Os fantasmas dos fantasmas: Star Wars – A ascensão Skywalker (2019) e Star Wars – Os últimos Jedi (2017)

Por André Dick

Este texto apresenta spoilers

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Depois de alguns anos do reinício de Star Wars, por meio da Walt Disney, com O despertar da força em 2015, é possível calcular melhor qual é a importância desta trilogia que encerrou a saga iniciada por George Lucas no clássico de 1977. Se Os últimos Jedi foi recebido com certa desconfiança, ao contrário do primeiro de Abrams, ele vem alcançando um status de ser não apenas o melhor desta trilogia, como também aquele que melhor rivaliza com O império contra-ataca, considerado o melhor da saga. No Rotten Tomatoes, tem 91% de média de aprovação da crítica, contra 42% do público. E os elogios vêm acompanhados de que seria o único de fato original. Este artigo pretende trabalhar com a ideia de que os filmes de Star Wars se complementam, apesar de alguns serem mais criticados. A ascensão Skywalker é visto como um desastre, um dos piores da saga, que não teria acabado bem o que Rian Johnson começou. O objetivo aqui é mostrar que Abrams não apenas tentou seguir o estilo de Johnson, como também a reparar detalhes não tão bem trabalhados por seu antecessor. Todos os argumentos apontam para o contrário em algumas matérias que simplesmente entendem que o filme não explica seus motivos, como se o universo Star Wars existisse para fazer completo sentido lógico.

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Responsável por um excelente filme de adolescentes em homenagem ao noir, A ponta de um crime, e por uma ficção científica que soava como um quebra-cabeça, Looper, Rian Johnson foi convidado a dirigir e escrever o roteiro de Star Wars – Os últimos Jedi, a continuação de O despertar da força, o reinício da série criada por George Lucas desta vez por meio dos estúdios Disney, que comprou os direitos da franquia. No episódio anterior, dirigido por J.J. Abrams, havia uma necessidade clara de retomar a nostalgia do filme dos anos 70, mas com novos personagens reencontrando alguns dos antigos, Han Solo e Princesa Leia.
Os últimos Jedi mostra a perseguição da Primeira Ordem aos rebeldes liderados pela princesa Leia (Carrie Fischer), entre eles Poe Dameron (Oscar Isaac). O Supremo líder Snoke (Andy Serkis) está raivoso com o general Hux (Domhnall Glesson) por não conseguir impedir a escapada deles do planeta onde foram localizados. Sabe-se o quanto o anterior repetia referenciais de Uma nova esperança, o episódio de 77. Desta vez, as referências são O império contra-ataca e O retorno de Jedi. E não se trata de coibir a nostalgia.

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O episódio derivado da série, Rogue One, de 2016, se fazia em cima disso também, com talento insuspeito por Gareth Edwards. A questão é que aqui Rey (Daisy Ridley) está numa ilha do planeta aquático Ahch-To, onde se esconde Luke Skywalker (Mark Hamill), querendo ser treinada por ele. A aproximação com Yoda em O império contra-ataca não se dá apenas pela argumentação, como por meio de imagens e simbologias: as conversas sobre a individualidade se dão em cavernas e a heroína tem conversas psíquicas com Kylo Ren (Adam Driver), uma interessante opção, mas que tem origem na mesma ligação entre Skywalker e Vader no segundo e terceiro filme da primeira trilogia – com a diferença de que aqui Kylo e Rey se enxergam. Essas conversas psíquicas também evocam o encontro de Luke Skywalker com seu outro eu na viagem a Dagobah, quando adentra numa caverna em que surge Darth Vader, que ele confronta e derrota, arrancando sua cabeça, para ver a máscara dar lugar a seu próprio rosto.

