Shazam! (2019)

Por André Dick

Dos mais recentes projetos de super-heróis, talvez o mais improvável seja Shazam! Depois de ter seu roteiro circulando por vários anos, certamente o sucesso de Deadpool abriu espaço para mais um personagem do gênero com tom cômico. Além disso, a Warner/DC vem, desde Mulher-Maravilha, adequando seus filmes mais ao público juvenil, embora não se deva subestimar a presença do idealizador do universo expandido da companhia no cinema de Zack Snyder. Assim como o filme de Jenkins, tanto a versão em conjunto com Joss Whedon de Liga da Justiça e Aquaman possuem vários pontos de contato com o estilo de Snyder, ao contrário do que repete quase em uníssono a crítica, como se a visão dele fosse intrusa. Aquaman, apesar das escolhas de James Wan, e o novo Shazam!, com seu apelo infantil, são parte de uma mesma visão.

Dirigido por David F. Sandberg, que realizou dois sucessos de bilheteria, Quando as luzes se apagam e Annabelle – A criação do mal, Shazam! tem elementos que recorrem ao clima oitentista e à história de Quero ser grande, com Tom Hanks, assim como várias cenas assustadoras e elementos tão soturnos (ou ainda mais) que qualquer momento de Batman vs Superman, embora por trás haja uma validação familiar mais propensa ao público juvenil e um clima natalino aparentemente inofensivo, rendendo até uma brincadeira com a figura do Papai Noel.
Ele tem como vilão Thaddeus Silvana (Ethan Pugiotto), que em 1974 foi levado para a Rock of Eternity, onde conhece Shazam (Djimon Hounsou), e se encontram estátuas que remetem aos sete pecados capitais, a fim de que possa ser testado, em momentos que remetem a O cristal encantado. No entanto, ele falha. Anos depois, na Filadélfia, Billy Batson (Asher Angel) é preso na busca por seu pai, aos 14 anos. Ele é adotado pela família Vasquez, Victor (Cooper Andrews) e Rosa (Marta Milans), e vai morar numa casa em que divide o quarto com Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer), um admirador dos super-heróis da DC. Nela, também moram Mary Bromofield (Grace Fulton), Eugene Choi (Ian Chen), Pedro Peña (Jovan Armand) e Darla Dudley (Faithe Herman).

Num determinado momento, ele conhece o mesmo Shazam que havia dado uma oportunidade a Silvana, que cresceu e se transformou numa ameaça da área científica (Mark Strong, prosseguindo com vigor seu papel de vilão em John Carter) – e é escolhido como seu oponente, depois de uma cena fantástica num metrô e de ajudar seu amigo Billy na escola. Como em Quero ser grande, é Billy que passa a ajudá-lo a encarar o fato de que, quando ele diz a palavra Shazam, ele se torna um super-herói de mais idade (Zachary Levi). De modo geral, é possível entender que o universo compartilhado da DC se movimenta mais por temas, como deveria ser, e não por referências a personagens que soam intrusivos em tramas diferentes, como a própria ausência da família original que vemos também em outros super-heróis da companhia, a exemplo de Superman, Batman e Aquaman. Mas cada um funciona num plano: a questão é que os filmes de Snyder para Batman e Superman lidam com figuras deslocadas de uma maneira dramática, o que não necessariamente funciona para os demais. De qualquer maneira, sua paleta soturna se repete em todos os filmes, em alguns mais e em outros menos, e Shazam! praticamente a utiliza de ponta a ponta, com exceção para poucas sequências (como a mais engraçada, envolvendo um ônibus).
É Levi certamente o primeiro motivo para Shazam! funcionar tão bem. Com um timing preciso de humor, ele, por meio de um roteiro ágil de Henry Gayden, não segue o curso de Ryan Reynolds, mas se mantém num plano mais ingênuo, de descoberta sobre super-poderes e com uma despretensão que remete aos melhores momentos de Superman, nos anos 70, embora mais leve. A cena que se passa numa loja de brinquedos utiliza uma comicidade certamente mais orgânica do que até mesmo o primeiro Homem-Formiga, uma referência do gênero na dissolução entre ação e comédia. E ele faz lembrar o quanto é lamentável achar que o gênero de super-herói deve funcionar com ação entreameada por elementos cômicos: ao usar muita sátira, principalmente com a série Rocky, quando o que é engraçado é justamente um campo de ingenuidade. Isso com a colaboração essencial de Jack Dylan Grazer, como um adolescente fisicamente debilitado, porém com vontade de ajudar o amigo a entender seus novos poderes.

