, Tim Meadows, Karan Brar, Paris Berelc, Noah Schnapp, China Anne McClain, Michael Chiklis Roteiro: Tim Herlihy e Adam Sandler Fotografia: Seamus Tierney Trilha Sonora: Rupert Gregson-Williams Produção: Adam Sandler, Kevin Grady, Allen Covert, JJ Titone Duração: 102 min. Estúdio: Happy Madison Productions Distribuidora: Netflix

Sandy Wexler (2017)

Por André Dick

Este novo filme de Adam Sandler feito para a Netflix é dirigido por Steven Brill, do fraco A herança de Mr. Deeds e do caricato, mas com momentos divertidos, Little Nicky. Sandler tem mostrado alguns acertos esporádicos em sua trajetória, como Embriagado de amor, Tratamento de choque e Espanglês, mas nos últimos anos encadeou uma série de filmes desagradáveis, investindo em piadas excessivamente escatológicas e um humor voltado a piadas culturais em parte bastante ofensivas, apesar de ter aparecido também em Homens, mulheres e filhos e no infantojuvenil subestimado Pixels.
Desta vez, Sandler interpreta Sandy Wexler, que trabalha como empresário de estrelas (desconhecidas) de Hollywood: o ventríloquo Ted Rafferty (Kevin James), o esportista de luta livre Bobby Barnes (Terry Crews), o humorista Kevin Connors (Colin Quinn), o acrobata Gary Rodgers (Nick Swardson) e a atriz Amy Baskin (Jackie Sandler). No entanto, a sua grande descoberta é Courtney Clarke (Jennifer Hudson), uma cantora na qual aposta todas as suas fichas. Ele a conhece durante uma apresentação infantil e precisa pedir a permissão do pai dela, Willy (Aaron Neville), para empresariá-la. A questão é que ele se encontra numa prisão do Nebraska, para onde Wexler viaja devidamente.

Usando uma voz estranha, como em Little Nicky (e o espectador que se incomodar com isso pode se afastar imediatamente da narrativa), Sandler faz, ainda assim, um personagem humano, para o qual cada artista deve ser atendido de forma atenciosa. É uma figura ingênua, mas extremamente afetuosa, embora não consiga dizer a verdade, praticamente o oposto do empresário Richie Finestra, vivido por Bobby Cannavale em Vinyl. Ele vive numa pequena casa junto à mansão de Firuz (Rob Schneider), um milionário que se encontra fora do país e espalha câmeras por todos os lugares para que não usem sua piscina, e tem como vizinha a solitária (mas não tanto) Cindy Marvelle (Jane Seymour).
A exemplo de grande parte dos projetos de Sandler, há participações de vários artistas e diretores (veja Arsenio Hall, Rob Reiner, Quincy Jones, Judd Apatow e Jimmy Kimmel), além de parceiros do Saturday Night Live (Chris Rock, Jon Lovitz, David Spade e Dana Carvey). Isso concede aos seus filmes uma espécie de clima entre amigos, o que por vezes é prejudicial. No entanto, aqui se estabelece, em meio a algumas piadas menos bem-sucedidas, vínculos reais de amizade. Não apenas Sandler consegue oferecer uma camada interessante a Wexler: Hudson (Oscar de atriz coadjuvante em Dreamgirls) entrega uma grande atuação, além de Kevin James estar discreto e eficiente.

Além disso, a reconstituição da década de 90, na qual o filme se passa, é muito interessante, com fotografia de Dean Semler (Apocalypto), que lembra a de Boogie Nights em alguns momentos, e trilha sonora agradável de Rupert Gregson-Williams (A lenda de Tarzan e Até o último homem). O desenho de produção lembra até mesmo o de Cassino, destacando os letreiros noturnos e certos enquadramentos, como na sequência em que Wexler e Courtney vão para um estúdio de música fabuloso. Há um senso de estética no filme de Brill que não costuma haver nas obras de Sandler, um cuidado minucioso com o trabalho de figurino e as cores de cada ambiente, que fazem valer a sessão. Repare-se numa cena que mostra o personagem central caminhando por uma rua de Los Angeles com cartazes de filmes de 1994 e uma trilha sonora adequada àquele momento.
Sandy Wexler pode ser visto sem qualidades apenas por quem não considera que Sandler está adotando nessa narrativa outra postura, e o seu ritmo lembra Top five, um grande acerto de Chris Rock feito há alguns anos, também sobre as questões envolvendo fazer uma carreira acompanhada pela fama. Os bastidores do showbusiness são vistos sem nenhuma pose forçada, mas, em certos momentos, até com uma melancolia e uma nostalgia agradáveis. É notável a sequência em que Wexler reúne os artistas que assessora para comemorar a conquista de Courtney. Não há nenhuma espécie de ciúme do sucesso – talvez porque ele se considere o “rei de Hollywood”.

Terceira parceria de Sandler com a Netflix (as primeiras foram The ridiculous 6 e Zerando a vida), Sandy Wexler também possui um certo senso de crítica cultural que Noah Baumach apresenta em peças como Frances Ha e, sobretudo, Greenberg, no qual Ben Stiller tem seu melhor momento. Talvez seja o projeto pessoal de Sandler que mais se aproxime de um filme de verdade: claro que temos sua parceria afetuosa com Drew Barrymore em Afinado no amor e Como se fosse a primeira vez, e outros acertos já lembrados, mas é como se aqui ele realmente colocasse uma porção de sentimento, tanto em seu personagem quanto no tom narrativo. O roteiro de Sandler, em parceria com colaboradores de obras anteriores, Tim Herlihy, Dan Bulla e Paul Sado, é suficientemente interessante para sustentar as mais de duas horas, dividindo bem o tempo entre os personagens, de modo que não os percamos de vista. E espera-se que ele invista mais em obras nesse tom, trazendo uma homenagem interessante ao mundo artístico e buscando um diálogo até mesmo com La La Land em determinado instante, sem esquecer All That Jazz – O show deve continuar, a obra-prima de Bob Fosse. Seria uma maneira de utilizar o talento que exibe em filmes como Embriagado de amor, de quinze anos atrás e ainda seu papel mais desafiador.

Sandy Wexler, EUA, 2017 Diretor: Steven Brill Elenco: Adam Sandler, Jennifer Hudson, Kevin James, Terry Crews, Rob Schneider, Colin Quinn, Nick Swardson, Lamorne Morris, Aaron Neville, Jane Seymour, Jackie Sandler, Arsenio Hall, Rob Reiner, Quincy Jones, Judd Apatow, Jimmy Kimmel, Chris Rock, Jon Lovitz, David Spade, Dana Carvey, Conan O’Brien Roteiro: Tim Herlihy, Dan Bulla, Paul Sado, Adam Sandler Fotografia: Dean Semler Trilha Sonora: Rupert Gregson-Williams Produção: Allen Covert, Adam Sandler Duração: 131 min. Estúdio: Happy Madison Productions Distribuidora: Netflix