Entre os rebeldes, Poe (Oscar Isaac), Finn (John Boyega), BB-8 e a mecânica Rose Tico (Kelly Marie Tran), envolvidos numa missão para chegar a um rastreador da Primeira Ordem, lembram Leia, Solo e companhia na perseguição à Millenium Falcon de O império contra-ataca, além de um mercenário feito por Benicio del Toro evocar Lando Calrissian. A saga de Star Wars começa a intensificar o que já se percebera em O despertar da força: ela trata dos fantasmas de fantasmas. As aparições de Yoda aqui se estabelecem como uma presença que incorpora o peso da saga de Lucas, e Johnson, ao mesmo tempo, quer tornar locações e personagens, como Abrams no filme de reinício, em extensões de um imaginário já conhecido, já visto, já sentido. Essa diferença se percebe na multiplicação de imagens de Rey na caverna. Tudo é repetição; todo personagem é fantasma de outro personagem, em morte ou em vida. Por isso, falar em originalidade aqui não cabe, pelo menos no seu conceito fundamental. É claro que Os últimos Jedi tem elementos técnicos que o diferenciam e também desenvolve passagens que parecem únicas, no entanto, em seu esqueleto, ele está ligado totalmente a O império contra-ataca e a O retorno de Jedi.

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Johnson tenta retomar elementos de O retorno de Jedi por meio de um cassino no planeta Canto Bight, mas de forma um pouco desajustada e com um tom predominantemente infantojuvenil, mesmo com sua crítica às armas e aos maus tratos a animais (temas que soam deslocados, como muitos outros). Se há algo claro nesta reinicialização de Star Wars é uma obsessão em conversar com o público mais jovem, mais do que os antigos. Johnson está sempre tentando inserir crianças em meio à ação. Edwards conseguiu bom resultado em Rogue One porque era um derivado, com mais liberdade, uma interessante narrativa sobre uma rebelde que quer reencontrar o pai e integra um grupo capaz de arriscar sua vida, porém Os últimos Jedi é uma coleção de frases já ouvidas em outros filmes da saga, com comportamentos e situações idênticas. Por isso, não é frutífera a ideia de que, havendo queixas, é porque se tenta deixar o passado de lado nesses novos Star Wars: o passado está presente o tempo inteiro, só por meio mais de outros personagens.
Adam Driver, apesar de um pouco de dificuldade de desenvolver seu vilão porque seus dilemas apenas repetem os de Darth Vader, tem boa atuação, enquanto Snoke (num CGI desanimador, quando cresceria com uma verdadeira maquiagem) é apenas outro Palpatine, contudo sem nenhum lado verdadeiramente ameaçador. O encontro entre Rey, Snoke e Kylo possui diálogos semelhantes aos que vemos em O retorno de Jedi, com Palpatine, Luke e Darth Vader.

Chega a ser desanimadora esta passagem, apesar de seu brilhantismo visual, porque o roteiro simplesmente submete os personagens aos mesmos conflitos de O retorno de Jedi. Do mesmo modo, os conflitos existentes aqui entre a almirante Amilyn Holdo (Laura Dern, certamente com saudade da peruca que usa em Twin Peaks – O retorno) e Poe Dameron, por exemplo, não apenas soam um tanto distantes, e desperdiçam grandes nomes, como Dern e Isaac, este num personagem que era animado no anterior e aqui se aproxima perigosamente de uma falta de empatia, como parecem apenas uma continuidade, por meio de outros personagens, do mesmo estilo de desentendimento entre a Princesa Leia e Han Solo em O império contra-ataca.
Já a parte final de Os últimos Jedi é uma réplica do início de O império contra-ataca, mas, ao contrário de o planeta ser o gelado Hoth é o áspero Crait. As imagens dizem mais.

Em termos gerais, a conclusão a que chega Os últimos Jedi é muito superficial: Kylo quer se aproximar de Rey para juntos governarem a galáxia, no entanto o que isso se difere de Palpatine querer que Vader se aproxime de Luke para ter o Império triunfante? A pergunta seria o que torna Os últimos Jedi tão original quando se vê a premissa, as imagens e subtramas que dele decorrem.

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Escolhido para dirigir a terceira parte, Colin Trevorrow deu espaço a J.J. Abrams novamente, que coescreveu A ascensão Skywalker com Chris Terrio, vencedor do Oscar de roteiro adaptado por Argo e responsável pela escrita de dois trabalhos polêmicos da DC (Batman vs Superman e Liga da Justiça).