No entanto, não se deve subestimar a direção de Sandberg, que tem muita noção de elementos da história do cinema. Quando as luzes se apagam, por exemplo, tem muito dos filmes de Dario Argento, na utilização de cores, e o segundo e subestimado Annabelle remete aos exemplares da série Psicose dos anos 80, com uma cadeia de sustos impressionante e precisa, apesar de utilizar diversos lugares-comuns. Ambas as peças de Sandberg podem se sentir igualmente como episódios estendidos da série Além da imaginação ou uma peça de Creepshow dos anos 80 – de forma competente, não como no recente Nós –, mas se sustentam mais no seu diálogo visual e na temática de relacionamento familiar. Sandberg tem realmente noção de estética, não dependendo de produtores para colocá-la em prática, utilizando pouco CGI e ótimos efeitos visuais. Shazam! é um dos filmes mais bem resolvidos no campo, parecendo uma espécie de parque de diversões noturno, e suas influências no terceiro ato vão da série Harry Potter a Matrix revolutions. O uniforme do super-herói poderia ser kitsch, no entanto ele funciona de forma exata em meio a esse clima de mansão mal-assombrada ou trem fantasma em que se convertem alguns momentos com uma violência inesperada, remetendo principalmente ao curta-metragem de Sandberg que deu origem a Quando as luzes se apagam. Há uma série de gags que também se direcionam mais ao público adulto, nunca menosprezando também o público mais novo, além de ser uma surpresa de Sandberg o talento para cenas de ação bem encadeadas, visto que não é seu gênero de surgimento.

Shazam!, EUA, 2019 Diretor: David F. Sandberg Elenco: Zachary Levi, Mark Strong, Asher Angel, Jack Dylan Grazer, Djimon Hounsou, Cooper Andrews, Marta Milans, Grace Fulton, Ian Chen, Jovan Armand, Faithe Herman, Ethan Pugiotto Roteiro: Henry Gayden Fotografia: Maxime Alexandre Trilha Sonora: Benjamin Wallfisch Produção: Peter Safran Duração: 132 min. Estúdio: New Line Cinema, DC Films, The Safran Company, Seven Bucks Productions, Mad Ghost Productions Distribuidora: Warner Bros. Pictures

Thor – O mundo sombrio (2013)

Por André Dick

Thor.O mundo sombrio

Em 2011, foi dado início à franquia de Thor, depois de Hulk e Homem de ferro ganharem seus filmes, não sem críticas sobretudo à adaptação feita por Ang Lee, hoje visto como um cult. O Homem de ferro de Jon Favreau não antecipava o terceiro episódio este ano, com sua tentativa de transformar o herói e se destacava sobretudo pelo humor. Já Thor recebeu a direção do especialista em Shakespeare Kenneth Branagh, que, ao mesmo tempo, equilibrou o tom trágico, de traições entre irmãos e duelos entre esses e os pais, sem esquecer de uma boa dose de humor, trazendo batalhas para o deserto do Novo México, com a presença dos agentes da SHIELD. Críticas à parte, o primeiro Thor, com sua trilha melancólica de Patrick Doyle (modificada aqui para a de Brian Tylerk), era um bom início de franquia. No início deste segundo, depois da batalha de Nova York, os roteiristas tentam explicar por que o deus nórdico não pôde visitar Jane Forster (Natalie Portman), que continua atrás dele, com a ajuda da amiga Darcy Lewis (Kat Dennings), enquanto seu amigo, Dr. Erik Selvig (Stellan Skarsgård), está com a cabeça em polvorosa depois de Loki (Tom Hiddleston) tê-lo transformado em Os vingadores.
Thor está levando seu irmão de volta a Asgard, onde será decretada sua prisão pelo pai, Odin (Anthony Hopkins), depois dos acontecimentos em Nova York, mas sempre vigiando, com a ajuda de Heidall (Idris Elba), onde está Foster, enquanto enfrenta batalhas para manter a paz dos Nove Reinos – sobretudo quando precisa encontrar um monstro de pedra gigante em meio a um cenário de início de batalha de Gladiador (antes, o filme também reserva sua porção de O senhor dos anéis). Em Londres, Foster, com a amiga Darcy, descobre um lugar que pode dar passagem a um universo que desconhece. Entra em cena o vilão do filme, Malekith (Cristopher Eccleston), o líder dos elfos negros, que está atrás do Éter (uma espécie de Tesseract deste filme), uma substância capaz de trazer as trevas se cair em mãos erradas. Ao mesmo tempo, a mãe de Thor, Frigga (Rene Russo), tenta convencer Loki a se desculpar por seus erros, mas ele não parece estar muito interessado nisso, embora preocupado com a possível prisão eterna que terá de enfrentar.

