Virgínia (2011)

Por André Dick

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Poucos nomes ficaram tão marcados por sua trajetória nos anos 1970 quanto Francis Ford Coppola. Se cineastas como Steven Spielberg, Terrence Malick e Martin Scorsese conseguiram se destacar nas décadas seguintes, Coppola teve certa dificuldade, mesmo com seus ótimos filmes dos anos 80 (O fundo do coração, Vidas sem rumo) e dos anos 90 (Drácula de Bram Stoker, a terceira parte subestimada de O poderoso chefão), de fugir do conceito de criador que nunca conseguirá repetir os dois O poderoso chefão e Apocalypse now. Chegando ao início do novo século e visto quase como um cineasta em fase emérita, Coppola fez Velha juventude e Tetro antes do que se considera um dos seus piores filmes, Virgínia (no original, Twixt), com exceção da Cahiers du Cinéma, que o colocou como terceiro melhor filme de 2012, atrás de Holy Motors e Cosmópolis.
Chegar a Virgínia com este conceito de “um dos piores filmes” de Coppola pode ajudar a distanciá-lo ainda mais de seus filmes dos anos 70. No entanto, não garante que aqui o olhar poderá ser melhor, a quem se habituou a considerar apenas o Coppola mais clássico. É difícil acompanhar uma narração inicial um tanto forçada de Tom Waits e Val Kilmer como o escritor, Hall Baltimore, que chega a uma cidade do interior, Swann Valley, para lançar seu novo livro de bruxas. Numa cidade em que a livraria se mistura com uma loja de materiais, ele se depara com um interessado por sua obra, o xerife Bobby LaGrange (Bruce Dern), que o leva à delegacia para ver um corpo morto com uma estaca, de uma série de crimes que ronda o lugar. O xerife perguntar se ele não aceita escrever um livro em parceria com ele.

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Há inúmeros filmes, atualmente, em que os problemas são vistos com menos interesse porque tratariam de uma metalinguagem. Em Virgínia, aos poucos, desde a narração inicial, passando pelos personagens, pela ligação conturbada de Val com a esposa, Denise (Joanna Whalley) – e os dois foram realmente casados, depois de se conhecerem nas filmagens de Willow –, discussões com o xerife e encontros noturnos com uma menina misteriosa, V. (Elle Fanning, da mesma época de Super 8, cujos créditos poderiam ter sido filmados por este Coppola) e o escritor Edgar Allan Poe (Ben Chaplin), que esteve durante uma época na cidade, a metalinguagem vai ficando cada vez mais presente. Quando notamos, Coppola não apenas realiza um filme com elementos autobiográficos, de entendimento da paternidade, como consegue apresentar uma homenagem aos filmes e livros de terror, mesclando realidade e onirismo com uma apenas aparente previsibilidade.
Coppola sabe, como poucos diretores, construir uma atmosfera própria, e Virgínia consegue trazer uma das mais fortes dos últimos anos – independente do baixo orçamento que ele teve, impedindo sua melhor distribuição (ele foi lançado em Blu-ray há poucos meses nos Estados Unidos).
Enquanto a chegada de Hall Baltimore a Swann Valley tem elementos da chegada de Chester Desmond e Sam Stanley em Twin Peaks – Fire walk with me, homenageado no filme de Coppola a partir do título, os cenários que aparecem daí por diante, com a fotografia rara de Mihai Malaimare (responsável pelo trabalho de O mestre, de Paul Thomas Anderson, e dos filmes mais recentes de Coppola), remetem à cidade de David Lynch: na delegacia, há cabeças de cervos nas paredes; as ruas são quase vazias; há uma biblioteca com uma janela para a igreja local; uma senhora dorme e não pode ser acordada (Eraserhead); e um hotel desperta dos sonhos com uma coleção de cortinas vermelhas. Mas não se trata de uma diluição: Virgínia tem uma atmosfera também particular, lembrando uma espécie de conto que leva a alguns lugares terrivelmente diferentes, uma espécie de Drácula de Bram Stoker em escala menos épica, além de um grupo de jovens à beira de um lago, remetendo a O selvagem da motocicleta. Numa cena em que é mostrada a engrenagem de relógios, há um diálogo indireto, ao mesmo tempo, com A invenção de Hugo Cabret, de Scorsese (os filmes tiveram seu lançamento quase na mesma época).