Fala-se que Abrams nega o que Johnson acrescentou à série, mas, desde o início, ele adota uma atmosfera mais soturna, chuvosa e mesmo dark, sem a necessidade de destacar as cores habituais e seus lens flare, tentando se adequar visualmente à proposta visual de Johnson. O início, com Kylo Ren encontrando o vilão Palpatine, em Exegol, ressuscitado em forma de clone (que evoca a HQ Dark empire, ao que parece ignorada por especialistas), é uma visita a um lugar soturno da fantasia de Lucas nunca antes imaginado, só apenas superficialmente em A vingança dos Sith. As frotas do império que surgem sob as mãos de Palpatine são uma tentativa de Abrams retomar um vilão ausente nos dois anteriores e eliminado, na forma de Snoke, no segundo, de forma precipitada, fazendo Kylo se transformar quase numa figura bondosa. Como combater os fantasmas dos fantasmas senão com um clone? E assim Abrams faz. Ou seja, a argumentação recorrente de que Palpatine voltou por acaso em A ascensão Skywalker não é plausível, pois sem ele não haveria de fato vilão – e esta figura ajuda a construir o universo de Star Wars com seu papel de oposição. Palpatine é o símbolo da ameaça ao universo Jedi desde seu início, e a segunda trilogia de Lucas o demonstra bem. Não deveria surpreender sua volta aqui para a tentativa derradeira de derrotar os rebeldes.

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A ascensão Skywalker se afasta em partes definidas do colorido de O despertar da força para acompanhar Rey, Finn (John Boyega), Poe Dameron (Oscar Isaac), BB-8, Chewbacca (Joonas Suotamo) e C-3PO (Anthony Daniels) num encadeamento de cenas de ação, com mudança constante de planetas (trazendo uma sensação novamente de aventura no espaço sideral e um senso de distinção no trabalho de direção de arte). Isso fazia falta nos dois episódios anteriores e era uma característica das duas trilogias de Lucas. Abrams reaproveita o estilo de Johnson e o mescla com sua bateria de subtramas: desta vez, Kylo Ren vai a um planeta distante tomar ordens de uma figura inesperada, e passa a rastrear, com a ajuda dos generais Hux (Domhnall Gleeson) e Pryde (Richard E. Grant), o trio da Aliança Rebelde, coordenado por Leia (Carrie Fisher), numa busca feita a um objeto já cobiçado por Skywalker.
De fato, este terceiro filme acaba negando pontos suscitados por Johnson, como no início apressado, porém ele confere um humor mais natural e próximo das histórias de Lucas. A chegada dos rebeldes a um planeta desértico lembra tanto Tatooine quanto Marte, de John Carter, com um grupo de criaturas estranhas. Há uma perseguição fantástica de stormtroopers, assim como uma sequência que envolve Rey e Kylo que adquire uma grandiosidade, com efeitos visuais extraordinários. E C-3PO tem finalmente chance de brilhar depois da segunda trilogia toda e de estar deslocado nos dois primeiros filmes.

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Abrams se sente à vontade desta vez, construindo uma narrativa menos ligada até determinado ponto aos filmes anteriores, aplicando uma história de investigação, capaz de remeter principalmente à série Indiana Jones (principalmente Indiana Jones e o reino da caveira de cristal), antes, claro, de oferecer vários serviços para fãs. No entanto, antes de chegar lá, ele proporciona uma das melhores cenas de toda a saga Star Wars, além de finalmente notar que o trio principal, Chewbacca e C-3PO funcionam muito bem juntos e mantê-los separados em Os últimos Jedi não foi exatamente o mais acertado, embora ela tenha se dado também como um diálogo novamente com O império contra-ataca, em que havia o núcleo de Skywalker e o outro de seus amigos fugindo do império. Também mostra que Abrams soube avaliar os méritos do spin-off Rogue One, cujo núcleo de rebeldes era um destaque.