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O novo diretor, Alan Taylor (da série Game of thrones), não consegue dar de início a mesma intensidade de Branagh aos personagens, e o filme tem um problema principalmente quando assistido em 3D: as cores ficam excessivamente monocromáticas, prejudicando muitas sequências (e o 3D pouco acrescenta). Com todas suas falhas como arquiteto visual, Branagh é especialista em tirar grandes interpretações. Neste novo Thor, este elemento parece se ausentar na retomada dos personagens, que parecem se reencontrar sem nenhuma vontade: o reencontro de Thor com Jane é, sem dúvida, um daqueles mais sem esperança que o cinema mostrou num filme de super-heróis, e mesmo o emblemático Hopkins parece não acreditar numa linha sequer do que o roteiro lhe reservou, apesar de empregar certa suntuosidade em suas caminhadas e no olhar. Chris Hemsworth, por sua vez, parece deslocado pela primeira vez no início do filme, enquanto Portman ainda não conseguiu reencontrar-se com a atriz de Cisne negro, também porque o roteiro não permite, mas se ela conseguiu contracenar com Hayden Christensen em algum ponto e saiu ilesa deve ser dado a ela algum crédito. O vilão, feito por um maquiado Eccleston, vai se tornando num de seus pontos mais fracos, pois sua motivação parece mal explicada, e nunca lhe é dada a participação necessária para impor alguma espécie de ameaça – talvez porque o grande vilão da franquia seja mesmo Loki.
No entanto, acompanhado de uma coleção de efeitos especiais e direção de arte bem elaborada (embora mais noturna do que a do primeiro), Thor – O mundo sombrio reserva dois atores que também se destacaram no primeiro filme: Tom Hiddleston e Stellan Skarsgård. Hiddleston conseguiu quase roubar Meia-noite em Paris com sua participação, em meio a um grande elenco, tornou interessante, ao lado de Rachel Weisz um filme que sem os dois seria difícil de ser assistido, Amor profundo, e participa do único hiato de Cavalo de guerra que vale a pena, enquanto Skarsgård, acostumando-se a trabalhar longe de Lars von Trier, é um ator cada vez mais versátil (já no primeiro filme, ele conseguia dar consistência a algumas passagens que um ator menos experiente não aproveitaria). As participações de ambos, com a subestimada Kat Dennings – humorista conhecida, depois de O virgem de 40 anos –, e o reencontro dos personagens com a tragédia familiar, no melhor estilo introduzido por Branagh, no primeiro filme, e com um bom número de cenas em que se vê que o próprio elenco não está levando o filme tão sério, inclusive o próprio herói, trazem Thor – O mundo sombrio de volta à cena, e, quando isso acontece, pode-se esquecer a decepção em que ele ingressava.

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Quando Thor e Loki precisam tomar um rumo depois de um acontecimento familiar decisivo, o tom de conflitos ressurge, e Hemsworth e Hiddleston têm certamente uma maestria em contracenarem juntos e darem razão a boas sequências de ação e, por mais malucas as falas de Loki, elas soam verossímeis.
Nesse sentido, enquanto sua primeira metade certamente não lembra a espontaneidade do primeiro Thor, nem mesmo a agilidade narrativa que tinha na apresentação dos personagens, com a caminhada de homens vestidos de vikings num cenário de faroeste, sua segunda metade reserva excelentes momentos de ação e humor, além dessas atuações decisivas (mesmo Hopkins, em determinado momento, parece finalmente entrar no filme, mesmo que rapidamente, embora Rene Russo seja deslocada), e uma influência clara de Prometheus e o cult movie Krull, além de um bom par de cenas de ação fantásticas. O humor ressurge novamente nos conflitos de costumes entre a formalidade de Asgard e o relaxamento na Terra. Não há, claro, nenhuma grande elaboração no relacionamento entre Thor e Jane, nem a temática do conflito entre os irmãos e destes com o pai consegue atingir as mesmas notas atingidas por Branagh, mas, de certo modo, Thor O mundo sombrio consegue ser um filme que consegue lembrar uma agilidade narrativa e um certo humor mais saudável que existia nos filmes de ação das décadas passadas e que os filmes dos heróis da Marvel conseguem reviver. Em certos momentos, ele pareceu lembrar o humor involuntário de Indiana Jones e a última cruzada, em que Sean Connery e Harrison Ford estão se divertindo em cena, mais do que atuando. Num blockbuster que pretende faturar bilhões, e poderia dar privilégio às cenas de destruição, não deixa de ser uma qualidade e tanto.

Thor – The dark world, EUA, 2013 Diretor: Alan Taylor Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Anthony Hopkins, Tom Hiddleston, Christopher Eccleston, Idris Elba, Kat Dennings, Rene Russo, Stellan Skarsgård,  Zachary Levi, Chris O’Dowd Roteiro: Christopher Markus, Christopher Yost, Stephen McFeely Fotografia: Kramer Morgenthau Trilha Sonora: Brian Tyler Produção: Kevin Feige Duração: 111 min. Distribuidora: Disney Estúdio: Marvel Studios

Cotação 3 estrelas e meia