O escândalo (2019)

Por André Dick

Em 2017, as acusações de assédio de atrizes contra o produtor Harvey Weinstein acabaram tomando grande proporção, chegando também a outros nomes., alguns bastante conhecidos no círculo de Hollywood. O escândalo, de certo modo, ao mostrar as acusações contra Roger Ailes, o chefe da Fox News, em 2016, acaba dialogando com esse cenário, em que mulheres constituíram movimentos como %MeToo e Time’s Up.
O filme de Jay Roach, responsável antes por comédias como Entrando numa fria e por Trumbo, que deu uma indicação ao Oscar a Bryan Cranston, procura mostrar algumas jornalistas e apresentadoras desse canal, mais especificamente Megyn Kelly (Charlize Theron) e Gretchen Carlson (Nicole Kidman), que, sob as ordens de Roger, ingressavam na grade como figuras de destaque, a primeira principalmente e a segunda no programa Fox and Friends. Megyn, assessorada por Lily Balin (Liv Hewson) e Julia Clarke (Brigette Lundy-Paine) e casada com Doug (Mark Duplass), acaba tendo um sério contratempo depois de uma pergunta num debate ao então candidato Donald Trump.

O escândalo é uma amostra de fazer um certo cinema que se pretende de denúncia e consegue abranger uma atmosfera situada entre a vida pública e restrita aos bastidores. Ele se apoia tanto nas duas protagonistas quanto na figura da jovem Kayla Pospisil  (Margot Robbie),, não baseada exatamente numa personalidade real, que chega à emissora pretendendo, claro, conquistar seu espaço e se torna amiga de Jess Carr (Kate McKinnon). As discussões sobre posicionamentos ideológicos permeiam o roteiro bem escrito de Charles Randolph, apostando num estilo semelhante em A grande aposta, embora certamente entrecortado algumas vezes por alguns exageros expositivos. A figura de Roger, sustentada por Murdoch (Malcolm McDowell), dono da emissora, é muito bem desenhada por John Lithgow, numa interpretação excepcional, embaixo de uma maquiagem que o deixa quase irreconhecível – a maquiagem é um destaque também em Theron e Kidman, para deixá-las parecidas com as apresentadoras reais. Suas conversas com as âncoras são conflituosas, mostrando as manobras de uma emissora para conquistara audiência, até que o diretor Roach se direciona para o objetivo. E, quando ingressa em âmbito jurídico, num determinado momento, surge a advogada Susan Estrich,, em ótima atuação de Allison Janney, inserindo o filme num ambiente mais ousado.

De certo modo, O escândalo não chega a tomar uma posição como poderia se prever pela sua temática, não no sentido de reconhecer quem é a peça-chave para a denúncia, e sim para outros assuntos que correm à margem. Roach evita também entrar em algumas escolhas mais espinhosas, sem, no entanto, não deixar de explorar o drama dessas mulheres que sofreram assédio.
Charlize Theron é uma grande atriz e tem aqui seu melhor desempenho talvez desde Jovens adultos, um de seus filmes mais subestimados, fazendo uma apresentadora ao mesmo tempo fria e interessada no bem-estar dos familiares. Kidman também é excelente, tecendo uma dualidade entre certa segurança à frente das câmeras e uma necessidade de querer agradar, mas sem nunca conseguir se encaixar no que está acontecendo ao redor. E Robbie tem sua atuação mais dedicada desde O lobo de Wall Street, conseguindo se mostrar vulnerável e, ao mesmo tempo, ambiciosa. Ela tem a cena certamente mais difícil e que causa angústia no espectador, além de se apoiar bem, em alguns momentos, na atuação de Kate McKinnon, mais conhecida por ser humorista no Saturday Night Live e por sua participação no Caça-fantasmas, mais uma no elenco predominantemente feminino e de qualidade notável, alternando comédia e drama com a mesma competência.

O escândalo também se apresenta como um filme sobre a mulher num meio de comunicação e sua tentativa de conciliar a ambição corrente, a dedicação à família e seus valores pessoais e intransferíveis. O roteirista não chega a desenvolvera  ligação entre as três figuras proeminentes como poderia, deixando nas entrelinhas que elas sofreram assédio na mesma proporção, mas se mantêm a distância entre elas, não chegando a querer embarcar num movimento. É nesse ponto, talvez, que alguns considerem sua história mais atenuadora e menos motivador para o universo feminino, abdicando de maior aprofundamento, principalmente no terceiro ato.
Em termos de estilo, é editado de maneira ágil, como alguns filmes que se assemelham a ele, a exemplo de Vice, A grande aposta e As golpistas, todos com um selo de Adam McKay. Como Vice, especificamente, do ano passado, em determinados momentos acaba tratando seus temas de maneira superficial, porém nunca de maneira desinteressante. Isso é apoiado pelo brilhante design de produção e pelo figurino de Colleen Atwood (habitual colaboradora de Tim Burton), que transportam o espectador quase para dentro da emissora de televisão, com uma perspicácia também da fotografia de Barry Ackroyd (de obras como Guerra ao terror e Detroit), o que não é comum em boa parte das obras que tratam de jornalismo.