Há um descompromisso aqui em certos diálogos, mais ação e menos tentativa de seguir exatamente à risca um plano, como O despertar da força. Há também uma busca de Abrams em retomar temas de linhagens familiares usados em sua retomada de 2015 e um pouco ignorados por Johnson em Os últimos Jedi para dar espaço a discussões sobre falta de combustível numa nave espacial. É visível que Abrams também ignora personagens incluídos pelo sucessor, a exemplo de Rose Tico (Kelly Marie Train) para aplicar suas ideias, o que pode constituir uma estranheza a princípio, mas se torna autoral. Se nos vinte minutos iniciais a edição é tortuosa, com excesso de acontecimentos, sem a necessária ponderação para cada personagem, aos poucos Abrams, mesmo desperdiçando a retomada de uma conhecida figura, sabe como costurar escala e grandiosidade como em seus dois Star Trek, lembrando também um determinado momento de Interestelar. Ele também deixa de lado o tom infantojuvenil de O despertar da força e se guia por algumas pistas deixadas por Johnson, principalmente na ligação entre Rey e Kylo Ren, muito bem explorada em Os últimos Jedi e que aqui toma um ponto de inflexão interessante. Isso se mostra quando Dameron, Finn e Rey param em Kef Bir, onde caíram os destroços da Estrela da Morte em O retorno de Jedi. Uma sucata abandonada em meio a ondas gigantescas: é uma imagem de pesadelo no estilo habitualmente leve de Abrams e quando Rey adentra nela para encontrar o localizador que poderá leva-la a Exegol, a fim de deter Palpatine, ela se depara com um eu mais assustador, seu outro lado, como aquele com que se deparava Luke na caverna de Dagobah.

Rey precisa combatê-la e é um ganho de Johnson que Abrams segue. Do mesmo modo, ao final da luta entre Kylo e Rey, ele retoma a passagem que terminou com certo vínculo dos fãs de Star Wars: a morte de Solo em O despertar da força. Desta vez, Abrams se emociona, fazendo um grande meio de contato com a figura de Leia (o amor vencendo tudo), ao trazer o espírito de Solo (outro fantasma do fantasma em que já se tornara em O despertar da força), e leva Rey de volta ao planeta onde estava Skywalker, para encontrar a sua alma pedindo que ela cuide do sabre como uma jedi – uma referência ao modo como Johnson trata Luke, de forma um pouco humorada, em Os últimos Jedi. Ao tirar sua nave dos fundos da água da ilha, lembrando a tentativa que fez em O império contra-ataca concretizada por Yoda, Abrams costura uma grande nostalgia, contudo sempre com acréscimos, jogando a narrativa para a frente e usando o passado como motivo para uma superação atual.

Abrams se preocupa em justificar o voo no espaço sideral de Leia em Os últimos Jedi com imagens de ela mais jovem sendo treinada por Luke Skywalker. Faz uma ligação também com Rey, que fazia as pedras flutuarem ao final do filme de Johnson com aquelas com que ela treina na floresta. Ao contrário da grandiosidade de Johnson, Abrams se atém a quase uma cena zen budista. Também, ao mostrar que Rey se afasta da sua genealogia de Palpatine, ligando-se à dos Skywalker, ela faz justamente o contrário de Vader, que, como Annakin, se afastava das suas premissas boas, mesmo sendo um escolhido.