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A explicação de Virgínia parece estar no comportamento do escritor. Ele pretende sustentar sua carreira com histórias de bruxarias, mas resolve, por sugestão do xerife, se voltar para o universo dos vampiros e logo ingressa numa história que pode salvar sua carreira. De nada adianta, a princípio, ele sentar em frente à sua máquina: ele não consegue fugir a uma escrita literária, em que descreve um lago com sereno. Pressionado pelo editor, Sam Malkin (David Paymer), Coppola, daí por diante, brinca com sua própria condição, com o universo do escritor e a cidade onde se encontra. Se o escritor não poderá ser Edgar Allan Poe e Walt Whitman, nem produzir as Folhas de relva, ele procura por outras formas de imaginar uma eternidade. Não existe, em Virgínia, nenhum grande momento, e a linha da narrativa transcorre de maneira um pouco tortuosa, sendo este seu grande problema. Por outro lado, um de seus méritos, com isso, é não soar pretensioso, deixando o elenco à vontade para oferecer grandes atuações: Kilmer desempenha bem o tédio de Hall, porém é Fanning que se destaca e Bruce Dern (atualmente em destaque, em razão de Nebraska) está perfeito como o xerife inconveniente, assim como Ben Chaplin entrega um Poe melancólico. Embora em algum ponto os diálogos não consigam entrelaçar da melhor maneira esses personagens, e a edição misture estados diferentes de consciência, Virgínia ainda tem pontos muito interessantes.
Ao contrário dos colegas da Nova Hollywood, Coppola tem certa dificuldade de ser aceito em filmes que aparentam ser menores, pela pouca repercussão e críticas duras. Virgínia é a visão contemporânea de Coppola, que se arrisca a abandonar a grandiosidade de projetos que levaram sua Zoetrope à complicação financeira dos anos 80, como O fundo do coração e Cotton Club, mas é também a de um realizador que filma digitalmente um dos filmes mais bem fotografados dos últimos anos. As imagens de Virgínia gravam na memória como se fossem imagens de um livro distante, mas familiar, com uma espécie de relevo. É o bastante para torná-lo um filme a ser descoberto.

Twixt, EUA, 2011 Diretor: Francis Ford Coppola Elenco: Val Kilmer, Bruce Dern, Elle Fanning, Joanne Whalley,  Ben Chaplin, David Paymer, Alden Ehrenreich, Anthony Fusco, Bruce A. Miroglio, Don Novello, Lucas Rice Jordan, Ryan Simpkins Roteiro: Francis Ford Coppola Fotografia: Mihai Malaimare Jr. Trilha Sonora: Dan Deacon, Osvaldo Golijov Produção: Francis Ford Coppola Duração: 84 min. Estúdio: American Zoetrope

Cotação 3 estrelas e meia

O novo mundo (2005)

Por André Dick

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Excelente reconstituição de época e fotografia espetacular não salvaram o épico O último dos moicanos, de Michael Mann, baseado no romance clássico de James Fenimore Cooper. Faltou algum elemento para criar um interesse maior pela saga de um homem branco criado por moicanos (Day-Lewis, depois do Oscar por Meu pé esquerdo), na adaptação da história que se passa durante a Guerra dos Sete Anos, em que estiveram envolvidos ingleses, franceses e tribos de índios norte-americanos na América do Norte.
O personagem de Day-Lewis e dois moicanos ajudam duas inglesas (uma das quais Madeleine Stowe) e um soldado inglês a chegarem num forte em guerra com tropas francesas. Surge uma atração entre o moicano e a inglesa, mas logo eles são separados.
Percebe-se em todas as atuações a mão de um diretor que se tornaria talentoso. No entanto, Mann, recém-saído da série Miami vice, esquece de colocar conflitos em seu filme. Neste seu primeiro longa no cinema, seu interesse é pelo luxo da produção, revestida de detalhes (o filme ganhou Oscar de melhor som). É a partir deste filme, de qualquer modo, que Malick parece compor O novo mundo, com o mesmo interesse pelo refinamento da produção, mas uma aspiração mais social e histórica.

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Malick havia passado vários anos sem lançar um filme (oito, desde Além da linha vermelha), quando trouxe às telas este filme baseado numa história com elementos reais (daqui em diante, spoilers). Em 1607, o capitão inglês John Smith (Colin Farrell) chega à América aprisionado, acusado de tentar um motim, junto com a Expedição Jamestown, enviada da Inglaterra, mas logo em seguida é perdoado pelo comandante Christopher Newport (Cristopher Plummer), que volta para a Europa a fim de trazer mais alimentos. Na busca por comida e na exploração das matas, Smith é capturado por nativos, sendo levado ao chefe, Powhatan (August Schellenberg), que tem como braço direito Opechancanough (Wes Studi, de O último dos moicanos). Smith não apenas passará a viver entre eles, entre a liberdade e a prisão, como conhecerá Pocahontas (Q’orianka Kilcher), uma nativa, filha de Powhatan. No entanto, quando ele volta ao forte construído pelos brancos, ele saberá que esta tranquilidade está perto de se encerrar.
Trata-se de um filme que vem no mesmo fluxo de Além da linha vermelha, mas toma um rumo diferente. Em primeiro lugar, porque o diretor utiliza mais em pormenores os pensamentos soltos, divagantes – algo que funciona muito bem em outros filmes, sobretudo em A árvore da vida –, e filma detalhes da natureza à parte das cenas centrais (isso parece acontecer em A árvore da vida, mas a narrativa, tão criticada por alguns, é mais interessante).

