Além da linha vermelha (1998)

Por André Dick

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Filme de Terrence Malick com fotografia perfeita de John Toll (responsável pelo design visual de Cloud Atlas) e elenco grandioso, Além da linha vermelha, baseado em obra de James Jones, é o retrato de um momento da Segunda Guerra Mundial, desta vez do avanço de uma tropa – Companhia C – à Batalha de Guadalcanal, em 1942, para atacar os japoneses, mas aqui sob o ponto de vista existencial, ou seja, o personagem principal, Witt (Jim Caviezel) está longe, mas não tira seu pensamento do éden da Melanésia. O interessante é como num filme de guerra Malick consegue fotografar mínimos detalhes da natureza com tanta atenção. Para ele, mais ainda do que em seus filmes iniciais, dos anos 1970, a natureza é uma metáfora da própria existência humana.
Se Malick fez um drama de guerra filosófico, retomando uma trajetória de direção interrompida vinte anos antes, com Dias de paraíso, no mesmo ano Steven Spielberg empregou a meia hora mais impactante de sua carreira no início de O resgate do soldado Ryan, que inicia com a chegada de tropas americanas à praia francesa de Omaha, defendida por alemães, com imagens espetaculares e realistas, em que Tom Hanks interpreta o líder do pelotão. Depois dessa carnificina, ele é incumbido, com alguns de seus homens, a encontrar o último filho sobrevivente da família Ryan, para que não se abata uma tragédia completa sobre ela.
Basicamente, o filme relata essa busca. Mas Spielberg, com seu habitual talento para o manejo das câmeras e a fotografia cuidada, transforma este num dos filmes de guerra mais impressionantes, graças, também, à interpretação de todo o elenco, a começar pela de Hanks, que constrói um coronel com problemas físicos na mão e quer esconder isso da tropa. Ao final, quando chegam a uma cidadezinha em ruínas, preparam uma ofensiva contra nazistas que estão para invadi-la. É aí que Spielberg melhor mostra seu talento, num verdadeiro tour de force de som e efeitos especiais.

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Além da linha vermelha.Cena 4

O resgate do soldado Ryan constitui-se num filme de guerra com peso nostálgico e histórico (a cena inicial se completa na parte final), com uma certa dureza no que se refere à composição dos personagens – afinal, lida com um cenário de guerra –, mas que acaba preenchendo algumas lacunas com uma emoção calculada, rara em Spielberg, mais propenso a extravasar, o que ele faz com todos os tons permitidos a um diretor conhecido pelo olhar que tem sobre a ação. Diferente de Malick, que consegue, em Além da linha vermelha, por meio da guerra, retratar, de maneira mais densa e menos nebulosa, o que dela não faz parte. Os filmes, em sua abertura, se parecem, mas cada diretor toma suas escolhas diante das próprias características.
Malick é um cineasta que emprega os diálogos e os mínimos detalhes como o centro da ação. Desse modo, a preocupação do primeiro sargento Welsh (Sean Penn) em tirar Witt do Pacífico, da Melanésia, para reintegrá-lo no exército e guiá-lo para a ilha onde se dará o combate derradeiro, na Colina 210, peça-chave da artilharia japonesa, não passa de uma tentativa de convencer a si mesmo de que a guerra vale a pena (e certamente, ele sabe, não vale). O olhar do sargento interpretado por Hanks se direciona para a morte, e é dela que os personagens querem escapar em Além da linha vermelha, sem necessariamente conseguir.

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Além da linha vermelha.Malick.Cena 1