O passado de Rey, recuperado por Abrams por meio de flashbacks da infância da personagem, já existentes em O despertador da força, volta com outro direcionamento porque Johnson se recusou a analisá-lo, fazendo com que ela fosse considerada de uma família não ligada exatamente à Força. No entanto, Abrams deixava subentendido um passado enigmático sobre a personagem e precisava desenvolvê-lo no capítulo final. Se a escolha não parece ter sido a mais apropriada, foi um risco e opção interessantes de Abrams. Este está preocupado, sim, com a nostalgia; sua grande busca, porém, é tornar o que eram fantasmas dos fantasmas em O despertar da força e Os últimos Jedi em um novo reinício. Ao encerrar os conflitos entre Rey e Kylo com um beijo – fazendo com que seu destino lembre o de Vader, mas em outro contexto, do perdão do filho em relação ao pai -, ele não está simplificando: está simplesmente dizendo que as coisas em Star Wars são circulares e que George Lucas, embora alguns “fãs” não queiram, ainda é o criador desta saga e desta máquina de nostalgia. Abrams chega a contrariar Johnson, que tenta se entregar ao fato de necessariamente destacar personagens infantis, como subentendia ao final de Os últimos Jedi, com o intuito de agradar à Disney, optando por destacar o pôr do sol de Tatooine sendo observado agora por Rey e não Luke Skywalker. A maioria dos argumentos contrários que o leitor encontrar certamente têm uma ligação com pontos abordados pelo artigo “The Rise Of Skywalker: 5 Things It Got Wrong About Rey’s Origins (& 5 It Got Right)”, da Screen Rant. Nele, podem ser vistos os tópicos que os que contestam A ascensão Skywalker para enaltecer Os últimos Jedi costumam usar, às vezes até sem saber disso, de tanto ser replicado por críticos que querem inventar uma obra clássica no filme de Johnson.

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Pode-se dizer que em nenhum momento esta nova trilogia conseguiu ser original a ponto de se ver como uma obra independente, e também não se pode avaliar que foi um simples exercício de nostalgia. Há pontos interessantes, principalmente quanto a ligações familiares (e nem mesmo uma mais forçada me soou incômoda). A figura de Kylo Ren cresceu muito de O despertar da força para A ascensão Skywalker, também pelo amadurecimento de Driver, ator que foi se tornando um destaque. Ridley aqui se mostra também em seu melhor momento, afastando-se simplesmente da imagem de heroína juvenil e mostrando real conflito interior. Boyega e Isaac, cada um a seu tempo, se mostram também essenciais para a série se consolidar ao final. A morte de Carrie Fisher, por sua vez, fez com que imagens dela já filmadas fossem reaproveitadas em outro contexto, oferecendo uma certa dificuldade de imersão, porém, diante disso, até que suas cenas se encaixam bem.
O roteiro flui, com alguns problemas inevitáveis em certas transições, e, no terceiro ato, apesar de alguns exageros, é possível mesmo se emocionar em alguns pontos, graças à trilha sonora de John Williams.
Muitas pontas são costuradas e poucas ficam soltas, o que não deixa de ser um mérito para uma obra com o objetivo de concluir uma saga iniciada há mais de 40 anos. Considerado de modo geral um dos Star Wars mais fracos, além de menos arriscado do que o segundo (assim como O retorno de Jedi foi considerado em relação a O império contra-ataca nos anos 80), entendo o contrário: A ascensão Skywalker é um filme que pode ser reavaliado com o tempo. Prós ou contras, ele é o que mais se assemelha com a essência de Star Wars desde O retorno de Jedi, usando a nostalgia, no entanto acrescentando ideias. Em relação a esta saga cada espectador, admirador ou fã possui seus requisitos para avaliar a direção dada a cada filme, rendendo muitos debates. A impressão que se tem é que Abrams buscou unir os três filmes de maneira interessante e aberta a reflexões sobre esse universo fantástico. De certo modo, ele foi o primeiro a compreender que Star Wars é feito de um universo amplo e com polêmicas em meio a ele. Não por acaso, ele inclui os ewoks na cena de vitória contra o Império. É como se dissesse que todos os que gostam de algo de Star Wars fazem parte do mesmo time de espectadores.

Star Wars – A ascensão Skywalker (2019)

Por André Dick

Quando a Disney efetuou a compra dos direitos de Star Wars de George Lucas por uma soma significativa de dinheiro, que retornou praticamente no primeiro filme da nova trilogia, certamente estava querendo, mais do que projetos, expandir um universo com inúmeros personagens. Ela deu a J.J. Abrams a responsabilidade de retomar esse universo em O despertar da força, exatamente 10 anos depois de Lucas ter encerrado a segunda trilogia com A vingança dos Sith – na ordem cronológica, a primeira. Abrams já havia retomado uma franquia estelar com grande êxito, no Star Trek de 2009, rejuvenescendo a tripulação da Enterprise. À frente dos personagens básicos criados por Lucas, mas inserindo novos, ele não parecia se sentir tão à vontade. O resultado ficou num meio-termo entre a refilmagem disfarçada do filme de 1977 e a tentativa de alcançar um novo público.

