Por André Dick
Nos anos 80, o grande nome da comédia no cinema norte-americano foi Eddie Murphy. De 48 horas, passando por Trocando as bolas, A melhor defesa é o ataque e O rapto do menino dourado, além dos dois Um tira da pesada, até Um príncipe em Nova York, o ator liderou algumas das maiores bilheterias daquela década. Talvez uma das melhores mesclas entre comédia e romance foi exatamente Um príncipe em Nova York, no qual Murphy conseguiu certamente fugir um pouco apenas do gênero pelo qual ficou conhecido.
É justamente essa mistura que levou a se pensar em Um príncipe em Nova York 2. A direção passa nesta sequência a ser de Craig Brewer, o mesmo de Meu nome é Dolemite, que em 2019 quase levou Murphy a uma indicação ao Oscar e lhe trouxe alguns prêmios e reconhecimento, enquanto no primeiro era de John Landis. Brewer se baseia num roteiro de Kenya Barris, Barry W. Blaustein e David Sheffield, que reapresenta o personagem do príncipe Akeem (Murphy), que, sempre assessorado por Semmi (Arsenio Hall), continua casado com Lisa (Shari Headley), enquanto o pai dela, Cleo McDowell (John Amos), ainda tem uma lanchonete, McDowell’s, no reino fictício de Zamunda.
O problema é que o Rei Jaffe Joffer (James Earl Jones) e seu xamã Baba (Arsenio Hall) dizem que Akeem tem um filho bastardo de sua primeira passagem por Nova York nos anos 80. O rapaz se chama Lavelle Junson (Jermaine Fowler) e vende ingressos no Queens, Nova York, enquanto procura emprego. Sua mãe é Mary (Leslie Jones) e seu tio, Reem Junson (Tracy Morgan). O perigo à vista é que o país vizinho de Zamunda, Nextdoria, tem um ditador, general Izzi (Wesley Snipes), que pressiona Akeem para que sua filha Meeka (KiKi Layne) se case com seu filho Idi (Rotimi). Lisa e Akeem tem, além dela, duas outras filhas: Princesa Omma Joffer (Bella Murphy) e Princesa Tinashe Joffer (Akiley Love).
Brewer utiliza bem a atmosfera do primeiro com elementos mais contemporâneos, sobretudo no uso de canções e uma edição extremamente rápida, que faz o espectador achar que está assistindo a um episódio de sitcom – sem deméritos nesta comparação, porque é um de qualidade.
Tudo isso transcorre com muita rapidez, quase sem desenvolvimento dos personagens, mas Brewer de algum modo captura o alto astral do filme dos anos 80, apoiado numa fotografia agradável de Joe Williams e figurino com muitas cores de Ruth E. Carter, que ganhou um Oscar pelo seu trabalho em Pantera Negra. Não surpreenda que esta sequência esteja sendo mal recebida: há nele uma certa ingenuidade e nostalgia que talvez não caibam mais na maioria das comédias hoje em dia, quase sem provocações ou polêmicas. Ainda assim, Murphy, surpreendentemente discreto no papel, abre espaço para outros brilharem, não apenas Snipes, em bom momento como o ditador do país vizinho, mas principalmente Leslie Jones e Tracy Morgan, que oferecem algumas das melhores gags. E Jermaine Fowler, que faz o filho de Akeem, apesar de não ter o talento de Murphy, consegue ser eficiente no papel, lembrando às vezes um Chris Tucker menos exagerado. Sua interação com KiKi Layne, que interpreta sua irmã por parte de pai, é muito boa, sobretudo quando precisam se juntar para atender a uma tradição da família real de Zamunda. E, quando o roteiro parece faltar, ele consegue tornar as ações do seu personagem plausíveis.
A escolha de Brewer de deslocar a ação de Nova York para Zamunda pode não ser adequado ao título e ao espírito do original, no entanto, de certo modo, acrescenta uma ambientação e brincadeira com as tradições de um país africano. Essas brincadeiras, porém, não são ofensivas e sim lidam com uma comédia moldada por ares dos anos 80, com piadas ingênuas. Claro que grande parte da reunião é para reverenciar o original mais de trinta anos depois – e difícil pensar que seria muito diferente, pois não é uma série com história a expandir, como Cobra Kai em relação a Karatê Kid. A questão é que a reverência se faz sobre sentimentos reais como o primeiro e lições sobre a tradição ou como enfrentar mudanças mesmo numa vida real. E, como no primeiro, Murphy e Hall interpretam outros personagens embaixo de quilos de maquiagem, com uma boa desenvoltura, enquanto há novamente uma ótima referência a personagens de Trocando as bolas que reapareceriam no primeiro filme. São eles que, apesar de menos falas e parceria, tornam Um príncipe em Nova York 2 surpreendentemente assistível, uma das raras comédias de qualidade recentes da carreira de Murphy, o que cria uma boa expectativa para o quarto Um tira da pesada.
Coming 2 America, EUA, 2021 Diretor: Craig Brewer Elenco: Eddie Murphy, Arsenio Hall, Jermaine Fowler, Leslie Jones, Tracy Morgan, KiKi Layne, Shari Headley, Teyana Taylor, Wesley Snipes, James Earl Jones, Nomzamo Mbatha Roteiro: Kenya Barris, Barry W. Blaustein, David Sheffield Fotografia: Joe Williams Trilha Sonora: Jermaine Stegall Produção: Kevin Misher e Eddie Murphy Duração: 110 min. Estúdio: Paramount, New Republic Pictures, Eddie Murphy Productions, Misher Films Distribuidora: Amazon Studios