Capitão Fantástico (2016)

Por André Dick

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O ator Viggo Mortensen já demonstrou sua versatilidade ao encarnar o herói Aragorn de O senhor dos anéis e papéis ultraviolentos em suas experiências com David Cronenberg, além de regressar à Argentina de origem no excepcional Jauja. Em Capitão Fantástico, segunda obra de Matt Ross, ele interpreta Ben Cash, que teve sua esposa Leslie (Trin Miller) internada por transtorno bipolar. Está sendo recebido com grande entusiasmo, inclusive com indicação ao Globo de Ouro de melhor ator em filmes de comédia, o que não acontecia talvez justamente desde Senhores do crime, de Cronenberg.
O casal já havia buscado as florestas, para fugir do modo de vida americano, segundo ele governado pelo capitalismo, instituindo o “dia de Noam Chomsky” e ensinando aos filhos todas as matérias, de modo que se tornem todos autodidatas, além de preparados fisicamente quase para minicompetições esportistas e caçarem para obter os próprios alimentos, ao mesmo tempo que se reúnem à noite ao redor de uma fogueira para cantar e falar de clássicos da literatura. Os filhos, com a situação da mãe, ficaram com Ben: Bodevan (George MacKay), Kielyr (Samantha Isler), Vespyr (Annalise Basso), Reillian (Nicholas Hamilton), Zaja (Shree Crooks) e Nai (Charlie Shotwell). É uma comunidade que poderia estar inserida perfeitamente em Hair, dos anos 70, e parte da linha narrativa é abordar que o homem é bom por natureza, na linha de Jean-Jacques Rousseau.

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Ele acaba encontrando a irmã de Leslie, Harper (Kathryn Hahn), casada com um desajeitado Dave (Steve Zahn), pais de dois filhos que não conhecem direito os estudos, quando fica sabendo de uma notícia delicada, à qual também se ligam Jack (Frank Langella) e Abigail (Ann Dowd), pais de sua esposa. Nos momentos mais acertados, o filme se sente um drama existencial sobre a vida e a morte autêntico; em outro, quando lança mão de nomes de nomes determinados, parece apenas atender a uma vontade de justificar que nada aqui realmente é autêntico. A ligação dele com os filhos, por exemplo, se sente apressada e remanejada para atender ao espectador e seus interesses de ver uma comédia com toques de drama. Sem dúvida, Ross pretende abordar uma temática mais séria em alguns momentos, contudo não sabe exatamente o tom que deveria adotar para atingir a seus objetivos. A abordagem de um policial no veículo em que transita a família representa bem essa indefinição, e Ross nunca se sente muito seguro na maneira de apresentar os diálogos.
Capitão Fantástico transita entre o indie conhecido, à la Pequena miss Sunshine, com toques aqui e ali, no visual, de Wes Anderson, principalmente de Os excêntricos Tenenbaums, e mesmo de Férias frustradas, na ligação do pai com o filho mais velho, que deseja ir para a faculdade, mas não sabe lidar com os interesses amorosos que surgem. São personagens deslocados que pretendem vivenciar experiências em comunidade, sem entenderem exatamente por que o pai precisa levá-los a uma vida longe do famigerado sistema que pode destruir o indivíduo na opinião dele. Nisso, o filme insiste em mostrá-los como parte de uma vida idílica, em que os problemas poderiam ser afastados por uma simples decisão familiar, quando isso não acontece normalmente.

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Se ele tem uma primeira metade muito bem definida, com o personagem central sendo realmente peculiar, aos poucos tudo vai se encaixando nos moldes de Hollywood, bastante previsível e mesmo frustrante, além da ingenuidade de parte de seu discurso não coincidir com o comportamento geral de alguns personagens. Falta uma certa acidez da segunda metade em diante que havia na primeira porque Ross não quer enfrentar justamente o “sistema” de filmes realizados para encantar o público com uma lição. Fica transparente que o roteiro ingressa num caminho que pretende apenas agradar ao espectador e despertá-lo para uma nobre lição, quando, na verdade, ele se sente melhor quando é descompromissado (a sequência em que a família veste um determinado figurino é exemplar no sentido do descompromisso que visa uma identificação forçada). Além disso, ele acaba buscando os mesmos rótulos que critica, fazendo da própria obra um manifesto daquilo que contesta. Este é o principal problema quando a proposta envolve ser atrevido: naturalmente, os personagens não são desse modo. De qualquer modo, classificar Capitão Fantástico dentro de um propósito que ele tenta delimitar não é interessante: este filme é, sobretudo, como lidar com o sentimento de autoengano. Até lá, ainda assim, pelo elenco, montagem, a linda fotografia de Stéphane Fontaine e certas sequências bem-humoradas, o filme vale a viagem. Afinal, ele trata em si de uma viagem interna e externa e, se o espectador ficar indiferente a certos problemas narrativos, pode se interessar além do esperado.

Captain Fantastic, EUA, 2016 Diretor: Matt Ross Elenco: Viggo Mortensen, Frank Langella, George MacKay, Samantha Isler, Annalise Basso, Nicholas Hamilton, Shree Crooks, Charlie Shotwell, Ann Dowd, Erin Moriarty, Missi Pyle, Kathryn Hahn, Steve Zahn Roteiro: Matt Ross Fotografia: Stéphane Fontaine Trilha Sonora: Alex Somers Produção: Jamie Patricof, Lynette Howell Taylor, Monica Levinson, Shivani Rawat Duração: 118 min. Distribuidora: Universal Estúdio: Electric City Entertainment / ShivHans Pictures

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