Rian Johnson assumiu a direção de Star Wars – Os últimos Jedi, a sequência de O despertar, tentando inserir novos elementos na história de Rey (Daisy Ridley), que passa a ser treinada por Luke Skywalker (Mark Hamill) para ser uma jedi e enfrentar Kylo Ren (Adam Driver). Com um visual mais soturno do que o de Abrams, Johnson teria desvirtuado um pouco, para alguns, esse universo. No entanto, isso não chegava se dar de maneira completa: havia muitas semelhanças com O império contra-ataca, com Rey enfrentando a si mesma em cavernas escuras, como Luke em O império contra-ataca, Luke não queria treiná-la (como Yoda em relação a ele) e naves da Aliança Rebelde sendo perseguidas como a Millennium Falcon no filme de 1980, além de um mercenário feito por Benicio del Toro lembrar Lando Calrissian. Escolhido para dirigir a terceira parte, Colin Trevorrow deu espaço a J,J. Abrams novamente, que coescreveu A ascensão Skywalker com Chris Terrio, vencedor do Oscar de roteiro adaptado por Argo e responsável pela escrita de dois trabalhos polêmicos da DC (Batman vs Superman e Liga da Justiça).

Fala-se que Abrams nega o que Johnson acrescentou à série, mas, desde o início, ele adota uma atmosfera mais soturna, chuvosa e mesmo dark, sem a necessidade de destacar as cores habituais e seus lens flare, tentando se adequar visualmente à proposta visual de Johnson. A ascensão Skywalker se afasta em partes definidas do colorido de O despertar da força para acompanhar Rey, Finn (John Boyega), Poe Dameron (Oscar Isaac), BB-8, Chewbacca (Joonas Suotamo) e C-3PO (Anthony Daniels) num encadeamento de cenas de ação, com mudança constante de planetas (trazendo uma sensação novamente de aventura no espaço sideral e um senso de distinção no trabalho de direção de arte). Isso fazia falta nos dois episódios anteriores e era uma característica das duas trilogias de Lucas. Abrams reaproveita o estilo de Johnson e o mescla com sua bateria de subtramas: desta vez Kylo Ren vai a um planeta distante tomar ordens de uma figura inesperada, e passa a rastrear, com a ajuda dos generais Hux (Domhnall Gleeson) e Pryde (Richard E. Grant), o trio da Aliança Rebelde, coordenado por Leia (Carrie Fisher), numa busca feita a um objeto já cobiçado por Skywalker.
De fato, este terceiro filme acaba negando pontos suscitados por Johnson, como no início apressado, porém ele confere um humor mais natural e próximo das histórias de Lucas. A chegada dos rebeldes a um planeta desértico lembra tanto Tatooine quanto Marte, de John Carter, com um grupo de criaturas estranhas. Há uma perseguição fantástica de stormtroopers, assim como uma sequência que envolve Rey e Kylo que adquire uma grandiosidade, com efeitos visuais extraordinários.