Bombshell, EUA, 2019 Diretor: Jay Roach Elenco: Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, John Lithgow, Kate McKinnon, Connie Britton, Malcolm McDowell, Allison Janney Roteiro: Charles Randolph Fotografia: Barry Ackroyd Trilha Sonora: Theodore Shapiro Produção: Aaron L. Glibert, Jay Roach, Robert Graf, Michelle Graham, Charles Randolph, Margaret Riley, Charlize Theron, AJ Dix, Beth Kono Duração: 108 min. Estúdio: Bron Creative, Annapurna Pictures, Denver + Delilah Productions, Lighthouse Management & Media, Creative Wealth Media Distribuidora: Lionsgate

American Ultra – Armados e perigosos (2015)

Por André Dick

American Ultra

A parceria entre Jesse Eisenberg e Kristen Stewart já proporcionou um filme referencial sobre adolescência chamado Adventureland (lamentavelmente traduzido no Brasil como Férias frustradas de verão, como se fosse uma continuação da série da família Griswold). Em American Ultra – Armados e perigosos, eles retomam essa parceria fazendo um casal apaixonado, Mike Howell e Phoebe Larson. No entanto,  como o Truman de Jim Carrey, Mike não consegue nunca sair de sua cidadezinha, Liman, onde trabalha numa loja de conveniência, pois sempre acaba tendo uma surto de pânico, e tem receio de pedir a mão da namorada em casamento. Determinado dia, surge Victoria Lasseter (Connie Britton), que pretende avisá-lo sobre algo que está para acontecer em sua vida e utiliza para isso uma série de códigos, a fim de que ele possa relembrar seus talentos escondidos.
Embora o trailer anunciasse mais uma comédia, com o casal em ritmo de Doc Sportello, de Vício inerente, o filme se destaca por ser um thriller de perseguição, American Ultra tem boa direção de Nima Nourizadeh (Project X) e um punhado de boas ideias, mesmo que elaboradas com uma pressa narrativa. Há algumas comparações com A identidade Bourne, e realmente tem pontos de semelhança. Muito violento, ele dialoga também com Kingsman, usando as brigas como ponto de comicidade, e com Hanna (e particularmente me parece superior a ambos). A pergunta é quem seria exatamente Mike, ou seja, qual o seu passado e o que ele esconde.

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À primeira vista, ele parece apenas parte de uma van saindo de Seattle para alguma turnê na época do grunge, mas seu estilo parece mais comedido e romântico, sempre interessado em agradar à sua namorada. Para responder a parte dessas respostas, podemos ter como referências Adrian Yates (Topher Grace), Raymond Krueger (Bill Pullman) e um programa de governo que treinava homens especializados em combate, intitulado Ultra. Em meio à sucessão de conflitos que se estabelece a partir dessa premissa, temos ainda Rose (John Leguizamo), o traficante de drogas de Mike, que junto com o amigo se vê envolvido nas mesmas questões. E são colocados no encalço de Mike Laugher (Walton Goggins) e Crane (Monique Ganderton). O problema é que Mike está mais interessado em se dedicar a seu projeto Apollo Ape, de quadrinhos, linguagem na qual o filme vai buscar seu caminho, principalmente em muitas sequências rodadas com um grande fluxo e uma passagem pelo lugar onde mora Rose, com seus grafites iluminados à noite. A pressa narrativa, no entanto, não tira desses personagens um acentuado sentido de abandono e isolamento de um mundo à parte, àquele ao qual pareciam pertencer e, diante dos novos fatos, não parece tão acessível de ser entendido.
É uma característica que está presente em A identidade Bourne, mas não exatamente no filme recente que mais se aproxima deste em sua concepção de mescla entre humor e ação: Kingsman. Além de tudo, o roteiro de Max Landis consegue agregar algumas outras referências, especialmente ao primeiro O exterminador do futuro na sequência de uma delegacia e alguns lances que poderiam ser pensados por Edgar Wright sobretudo em seu Hot Fuzz – Chumbo quente, em um supermercado. Nesse sentido, o acentuado humor ligado à tensão de algumas cenas poderia, sem dúvida, ter sido pensada pelo criador de Scott Pilgrim.

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Infelizmente colocado na lista de falhas na bilheteria do ano, a nova parceria de Eisenberg e Stewart é no mínimo curiosa e inteligente, fazendo jus ao seu marketing antecipado. Eisenberg oferece uma ótima atuação como de praxe, enquanto Stewart não deixa a parte dramática diminuir. Lamenta-se apenas que ela continue sendo colocada em segundo plano, quando já apresentou tantas atuações convincentes, como em O silêncio de Melinda e Runaways. Impressiona como o casal possui uma química interessante, não apenas neste como no anterior Adventureland (e não por acaso estará junto novamente no próximo filme Woody Allen). Há, junto com um roteiro que busca algumas surpresas em meio a clichês habituais, um cuidado visual muito interessante, principalmente na fotografia de Michael Bonvillain (de outro filme com Eisenberg, Zumbilância). Entre os coadjuvantes, Leguizamo e Topher Grace se destacam – mesmo que Grace repita os seus trejeitos já vistos principalmente na série em homenagem aos anos 70 pela qual é tão conhecido. No geral, é uma diversão descompromissada, visualmente interessante e bem feita, na qual se lamenta apenas que os personagens não sejam tão desenvolvidos, em razão do elenco talentoso. Do tipo de filme a que se assiste novamente sem reclamações.

American Ultra, EUA, 2015 Diretor: Nima Nourizadeh Elenco: Kristen Stewart, Jesse Eisenberg, Topher Grace, Monique Ganderton, Walton Goggins, Connie Britton, John Leguizamo, Bill Pullman, Nash Edgerton, Tony Hale Roteiro: Max Landis Fotografia: Michael Bonvillain Trilha Sonora: Marcelo Zarvos Produção: Anthony Bregman, Britton Rizzio, David Alpert, Kevin Scott Frakes, Raj Brinder Singh Duração: 95 min. Distribuidora: Paris Filmes Estúdio: Bridge Finance Company, The / Circle of Confusion / FilmNation Entertainment / Likely Story / Merced Media Partners / PalmStar Entertainment / PalmStar Media

Cotação 3 estrelas e meia