Rock em Cabul (2015)

Por André Dick

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Comédia dirigida por Barry Levinson, que fez filmes como O enigma da pirâmide, Rain Man, Avalon e Mera coincidência, além do recente (e inédito no Brasil) A baía, Rock em Cabul é um veículo para o talento de Bill Murray, capaz de sustentar uma trajetória desde o Saturday Night Live nos anos 70, com obras referenciais nos anos 80 (Os caça-fantasmas, Tootsie), 90 (Nosso querido Bob, Feitiço do tempo) e anos 2000 (Encontros e desencontros, Flores partidas), além de ter se tornado, desde Rushmore, no ator predileto de Wes Anderson. É um ator com potencial tanto de humor quanto dramático e caminha nesse meio-termo com raro talento, podendo até mesmo transformar uma participação especial (em Zumbilândia) no melhor momento de um filme. Poderíamos dizer como Woody Harrelson que é, afinal, o grande Bill Murray. Com uma bilheteria de 3 milhões para um custo modesto de 15, Rock em Cabul ingressou na lista de decepções do ano. Mais decepcionantes foram as críticas, certamente orientadas pelo politicamente correto e pela necessidade de os próprios norte-americanos criticarem a sua cultura quando ela aparece como influente em outro país, como se caracterizasse algo comercial ou desrespeitoso, em razão de a guerra já se constituir num assunto polêmico o bastante para dividir a população. Como fazer graça com temas que envolvem conflitos e militares em ação? Isto nunca poderia ser Timbuktu.

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No roteiro, Richie Lanz (Bill Murray) é um pretenso agente de novos músicos e trabalha no quarto de um motel em Van Nuys, na Califórnia. Depois de uma proposta, ele leva Ronnie (Zooey Deschanel, certamente brincando com seu personagem de Sim, senhor) para um turnê no Afeganistão em instâncias militares. Seu personagem é claramente um malandro, mas cuja humanidade e simpatia se sobressai à sua parcela menos confiável. Além de tudo, carrega a complicação de não poder ver sua filha, o que rende uma boa cena logo no início, depois de sua separação. O grande problema é que Ronnie foge com seu passaporte e dinheiro, deixando-o desesperado em Cabul. Determinada noite, ele conhece uma prostituta, Merci (Kate Hudson, um tanto subaproveitada, embora uma presença agradável), de quem fica amigo, assim como um motorista de táxi (o ótimo Arian Moayed), mas logo é ameaçado por Bombaim Brian (Bruce Willis, um pouco deslocado, mas atuando bem), enquanto conhece dois americanos com negócios suspeitos, Nick (Danny McBride) e Jack (Scott Caan). Interessado no que pode lhe ajudar para sair dessa enrascada, antes de tudo, ele descobre uma jovem afegã com talento, Salima (Leem Lubany). Repetindo a parceria de Moonrise Kingdom com Bruce Willis, Richie aproveita sua estadia em Cabul não apenas como forma de arrecadar dinheiro como de passar a ser o que tanto fala, um agente de música.

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A história foi adaptada de um documentário chamado Afghan Star, e se faz homenagem à protagonista dele, Setara Hussainzada. Com uma bela fotografia de Sean Bobbitt, parceiro de Steve McQueen, Rock em Cabul utiliza o cenário como uma espécie de sátira à própria procura de ídolos dos Estados Unidos. No entanto, como ver isso se é mais fácil ver que há uma exploração de uma cultura pela cultura ianque? É mais difícil ver que os americanos estão interessados em ficar dentro do quarto ou circulando pelas ruas enquanto explode uma guerra étnica do lado de fora. O personagem de Murray quer trocar ideias em vez de balas de metralhadora, então isso pode indicar que o americano simboliza a paz numa cultura em guerra? O que faz Merci, a prostituta, trabalhando num trailer dentro de uma base militar no Afeganistão? É preciso pensar em muitas coisas para negar que a narrativa tenha qualidade e uma sátira corrosiva por trás de sua linha fina e aparentemente simples (e é difícil negar que alguns personagens surgem e desaparecem sem dizer ao certo a que vieram). A mais fácil é realmente indicar que os diálogos e situações não têm respeito pela cultura afegã (Por via das dúvidas, o The Clash proibiu a música que dá título ao filme original ao longo da narrativa.) O personagem do agente feito por Murray tendo de aceitar o convite de uma tribo de afegãos e levar a eles um pouco de rock é o que marca esta obra de Barry Levinson.