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A impressão é que Malick não efetua, aqui, como em Além da linha vermelha, cenas de ação intensas, preferindo centralizar seus olhos no drama romântico entre Smith e Pocahontas. Se o romance abre perspectivas, em razão de Q’orianka Kilcher, Colin Farrell está inexpressivo. Ele funciona mais quando o filme não depende dele (como quando fez o cantor country de Coração louco). Malick, claro, mostra sua obsessão pela influência da natureza na vida humana, mas aqui ele parece transcender. Há flashes do casal correndo entre árvores, entre o capim alto, à beira do rio, e pensamentos esparsos, como (de Pocahontas): “Quem é esse homem? Quem é esse Deus”? Alguns detalhes não ficam claros: a aproximação cultural de Pocahontas é imediata, inclusive com a língua, e em determinado momento ela precisa alimentar os poucos homens dele com uma caça, mesmo eles tendo armas para matar animais.
Ainda assim, Malick procura dar ao filme um estilo, ao mesmo tempo, íntimo e épico. A única cena de combate, no entanto, se inclina a flashes para o céu, para as árvores. Mesmo os cenários ao longo do filme são iguais, e a montagem, elíptica – dando poeticidade, mas também prejudicando algumas cenas de conflito (como a de Pocahontas com seu pai) ou a presença levemente deslocada de Cristopher Plummer –, faz com que nos mantenhamos à distância dos personagens (embora não pareça, há lacunas aqui que não existem, por exemplo, em A árvore da vidaAmor pleno). Farrell, com isso, não consegue dar vigor ou grandiosidade a seu personagem, parecendo, por um lado, muito triste em ter de esconder um amor tão grande – que, em determinado ângulo, não convence–, e, por outro, feliz em ter de deixá-lo para trás. É visível como sua atuação prejudica o filme quando Christian Bale entra em cena, como John Rolfe, quase ao final, mostrando como o filme seria caso ele fosse o capitão Smith.
No entanto, talvez o ator principal fosse mesmo um detalhe. Malick quer filmar as paisagens com o tom de nascimento e descoberta, ou de tristeza – o sol entre as árvores, como em A árvore da vida, dá às cenas um contexto (o que lá criava um complemento poético, pois é uma história livre, não histórica). Cada personagem simboliza o contato entre o velho e o novo mundo e cada relação pode nascer e vigorar como também voltar às cinzas. Malick tem um sentido muito apurado sobre o Éden que existe em cada um desses personagens, sempre ameaçado pela traição e pela violência. A mentira dos homens brancos passa a ser evidente e seu objetivo, cada vez mais claro. No entanto, Pocahontas acredita numa espécie de amor intocado pelo ser humano, que se mistura à natureza, às árvores, ao capim e aos rios. Ela não acredita que possa ser traída e este sentimento é permanente na filmografia de Malick (vejamos o recente Amor pleno), chegando sempre a um contato próximo com a ideia divina – para o velho mundo, em belíssimos vitrais; para Pocahontas, à beira do rio ou correndo por um campo esverdeado.

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O novo mundo.Filme 5A fotografia bastante elogiada de Emmanuel Lubezki (que deu ao filme sua única indicação ao Oscar) faz predominar as cores que remetem à terra (também dos figurinos), além dos tons de verde, claro e escuro. Para Malick, a aversão à natureza romântica, aqui, pode matar a humanidade. Quando ele deseja oferecer mais emoção ao filme, este está quase terminando – mas são antológicas as cenas feitas na Inglaterra (sobretudo quando um índio caminha num pátio inglês enorme, em meio a árvores podadas, simetricamente, como se fossem um contraponto ao ambiente de onde veio, mas, ao mesmo tempo, um complemento). Falta ao filme uma definição entre o histórico, a ação, o poético e o drama – o que faz de A árvore da vida um filme tão definitivo. Mas, ainda que O novo mundo não consiga alcançar o que poderia, ainda assim responde ao que nos apresenta. Tratando da estranheza e da descoberta de um novo mundo, além do choque que isto pode trazer, há nele, como nos outros filmes de Malick, um elemento enigmático que atrai o espectador e uma sensação de perda e reencontro que poucas obras simbolizam de maneira evidente. Toda a sequência final, com uma montagem fascinante de imagens da natureza, representando o encontro entre as águas do homem branco e dos nativos, assim como da natureza, é implacavelmente belo.