Abrams se sente à vontade desta vez, construindo uma narrativa menos ligada até determinado ponto aos filmes anteriores, aplicando uma história de investigação, capaz de remeter principalmente à série Indiana Jones (principalmente Indiana Jones e o reino da caveira de cristal), antes, claro, de oferecer vários serviços para fãs. No entanto, antes de chegar lá, ele proporciona uma das melhores cenas de toda a saga Star Wars, além de finalmente notar que o trio principal, Chewbacca e C-3PO funcionam muito bem juntos e mantê-los separados em Os últimos Jedi não foi exatamente o mais acertado, embora ela tenha se dado também como um diálogo novamente com O império contra-ataca, em que havia o núcleo de Skywalker e o outro de seus amigos fugindo do império. Também mostra que Abrams soube avaliar os méritos do spin-off Rogue One, cujo núcleo de rebeldes era um destaque.
Há um descompromisso aqui em certos diálogos, mais ação e menos tentativa de seguir exatamente à risca um plano, como O despertar da força. Há também uma busca de Abrams em retomar temas de linhagens familiares usados em sua retomada de 2015 e um pouco ignorados por Johnson em Os últimos Jedi para dar espaço a discussões sobre falta de combustível numa nave espacial. É visível que Abrams também ignora personagens incluídos pelo sucessor, a exemplo de Rose Tico (Kelly Marie Train) para aplicar suas ideias, o que pode constituir uma estranheza a princípio, mas se torna autoral. Se nos vinte minutos iniciais a edição é tortuosa, com excesso de acontecimentos, sem a necessária ponderação para cada personagem, aos poucos Abrams, mesmo desperdiçando a retomada de uma conhecida figura, sabe como costurar escala e grandiosidade como em seus dois Star Trek, lembrando também um determinado momento de Interestelar. Ele também deixa de lado o tom infantojuvenil de O despertar da força e se guia por algumas pistas deixadas por Johnson, principalmente na ligação entre Rey e Kylo Ren, muito bem explorada em Os últimos Jedi e que aqui toma um ponto de inflexão interessante.

Pode-se dizer que em nenhum momento esta nova trilogia conseguiu ser original a ponto de se ver como uma obra independente, e também não se pode avaliar que foi um simples exercício de nostalgia. Há pontos interessantes, principalmente quanto a ligações familiares (e nem mesmo uma mais forçada me soou incômoda). A figura de Kylo Ren cresceu muito do primeiro para este, também pelo amadurecimento de Driver, ator que foi se tornando um destaque. Ridley aqui se mostra também em seu melhor momento, afastando-se simplesmente da imagem de heroína juvenil e mostrando real conflito interior. Boyega e Isaac, cada um a seu tempo, se mostram também essenciais para a série se consolidar ao final. A morte de Carrie Fisher, por sua vez, fez com que imagens dela já filmadas fossem reaproveitadas em outro contexto, oferecendo uma certa dificuldade de imersão, porém, diante disso, até que suas cenas se encaixam bem.
O roteiro flui, com alguns problemas inevitáveis em certas transições, e, no terceiro ato, apesar de alguns exageros, é possível mesmo se emocionar em alguns pontos, graças à trilha sonora de John Williams.
Muitas pontas são costuradas e poucas ficam soltas, o que não deixa de ser um mérito para uma obra com o objetivo de concluir uma saga iniciada há mais de 40 anos. Considerado de modo geral um dos Star Wars mais fracos, além de menos arriscado do que o segundo (assim como O retorno de Jedi foi considerado em relação a O império contra-ataca nos anos 80), entendo o contrário: A ascensão Skywalker é um filme que pode ser reavaliado com o tempo. Prós ou contras, ele é o que mais se assemelha com a essência de Star Wars desde O retorno de Jedi, usando a nostalgia, no entanto acrescentando ideias. Em relação a esta saga cada espectador, admirador ou fã possui seus requisitos para avaliar a direção dada a cada filme, rendendo muitos debates. A impressão que se tem é que Abrams buscou unir os três filmes de maneira interessante e aberta a reflexões sobre esse universo fantástico.

Star Wars – The rise of Skywalker, EUA, 2019 Diretor: J.J. Abrams Elenco: Carrie Fisher, Mark Hamill, Adam Driver, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Anthony Daniels, Naomi Ackie, Domhnall Gleeson, Richard E. Grant, Lupita Nyong’o, Keri Russell, Joonas Suotamo, Kelly Marie Tran, Ian McDiarmid, Billy Dee Williams Roteiro: J. J. Abrams e Chris Terrio Fotografia: Dan Mindel Trilha Sonora: John Williams Produção: Kathleen Kennedy, J. J. Abrams, Michelle Rejwan Duração: 142 min. Estúdio: Lucasfilm Ltd., Bad Robot Productions Distribuidora: Walt Disney Studios Motion Pictures