Um príncipe em Nova York 2 (2021)

Por André Dick

Nos anos 80, o grande nome da comédia no cinema norte-americano foi Eddie Murphy. De 48 horas, passando por Trocando as bolas, A melhor defesa é o ataque e O rapto do menino dourado, além dos dois Um tira da pesada, até Um príncipe em Nova York, o ator liderou algumas das maiores bilheterias daquela década. Talvez uma das melhores mesclas entre comédia e romance foi exatamente Um príncipe em Nova York, no qual Murphy conseguiu certamente fugir um pouco apenas do gênero pelo qual ficou conhecido.
É justamente essa mistura que levou a se pensar em Um príncipe em Nova York 2. A direção passa nesta sequência a ser de Craig Brewer, o mesmo de Meu nome é Dolemite, que em 2019 quase levou Murphy a uma indicação ao Oscar e lhe trouxe alguns prêmios e reconhecimento, enquanto no primeiro era de John Landis. Brewer se baseia num roteiro de Kenya Barris, Barry W. Blaustein e David Sheffield, que reapresenta o personagem do príncipe Akeem (Murphy), que, sempre assessorado por Semmi (Arsenio Hall), continua casado com Lisa (Shari Headley), enquanto o pai dela, Cleo McDowell (John Amos), ainda tem uma lanchonete, McDowell’s, no reino fictício de Zamunda.

O problema é que o Rei Jaffe Joffer (James Earl Jones) e seu xamã Baba (Arsenio Hall) dizem que Akeem tem um filho bastardo de sua primeira passagem por Nova York nos anos 80. O rapaz se chama Lavelle Junson (Jermaine Fowler) e vende ingressos no Queens, Nova York, enquanto procura emprego. Sua mãe é Mary (Leslie Jones) e seu tio, Reem Junson (Tracy Morgan). O perigo à vista é que o país vizinho de Zamunda, Nextdoria, tem um ditador, general Izzi (Wesley Snipes), que pressiona Akeem para que sua filha Meeka (KiKi Layne) se case com seu filho Idi (Rotimi). Lisa e Akeem tem, além dela, duas outras filhas: Princesa Omma Joffer (Bella Murphy) e Princesa Tinashe Joffer (Akiley Love).
Brewer utiliza bem a atmosfera do primeiro com elementos mais contemporâneos, sobretudo no uso de canções e uma edição extremamente rápida, que faz o espectador achar que está assistindo a um episódio de sitcom – sem deméritos nesta comparação, porque é um de qualidade.

Tudo isso transcorre com muita rapidez, quase sem desenvolvimento dos personagens, mas Brewer de algum modo captura o alto astral do filme dos anos 80, apoiado numa fotografia agradável de Joe Williams e figurino com muitas cores de Ruth E. Carter, que ganhou um Oscar pelo seu trabalho em Pantera Negra. Não surpreenda que esta sequência esteja sendo mal recebida: há nele uma certa ingenuidade e nostalgia que talvez não caibam mais na maioria das comédias hoje em dia, quase sem provocações ou polêmicas. Ainda assim, Murphy, surpreendentemente discreto no papel, abre espaço para outros brilharem, não apenas Snipes, em bom momento como o ditador do país vizinho, mas principalmente Leslie Jones e Tracy Morgan, que oferecem algumas das melhores gags. E Jermaine Fowler, que faz o filho de Akeem, apesar de não ter o talento de Murphy, consegue ser eficiente no papel, lembrando às vezes um Chris Tucker menos exagerado. Sua interação com KiKi Layne, que interpreta sua irmã por parte de pai, é muito boa, sobretudo quando precisam se juntar para atender a uma tradição da família real de Zamunda. E, quando o roteiro parece faltar, ele consegue tornar as ações do seu personagem plausíveis.

