Por André Dick
Poucos nomes ficaram tão marcados por sua trajetória nos anos 1970 quanto Francis Ford Coppola. Se cineastas como Steven Spielberg, Terrence Malick e Martin Scorsese conseguiram se destacar nas décadas seguintes, Coppola teve certa dificuldade, mesmo com seus ótimos filmes dos anos 80 (O fundo do coração, Vidas sem rumo) e dos anos 90 (Drácula de Bram Stoker, a terceira parte subestimada de O poderoso chefão), de fugir do conceito de criador que nunca conseguirá repetir os dois O poderoso chefão e Apocalypse now. Chegando ao início do novo século e visto quase como um cineasta em fase emérita, Coppola fez Velha juventude e Tetro antes do que se considera um dos seus piores filmes, Virgínia (no original, Twixt), com exceção da Cahiers du Cinéma, que o colocou como terceiro melhor filme de 2012, atrás de Holy Motors e Cosmópolis.
Chegar a Virgínia com este conceito de “um dos piores filmes” de Coppola pode ajudar a distanciá-lo ainda mais de seus filmes dos anos 70. No entanto, não garante que aqui o olhar poderá ser melhor, a quem se habituou a considerar apenas o Coppola mais clássico. É difícil acompanhar uma narração inicial um tanto forçada de Tom Waits e Val Kilmer como o escritor, Hall Baltimore, que chega a uma cidade do interior, Swann Valley, para lançar seu novo livro de bruxas. Numa cidade em que a livraria se mistura com uma loja de materiais, ele se depara com um interessado por sua obra, o xerife Bobby LaGrange (Bruce Dern), que o leva à delegacia para ver um corpo morto com uma estaca, de uma série de crimes que ronda o lugar. O xerife perguntar se ele não aceita escrever um livro em parceria com ele.
Há inúmeros filmes, atualmente, em que os problemas são vistos com menos interesse porque tratariam de uma metalinguagem. Em Virgínia, aos poucos, desde a narração inicial, passando pelos personagens, pela ligação conturbada de Val com a esposa, Denise (Joanna Whalley) – e os dois foram realmente casados, depois de se conhecerem nas filmagens de Willow –, discussões com o xerife e encontros noturnos com uma menina misteriosa, V. (Elle Fanning, da mesma época de Super 8, cujos créditos poderiam ter sido filmados por este Coppola) e o escritor Edgar Allan Poe (Ben Chaplin), que esteve durante uma época na cidade, a metalinguagem vai ficando cada vez mais presente. Quando notamos, Coppola não apenas realiza um filme com elementos autobiográficos, de entendimento da paternidade, como consegue apresentar uma homenagem aos filmes e livros de terror, mesclando realidade e onirismo com uma apenas aparente previsibilidade.
Coppola sabe, como poucos diretores, construir uma atmosfera própria, e Virgínia consegue trazer uma das mais fortes dos últimos anos – independente do baixo orçamento que ele teve, impedindo sua melhor distribuição (ele foi lançado em Blu-ray há poucos meses nos Estados Unidos).
Enquanto a chegada de Hall Baltimore a Swann Valley tem elementos da chegada de Chester Desmond e Sam Stanley em Twin Peaks – Fire walk with me, homenageado no filme de Coppola a partir do título, os cenários que aparecem daí por diante, com a fotografia rara de Mihai Malaimare (responsável pelo trabalho de O mestre, de Paul Thomas Anderson, e dos filmes mais recentes de Coppola), remetem à cidade de David Lynch: na delegacia, há cabeças de cervos nas paredes; as ruas são quase vazias; há uma biblioteca com uma janela para a igreja local; uma senhora dorme e não pode ser acordada (Eraserhead); e um hotel desperta dos sonhos com uma coleção de cortinas vermelhas. Mas não se trata de uma diluição: Virgínia tem uma atmosfera também particular, lembrando uma espécie de conto que leva a alguns lugares terrivelmente diferentes, uma espécie de Drácula de Bram Stoker em escala menos épica, além de um grupo de jovens à beira de um lago, remetendo a O selvagem da motocicleta. Numa cena em que é mostrada a engrenagem de relógios, há um diálogo indireto, ao mesmo tempo, com A invenção de Hugo Cabret, de Scorsese (os filmes tiveram seu lançamento quase na mesma época).
A explicação de Virgínia parece estar no comportamento do escritor. Ele pretende sustentar sua carreira com histórias de bruxarias, mas resolve, por sugestão do xerife, se voltar para o universo dos vampiros e logo ingressa numa história que pode salvar sua carreira. De nada adianta, a princípio, ele sentar em frente à sua máquina: ele não consegue fugir a uma escrita literária, em que descreve um lago com sereno. Pressionado pelo editor, Sam Malkin (David Paymer), Coppola, daí por diante, brinca com sua própria condição, com o universo do escritor e a cidade onde se encontra. Se o escritor não poderá ser Edgar Allan Poe e Walt Whitman, nem produzir as Folhas de relva, ele procura por outras formas de imaginar uma eternidade. Não existe, em Virgínia, nenhum grande momento, e a linha da narrativa transcorre de maneira um pouco tortuosa, sendo este seu grande problema. Por outro lado, um de seus méritos, com isso, é não soar pretensioso, deixando o elenco à vontade para oferecer grandes atuações: Kilmer desempenha bem o tédio de Hall, porém é Fanning que se destaca e Bruce Dern (atualmente em destaque, em razão de Nebraska) está perfeito como o xerife inconveniente, assim como Ben Chaplin entrega um Poe melancólico. Embora em algum ponto os diálogos não consigam entrelaçar da melhor maneira esses personagens, e a edição misture estados diferentes de consciência, Virgínia ainda tem pontos muito interessantes.
Ao contrário dos colegas da Nova Hollywood, Coppola tem certa dificuldade de ser aceito em filmes que aparentam ser menores, pela pouca repercussão e críticas duras. Virgínia é a visão contemporânea de Coppola, que se arrisca a abandonar a grandiosidade de projetos que levaram sua Zoetrope à complicação financeira dos anos 80, como O fundo do coração e Cotton Club, mas é também a de um realizador que filma digitalmente um dos filmes mais bem fotografados dos últimos anos. As imagens de Virgínia gravam na memória como se fossem imagens de um livro distante, mas familiar, com uma espécie de relevo. É o bastante para torná-lo um filme a ser descoberto.
Twixt, EUA, 2011 Diretor: Francis Ford Coppola Elenco: Val Kilmer, Bruce Dern, Elle Fanning, Joanne Whalley, Ben Chaplin, David Paymer, Alden Ehrenreich, Anthony Fusco, Bruce A. Miroglio, Don Novello, Lucas Rice Jordan, Ryan Simpkins Roteiro: Francis Ford Coppola Fotografia: Mihai Malaimare Jr. Trilha Sonora: Dan Deacon, Osvaldo Golijov Produção: Francis Ford Coppola Duração: 84 min. Estúdio: American Zoetrope