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Barry Levinson já havia conseguido fazer uma comédia num cenário de guerra muito interessante nos anos 80, Bom dia, Vietnã, com Robin Williams. Aqui ele opta por uma visão mais distante dos acontecimentos e ainda assim tem uma certa coragem de fazer uma abordagem em que os países podem se unir por algum gosto, mesmo que isso pareça às vezes improvável ou açucarado para o espectador. Seu olhar não é menos profundo do que o Clint Eastwood em Sniper americano ao focalizar uma cultura estrangeira e um cenário em guerra, mas Rock em Cabul não é de Eastwood, e por isso precisa vir junto, nas críticas a ele, uma espécie de lição de moral embutida.
De qualquer modo, encontra no personagem de Murray uma figura empática, que diz a todos ter descoberto Madonna, e o ator está num bom momento, como recentemente também em Um santo vizinho. Sob determinado ângulo, o roteiro lembra Ishtar, comédia dos anos 80 com Warren Beatty e Dustin Hoffman, e é assinado por Mitch Glazer (que fez também o de Os fantasmas contra-atacam e A very Murray Christmas, com Murray), que se encarrega de não colocar uma ênfase desnecessária nos momentos de conflito, dosando a ironia nos momentos certos. Como um dos melhores filmes recentes de Levinson, A baía, Rock em Cabul é terrivelmente ignorado, como já o foi no ano passado Sob o mesmo céu, com o mesmo Murray em grande momento. Sinal de que as comédias de real qualidade não estão sendo prestigiadas como poderiam.

Rock the Kasbah, EUA, 2015 Diretor: Barry Levinson Elenco: Bill Murray, Kate Hudson, Bruce Willis, Zooey Deschanel, Danny McBride, Scott Caan, Kelly Lynch, Beejan Terra, Leem Lubany, Taylor Kinney, Fahim Fazli, Arian Moayed Roteiro: Mitch Glazer Fotografia: Sean Bobbitt Trilha Sonora: Marcelo Zarvos Produção: Bill Block, Ethan Smith, Mitch Glazer, Steve Bing Duração: 106 min. Distribuidora: Sony Pictures Estúdio: Dune Films / QED International / Shangri-La Entertainment / Venture Forth

Cotação 3 estrelas e meia

Kung fu panda 3 (2016)

Por André Dick

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Uma das tentativas de estabelecer confronto com a Pixar por parte da Dream Works foi, em 2008, a realização de Kung fu panda. Visto como um desenho mais popular do que os da Pixar, nunca chegou, apesar de sua qualidade, a receber a atenção merecida. Se a Dream Works tem como uma de suas características as séries de animação (a exemplo de Shreck, Madagascar e Como treinar o seu dragão), pode-se dizer que Kung fu panda é a principal no sentido de tentar elaborar uma saga com personagens bem definidos e que se correspondem ao longo dos filmes, com histórias particulares. Pode-se avaliar que ele não possui a reflexão de alguns desenhos considerados mais experimentais – principalmente aqueles vindos exatamente do Oriente –, mas dentro do que se propõe torna-se uma referência e não fica a dever para outros considerados superiores. Tudo circula em torno de um mestre, Shifu, e os cinco furiosos: Tigresa, Víbora, Macaco, Garça e Louva-Deus (com as vozes, no original, respectivamente, de Dustin Hoffman, Angelina Jolie, Lucy Liu, Jackie Chan, Seth Rogen e David Cross). No início, eles não podem acreditar que Po (voz de Jack Black), um panda que trabalha servindo comida com seu pai adotivo, Sr. Pong, possa se transformar no Dragão Guerreiro, escolhido pelo mestre Oogway, uma sábia tartaruga, capaz de manter a tranquilidade no vale onde mora.