A escolha de Brewer de deslocar a ação de Nova York para Zamunda pode não ser adequado ao título e ao espírito do original, no entanto, de certo modo, acrescenta uma ambientação e brincadeira com as tradições de um país africano. Essas brincadeiras, porém, não são ofensivas e sim lidam com uma comédia moldada por ares dos anos 80, com piadas ingênuas. Claro que grande parte da reunião é para reverenciar o original mais de trinta anos depois – e difícil pensar que seria muito diferente, pois não é uma série com história a expandir, como Cobra Kai em relação a Karatê Kid. A questão é que a reverência se faz sobre sentimentos reais como o primeiro e lições sobre a tradição ou como enfrentar mudanças mesmo numa vida real. E, como no primeiro, Murphy e Hall interpretam outros personagens embaixo de quilos de maquiagem, com uma boa desenvoltura, enquanto há novamente uma ótima referência a personagens de Trocando as bolas que reapareceriam no primeiro filme. São eles que, apesar de menos falas e parceria, tornam Um príncipe em Nova York 2 surpreendentemente assistível, uma das raras comédias de qualidade recentes da carreira de Murphy, o que cria uma boa expectativa para o quarto Um tira da pesada.

Coming 2 America, EUA, 2021 Diretor: Craig Brewer Elenco: Eddie Murphy, Arsenio Hall, Jermaine Fowler, Leslie Jones, Tracy Morgan, KiKi Layne, Shari Headley, Teyana Taylor, Wesley Snipes, James Earl Jones, Nomzamo Mbatha Roteiro: Kenya Barris, Barry W. Blaustein, David Sheffield Fotografia: Joe Williams Trilha Sonora: Jermaine Stegall Produção: Kevin Misher e Eddie Murphy Duração: 110 min. Estúdio: Paramount, New Republic Pictures, Eddie Murphy Productions, Misher Films Distribuidora:  Amazon Studios

Sandy Wexler (2017)

Por André Dick

Este novo filme de Adam Sandler feito para a Netflix é dirigido por Steven Brill, do fraco A herança de Mr. Deeds e do caricato, mas com momentos divertidos, Little Nicky. Sandler tem mostrado alguns acertos esporádicos em sua trajetória, como Embriagado de amor, Tratamento de choque e Espanglês, mas nos últimos anos encadeou uma série de filmes desagradáveis, investindo em piadas excessivamente escatológicas e um humor voltado a piadas culturais em parte bastante ofensivas, apesar de ter aparecido também em Homens, mulheres e filhos e no infantojuvenil subestimado Pixels.
Desta vez, Sandler interpreta Sandy Wexler, que trabalha como empresário de estrelas (desconhecidas) de Hollywood: o ventríloquo Ted Rafferty (Kevin James), o esportista de luta livre Bobby Barnes (Terry Crews), o humorista Kevin Connors (Colin Quinn), o acrobata Gary Rodgers (Nick Swardson) e a atriz Amy Baskin (Jackie Sandler). No entanto, a sua grande descoberta é Courtney Clarke (Jennifer Hudson), uma cantora na qual aposta todas as suas fichas. Ele a conhece durante uma apresentação infantil e precisa pedir a permissão do pai dela, Willy (Aaron Neville), para empresariá-la. A questão é que ele se encontra numa prisão do Nebraska, para onde Wexler viaja devidamente.

Usando uma voz estranha, como em Little Nicky (e o espectador que se incomodar com isso pode se afastar imediatamente da narrativa), Sandler faz, ainda assim, um personagem humano, para o qual cada artista deve ser atendido de forma atenciosa. É uma figura ingênua, mas extremamente afetuosa, embora não consiga dizer a verdade, praticamente o oposto do empresário Richie Finestra, vivido por Bobby Cannavale em Vinyl. Ele vive numa pequena casa junto à mansão de Firuz (Rob Schneider), um milionário que se encontra fora do país e espalha câmeras por todos os lugares para que não usem sua piscina, e tem como vizinha a solitária (mas não tanto) Cindy Marvelle (Jane Seymour).
A exemplo de grande parte dos projetos de Sandler, há participações de vários artistas e diretores (veja Arsenio Hall, Rob Reiner, Quincy Jones, Judd Apatow e Jimmy Kimmel), além de parceiros do Saturday Night Live (Chris Rock, Jon Lovitz, David Spade e Dana Carvey). Isso concede aos seus filmes uma espécie de clima entre amigos, o que por vezes é prejudicial. No entanto, aqui se estabelece, em meio a algumas piadas menos bem-sucedidas, vínculos reais de amizade. Não apenas Sandler consegue oferecer uma camada interessante a Wexler: Hudson (Oscar de atriz coadjuvante em Dreamgirls) entrega uma grande atuação, além de Kevin James estar discreto e eficiente.