The new world, EUA, 2005 Diretor: Terrence Malick Elenco: Colin Farrell, Q’orianka Kilcher, Christopher Plummer, Christian Bale, August Schellenberg, Wes Studi, David Thewlis, Yorick van Wageningen, Raoul Trujillo, Ben Chaplin, John Savage, Brian Merrick Produção: Sarah Green Roteiro: Terrence Malick Fotografia: Emmanuel Lubezki Trilha Sonora: James Horner Duração: 135 min.  Distribuidora: Não definida Estúdio: New Line Cinema / Sunflower Productions / Sarah Green Film / First Foot Films / The Virginia Company LLC

Cotação 3 estrelas

 

Além da linha vermelha (1998)

Por André Dick

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Filme de Terrence Malick com fotografia perfeita de John Toll (responsável pelo design visual de Cloud Atlas) e elenco grandioso, Além da linha vermelha, baseado em obra de James Jones, é o retrato de um momento da Segunda Guerra Mundial, desta vez do avanço de uma tropa – Companhia C – à Batalha de Guadalcanal, em 1942, para atacar os japoneses, mas aqui sob o ponto de vista existencial, ou seja, o personagem principal, Witt (Jim Caviezel) está longe, mas não tira seu pensamento do éden da Melanésia. O interessante é como num filme de guerra Malick consegue fotografar mínimos detalhes da natureza com tanta atenção. Para ele, mais ainda do que em seus filmes iniciais, dos anos 1970, a natureza é uma metáfora da própria existência humana.
Se Malick fez um drama de guerra filosófico, retomando uma trajetória de direção interrompida vinte anos antes, com Dias de paraíso, no mesmo ano Steven Spielberg empregou a meia hora mais impactante de sua carreira no início de O resgate do soldado Ryan, que inicia com a chegada de tropas americanas à praia francesa de Omaha, defendida por alemães, com imagens espetaculares e realistas, em que Tom Hanks interpreta o líder do pelotão. Depois dessa carnificina, ele é incumbido, com alguns de seus homens, a encontrar o último filho sobrevivente da família Ryan, para que não se abata uma tragédia completa sobre ela.
Basicamente, o filme relata essa busca. Mas Spielberg, com seu habitual talento para o manejo das câmeras e a fotografia cuidada, transforma este num dos filmes de guerra mais impressionantes, graças, também, à interpretação de todo o elenco, a começar pela de Hanks, que constrói um coronel com problemas físicos na mão e quer esconder isso da tropa. Ao final, quando chegam a uma cidadezinha em ruínas, preparam uma ofensiva contra nazistas que estão para invadi-la. É aí que Spielberg melhor mostra seu talento, num verdadeiro tour de force de som e efeitos especiais.

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O resgate do soldado Ryan constitui-se num filme de guerra com peso nostálgico e histórico (a cena inicial se completa na parte final), com uma certa dureza no que se refere à composição dos personagens – afinal, lida com um cenário de guerra –, mas que acaba preenchendo algumas lacunas com uma emoção calculada, rara em Spielberg, mais propenso a extravasar, o que ele faz com todos os tons permitidos a um diretor conhecido pelo olhar que tem sobre a ação. Diferente de Malick, que consegue, em Além da linha vermelha, por meio da guerra, retratar, de maneira mais densa e menos nebulosa, o que dela não faz parte. Os filmes, em sua abertura, se parecem, mas cada diretor toma suas escolhas diante das próprias características.
Malick é um cineasta que emprega os diálogos e os mínimos detalhes como o centro da ação. Desse modo, a preocupação do primeiro sargento Welsh (Sean Penn) em tirar Witt do Pacífico, da Melanésia, para reintegrá-lo no exército e guiá-lo para a ilha onde se dará o combate derradeiro, na Colina 210, peça-chave da artilharia japonesa, não passa de uma tentativa de convencer a si mesmo de que a guerra vale a pena (e certamente, ele sabe, não vale). O olhar do sargento interpretado por Hanks se direciona para a morte, e é dela que os personagens querem escapar em Além da linha vermelha, sem necessariamente conseguir.