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Kung-fu panda 10Depois de um primeiro filme com ótima apresentação de cada personagem – e ainda com os melhores momentos da série –, a continuação se destacou por uma belíssima direção de arte. O personagem estava mais maduro em relação ao anterior, mas é na questão familiar que o desenho se direcionava, mesmo com os toques de humor já presentes no original, para o drama: ele quer saber de onde veio e quem é sua família original. Po precisa libertar a China de uma terrível ameaça – para ele, não para os espectadores, que se deparam com um pavão terrível e ameaçador, Lord Shen –, e para isso conta com a ajuda de seus amigos do primeiro. Lá está novamente seu mestre, Shifu, a duvidar de seu potencial, mas acredita que ele deva buscar o “equilíbrio interior”, e o panda se sente ainda mais atrapalhado em muitos momentos, mas é certo que ele está amadurecendo e olhando para o passado. Nesse ponto, ele parece nos trazer toda uma certa ideia de infância de volta.
Neste terceiro filme, a busca pelo pai biológico continua, com a presença do seu pai adotivo, o ganso Sr. Pong a seu lado, e surge uma nova ameaça para os cinco furiosos e a tranquilidade do vale: a chegada do touro Kai (com voz de JK Simmons no original), que pretende se vingar tanto dos treinados por Shifu quanto atacar o vale secreto onde moram os pandas e, consequentemente, os familiares de Po. É mais exatamente o Tai Lung do primeiro filme com um acréscimo explicativo que desenvolve outra linhagem da série – e faz com que este se feche com o primeiro mais exatamente.

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Para isso, ele reencontra o seu pai, Li (voz de Bryan Cranston no original). Novamente o panda deve colocar à prova os seus talentos com a arte marcial, sempre sob o olhar de dúvida dos amigos. É esta a característica principal dessa série muito bem feita: o personagem principal é um herói apenas para os outros, pois em nenhum momento ele se considera como tal. Para ele, tudo não passa de uma grande honra, já que seus ídolos, os cinco furiosos, são considerados menos tarimbados do que ele para a missão que precisam enfrentar. Para uma nova sequência de imagens fantásticas do Oriente, que dialogam claramente com Akira Kurosawa desde o primeiro, assim como com as obras de Zhang Yimou, na profusão de cores dos cenários e figurinos, além de lutas bem coreografadas, tudo isso é suficiente – e minha esposa e meu sobrinho de 9 anos acharam o mesmo.
Os diretores da nova empreitada são Alessandro Carloni e Jennifer Yuh (também realizadora do segundo) e se percebe, pela presença também de Guillermo del Toro na produção executiva, o quanto Kung fu panda continua sendo um exemplo de animação com atenção a todos os detalhes. A versão em 3D desta terceira parte é particularmente muito bom, realçando, sobretudo, o pano de fundo da história e as belas paisagens do vale onde moram o panda e os cinco furiosos.

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Se o roteiro desta vez tenta mesclar os conceitos dos dois filmes anteriores – um vilão que ameaça destruir os cinco furiosos e a faceta de busca pela paternidade do segundo –, pode-se dizer que os melhores momentos são os da convivência de Po com o ambiente de seus familiares, excluindo um tanto a participação de seus antigos companheiros. São momentos em que os Carloni e Yuh exercem um dos melhores elementos que vemos no primeiro e no segundo filme: uma mescla interessante entre humor e drama, em que a discussão sobre as origens fica mais interessante quando se tenta assumir responsabilidades do presente, desta vez com Po tentando ser encarregado por seu mestre Shifu de continuar o treinamento dos companheiros. Há também uma nova personagem, Mei Mei (Kate Hudson no original), embora visivelmente subaproveitada. As ações de Po continuam no limite (com a dublagem, feita de modo exitoso, por Lúcio Mauro Filho), e é bem feita a nova participação de seu pai adotivo, S. Pong (James Hong no original e Pietro Mário na excelente dublagem). Não apenas pela temática de relação pai e filho como pela própria relação com seu mestre Shifu, Kung fu panda pode não encantar mais em razão de não ser mais original – o triunfo do primeiro –, mas chega a emocionar seus admiradores.

Kung fu panda 3, EUA, 2016 Diretor: Alessandro Carloni, Jennifer Yuh Elenco: Jack Black, Angelina Jolie, Dustin Hoffman, Jackie Chan, Seth Rogen, Lucy Liu, David Cross, James Hong, Bryan Cranston, Kate Hudson, JK Simmons Roteiro: Gleen Berger, Jonathan Aibel Trilha Sonora: Hans Zimmer Duração: 95 min. Distribuidora: Fox Film Produção: Melissa Cobb Estúdio: DreamWorks Animation / Oriental DreamWorks

Cotação 4 estrelas