Além disso, a reconstituição da década de 90, na qual o filme se passa, é muito interessante, com fotografia de Dean Semler (Apocalypto), que lembra a de Boogie Nights em alguns momentos, e trilha sonora agradável de Rupert Gregson-Williams (A lenda de Tarzan e Até o último homem). O desenho de produção lembra até mesmo o de Cassino, destacando os letreiros noturnos e certos enquadramentos, como na sequência em que Wexler e Courtney vão para um estúdio de música fabuloso. Há um senso de estética no filme de Brill que não costuma haver nas obras de Sandler, um cuidado minucioso com o trabalho de figurino e as cores de cada ambiente, que fazem valer a sessão. Repare-se numa cena que mostra o personagem central caminhando por uma rua de Los Angeles com cartazes de filmes de 1994 e uma trilha sonora adequada àquele momento.
Sandy Wexler pode ser visto sem qualidades apenas por quem não considera que Sandler está adotando nessa narrativa outra postura, e o seu ritmo lembra Top five, um grande acerto de Chris Rock feito há alguns anos, também sobre as questões envolvendo fazer uma carreira acompanhada pela fama. Os bastidores do showbusiness são vistos sem nenhuma pose forçada, mas, em certos momentos, até com uma melancolia e uma nostalgia agradáveis. É notável a sequência em que Wexler reúne os artistas que assessora para comemorar a conquista de Courtney. Não há nenhuma espécie de ciúme do sucesso – talvez porque ele se considere o “rei de Hollywood”.

Terceira parceria de Sandler com a Netflix (as primeiras foram The ridiculous 6 e Zerando a vida), Sandy Wexler também possui um certo senso de crítica cultural que Noah Baumach apresenta em peças como Frances Ha e, sobretudo, Greenberg, no qual Ben Stiller tem seu melhor momento. Talvez seja o projeto pessoal de Sandler que mais se aproxime de um filme de verdade: claro que temos sua parceria afetuosa com Drew Barrymore em Afinado no amor e Como se fosse a primeira vez, e outros acertos já lembrados, mas é como se aqui ele realmente colocasse uma porção de sentimento, tanto em seu personagem quanto no tom narrativo. O roteiro de Sandler, em parceria com colaboradores de obras anteriores, Tim Herlihy, Dan Bulla e Paul Sado, é suficientemente interessante para sustentar as mais de duas horas, dividindo bem o tempo entre os personagens, de modo que não os percamos de vista. E espera-se que ele invista mais em obras nesse tom, trazendo uma homenagem interessante ao mundo artístico e buscando um diálogo até mesmo com La La Land em determinado instante, sem esquecer All That Jazz – O show deve continuar, a obra-prima de Bob Fosse. Seria uma maneira de utilizar o talento que exibe em filmes como Embriagado de amor, de quinze anos atrás e ainda seu papel mais desafiador.

Sandy Wexler, EUA, 2017 Diretor: Steven Brill Elenco: Adam Sandler, Jennifer Hudson, Kevin James, Terry Crews, Rob Schneider, Colin Quinn, Nick Swardson, Lamorne Morris, Aaron Neville, Jane Seymour, Jackie Sandler, Arsenio Hall, Rob Reiner, Quincy Jones, Judd Apatow, Jimmy Kimmel, Chris Rock, Jon Lovitz, David Spade, Dana Carvey, Conan O’Brien Roteiro: Tim Herlihy, Dan Bulla, Paul Sado, Adam Sandler Fotografia: Dean Semler Trilha Sonora: Rupert Gregson-Williams Produção: Allen Covert, Adam Sandler Duração: 131 min. Estúdio: Happy Madison Productions Distribuidora: Netflix