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A percepção de Malick atravessa não apenas as paisagens, como o elenco, com uma série de astros em pontas (ficaram conhecidos os cortes que Malick impôs a atores consagrados naquele período, como Billy Bob Thornton). De maneira geral, a amplitude do cinema de Malick converge para um lugar filosófica, em que o amor e o vínculo entre as pessoas e seres humanos se desenham a distância ou em situações-limite. Embora haja sequências inteiras que remetem Além da linha vermelha a um gênero de guerra, parece que mais ainda Malick deseja uma filosofia das relações. O Tenente-Coronel Tall (Nick Nolte) fala com o general Quintard (John Travolta) – em momentos nos quais Anderson certamente se inspirou para compor O mestre –, mas a atenção de Malick está voltada para a paisagem. Do mesmo modo, Jack Bell (Ben Chaplin), está interessado mais em lembrar de sua mulher, Marty (Miranda Otto), num balanço e paisagens que seriam intensificadas em A árvore da vida e To the wonder. Temos ainda o capitão James Staros (Elias Koteas), o cabo Fife (Adrien Brody), o soldado Jack Bell (Ben Chaplin), o capitão Charles Bosche (George Clooney), o capitão John Gaff (John Cusack), o sargento Keck (Woody Harrelson), o sargento Maynard Storm (John C. Reilly) e o sargento McCron (John Savage), entre outros.
Todos os personagens têm em algum momento ligação entre si, mas Malick está certamente mais interessado no retrato que faz de imagens idílicas, do capim alto em que os soldados rastejam para atingir a colina inimiga, o cenário paradisíaco, com crocodilos, galhos em rios, ilhas minúsculas perdidas no meio do mar e árvores altas, que, no entanto, reservam uma sequência de tiros incalculável. A morte está sempre à espreita, mas, para esses personagens, a morte não significa exatamente o afastamento da natureza idílica? Para Malick, há uma presença divina em meio a um cenário caótico de guerra, e quando os homens precisam se deparar com algum corpo entregue ao verde das colinas tentam desviar seu olhar para o vento e os pássaros, ou para as lembranças, sempre ligadas a algum elemento da natureza: os raios de sol e as cortinas esvoaçantes de uma pintura de Andrew Wyeth. Não se trata, para Malick, de estetizar a guerra, mas de mostrar a solidão dela e o adensamento de trilhas solitárias em meio às árvores de uma mata fechada.

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Além da linha vermelha.Cena 1Se Coppola colocou quilos de napalm para explodir em Apocalypse now e Kubrick transformou a guerra num centro repleto de soldados sob o comando de prometer o cumprimento da morte em nome da corporação, Malick contorna todos com o simples olhar de dentro da guerra e sua reflexão, caracterizada mais pelo olhar estupefato do que pela certeza. A cada tomada de atitude em relação ao combate e cada acampamento montado, Malick está tratando da impermanência da humanidade e do modo como ela se adapta à loucura, mas apenas a controla por meio de lembranças, até que consiga aceitar, finalmente, que não passa de uma pequena ilha solitária na corrente e contra um horizonte não necessariamente aberto. O passado é tão presente quanto a invasão a Guadalcanal, pois é preciso uma justificativa, mesmo que mínima, para que se tenha chegado ali com vida. Malick não consegue retribuir esta justificativa para o espectador diante do peso dramático dos componentes que seleciona ao longo de sua obra, e não consegue se comprometer com o vazio que passa a existir depois da derrocada de um grupo de combatentes. Há um sentido forte de afastamento em Além da linha vermelha como havia sobretudo em Dias de paraíso, e é ele que consegue, ao mesmo tempo, aproximar os personagens de um Éden almejado.

In the red line, EUA, 1998 Diretor: Terrence Malick Elenco: Nick Nolte, Jim Caviezel, Sean Penn, Elias Koteas, Ben Chaplin, Dash Mihok, John Cusack, Adrien Brody, John C. Reilly, Woody Harrelson, Miranda Otto, Jared Leto, John Travolta, George Clooney, Nick Stahl, Thomas Jane, John Savage, Will Wallace, John Dee Smith, Kirk Acevedo, Penelope Allen, Kazuyoshi Sakai, Masayuki Shida, Hiroya Sugisaki, Kouji Suzuki, Tomohiro Tanji, Minoru Toyoshima, Terutake Tsuji, Jimmy Xihite, Yasuomi Yoshino, John Augwata Produção: Robert Michael Geisler, Grant Hill, John Roberdeau Roteiro: Terrence Malick Fotografia: John Toll Trilha Sonora: Hans Zimmer Duração: 170 min. Distribuidora: Não definida Estúdio: Fox 2000 Pictures / Phoenix Pictures / Geisler-Roberdeau

Cotação 5 estrelas