A percepção de Malick atravessa não apenas as paisagens, como o elenco, com uma série de astros em pontas (ficaram conhecidos os cortes que Malick impôs a atores consagrados naquele período, como Billy Bob Thornton). De maneira geral, a amplitude do cinema de Malick converge para um lugar filosófica, em que o amor e o vínculo entre as pessoas e seres humanos se desenham a distância ou em situações-limite. Embora haja sequências inteiras que remetem Além da linha vermelha a um gênero de guerra, parece que mais ainda Malick deseja uma filosofia das relações. O Tenente-Coronel Tall (Nick Nolte) fala com o general Quintard (John Travolta) – em momentos nos quais Anderson certamente se inspirou para compor O mestre –, mas a atenção de Malick está voltada para a paisagem. Do mesmo modo, Jack Bell (Ben Chaplin), está interessado mais em lembrar de sua mulher, Marty (Miranda Otto), num balanço e paisagens que seriam intensificadas em A árvore da vida e To the wonder. Temos ainda o capitão James Staros (Elias Koteas), o cabo Fife (Adrien Brody), o soldado Jack Bell (Ben Chaplin), o capitão Charles Bosche (George Clooney), o capitão John Gaff (John Cusack), o sargento Keck (Woody Harrelson), o sargento Maynard Storm (John C. Reilly) e o sargento McCron (John Savage), entre outros.
Todos os personagens têm em algum momento ligação entre si, mas Malick está certamente mais interessado no retrato que faz de imagens idílicas, do capim alto em que os soldados rastejam para atingir a colina inimiga, o cenário paradisíaco, com crocodilos, galhos em rios, ilhas minúsculas perdidas no meio do mar e árvores altas, que, no entanto, reservam uma sequência de tiros incalculável. A morte está sempre à espreita, mas, para esses personagens, a morte não significa exatamente o afastamento da natureza idílica? Para Malick, há uma presença divina em meio a um cenário caótico de guerra, e quando os homens precisam se deparar com algum corpo entregue ao verde das colinas tentam desviar seu olhar para o vento e os pássaros, ou para as lembranças, sempre ligadas a algum elemento da natureza: os raios de sol e as cortinas esvoaçantes de uma pintura de Andrew Wyeth. Não se trata, para Malick, de estetizar a guerra, mas de mostrar a solidão dela e o adensamento de trilhas solitárias em meio às árvores de uma mata fechada.

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Além da linha vermelha.Cena 1Se Coppola colocou quilos de napalm para explodir em Apocalypse now e Kubrick transformou a guerra num centro repleto de soldados sob o comando de prometer o cumprimento da morte em nome da corporação, Malick contorna todos com o simples olhar de dentro da guerra e sua reflexão, caracterizada mais pelo olhar estupefato do que pela certeza. A cada tomada de atitude em relação ao combate e cada acampamento montado, Malick está tratando da impermanência da humanidade e do modo como ela se adapta à loucura, mas apenas a controla por meio de lembranças, até que consiga aceitar, finalmente, que não passa de uma pequena ilha solitária na corrente e contra um horizonte não necessariamente aberto. O passado é tão presente quanto a invasão a Guadalcanal, pois é preciso uma justificativa, mesmo que mínima, para que se tenha chegado ali com vida. Malick não consegue retribuir esta justificativa para o espectador diante do peso dramático dos componentes que seleciona ao longo de sua obra, e não consegue se comprometer com o vazio que passa a existir depois da derrocada de um grupo de combatentes. Há um sentido forte de afastamento em Além da linha vermelha como havia sobretudo em Dias de paraíso, e é ele que consegue, ao mesmo tempo, aproximar os personagens de um Éden almejado.

In the red line, EUA, 1998 Diretor: Terrence Malick Elenco: Nick Nolte, Jim Caviezel, Sean Penn, Elias Koteas, Ben Chaplin, Dash Mihok, John Cusack, Adrien Brody, John C. Reilly, Woody Harrelson, Miranda Otto, Jared Leto, John Travolta, George Clooney, Nick Stahl, Thomas Jane, John Savage, Will Wallace, John Dee Smith, Kirk Acevedo, Penelope Allen, Kazuyoshi Sakai, Masayuki Shida, Hiroya Sugisaki, Kouji Suzuki, Tomohiro Tanji, Minoru Toyoshima, Terutake Tsuji, Jimmy Xihite, Yasuomi Yoshino, John Augwata Produção: Robert Michael Geisler, Grant Hill, John Roberdeau Roteiro: Terrence Malick Fotografia: John Toll Trilha Sonora: Hans Zimmer Duração: 170 min. Distribuidora: Não definida Estúdio: Fox 2000 Pictures / Phoenix Pictures / Geisler-Roberdeau

Cotação 5 estrelas

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