Por André Dick
Dos mais recentes projetos de super-heróis, talvez o mais improvável seja Shazam! Depois de ter seu roteiro circulando por vários anos, certamente o sucesso de Deadpool abriu espaço para mais um personagem do gênero com tom cômico. Além disso, a Warner/DC vem, desde Mulher-Maravilha, adequando seus filmes mais ao público juvenil, embora não se deva subestimar a presença do idealizador do universo expandido da companhia no cinema de Zack Snyder. Assim como o filme de Jenkins, tanto a versão em conjunto com Joss Whedon de Liga da Justiça e Aquaman possuem vários pontos de contato com o estilo de Snyder, ao contrário do que repete quase em uníssono a crítica, como se a visão dele fosse intrusa. Aquaman, apesar das escolhas de James Wan, e o novo Shazam!, com seu apelo infantil, são parte de uma mesma visão.
Dirigido por David F. Sandberg, que realizou dois sucessos de bilheteria, Quando as luzes se apagam e Annabelle – A criação do mal, Shazam! tem elementos que recorrem ao clima oitentista e à história de Quero ser grande, com Tom Hanks, assim como várias cenas assustadoras e elementos tão soturnos (ou ainda mais) que qualquer momento de Batman vs Superman, embora por trás haja uma validação familiar mais propensa ao público juvenil e um clima natalino aparentemente inofensivo, rendendo até uma brincadeira com a figura do Papai Noel.
Ele tem como vilão Thaddeus Silvana (Ethan Pugiotto), que em 1974 foi levado para a Rock of Eternity, onde conhece Shazam (Djimon Hounsou), e se encontram estátuas que remetem aos sete pecados capitais, a fim de que possa ser testado, em momentos que remetem a O cristal encantado. No entanto, ele falha. Anos depois, na Filadélfia, Billy Batson (Asher Angel) é preso na busca por seu pai, aos 14 anos. Ele é adotado pela família Vasquez, Victor (Cooper Andrews) e Rosa (Marta Milans), e vai morar numa casa em que divide o quarto com Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer), um admirador dos super-heróis da DC. Nela, também moram Mary Bromofield (Grace Fulton), Eugene Choi (Ian Chen), Pedro Peña (Jovan Armand) e Darla Dudley (Faithe Herman).
Num determinado momento, ele conhece o mesmo Shazam que havia dado uma oportunidade a Silvana, que cresceu e se transformou numa ameaça da área científica (Mark Strong, prosseguindo com vigor seu papel de vilão em John Carter) – e é escolhido como seu oponente, depois de uma cena fantástica num metrô e de ajudar seu amigo Billy na escola. Como em Quero ser grande, é Billy que passa a ajudá-lo a encarar o fato de que, quando ele diz a palavra Shazam, ele se torna um super-herói de mais idade (Zachary Levi). De modo geral, é possível entender que o universo compartilhado da DC se movimenta mais por temas, como deveria ser, e não por referências a personagens que soam intrusivos em tramas diferentes, como a própria ausência da família original que vemos também em outros super-heróis da companhia, a exemplo de Superman, Batman e Aquaman. Mas cada um funciona num plano: a questão é que os filmes de Snyder para Batman e Superman lidam com figuras deslocadas de uma maneira dramática, o que não necessariamente funciona para os demais. De qualquer maneira, sua paleta soturna se repete em todos os filmes, em alguns mais e em outros menos, e Shazam! praticamente a utiliza de ponta a ponta, com exceção para poucas sequências (como a mais engraçada, envolvendo um ônibus).
É Levi certamente o primeiro motivo para Shazam! funcionar tão bem. Com um timing preciso de humor, ele, por meio de um roteiro ágil de Henry Gayden, não segue o curso de Ryan Reynolds, mas se mantém num plano mais ingênuo, de descoberta sobre super-poderes e com uma despretensão que remete aos melhores momentos de Superman, nos anos 70, embora mais leve. A cena que se passa numa loja de brinquedos utiliza uma comicidade certamente mais orgânica do que até mesmo o primeiro Homem-Formiga, uma referência do gênero na dissolução entre ação e comédia. E ele faz lembrar o quanto é lamentável achar que o gênero de super-herói deve funcionar com ação entreameada por elementos cômicos: ao usar muita sátira, principalmente com a série Rocky, quando o que é engraçado é justamente um campo de ingenuidade. Isso com a colaboração essencial de Jack Dylan Grazer, como um adolescente fisicamente debilitado, porém com vontade de ajudar o amigo a entender seus novos poderes.
No entanto, não se deve subestimar a direção de Sandberg, que tem muita noção de elementos da história do cinema. Quando as luzes se apagam, por exemplo, tem muito dos filmes de Dario Argento, na utilização de cores, e o segundo e subestimado Annabelle remete aos exemplares da série Psicose dos anos 80, com uma cadeia de sustos impressionante e precisa, apesar de utilizar diversos lugares-comuns. Ambas as peças de Sandberg podem se sentir igualmente como episódios estendidos da série Além da imaginação ou uma peça de Creepshow dos anos 80 – de forma competente, não como no recente Nós –, mas se sustentam mais no seu diálogo visual e na temática de relacionamento familiar. Sandberg tem realmente noção de estética, não dependendo de produtores para colocá-la em prática, utilizando pouco CGI e ótimos efeitos visuais. Shazam! é um dos filmes mais bem resolvidos no campo, parecendo uma espécie de parque de diversões noturno, e suas influências no terceiro ato vão da série Harry Potter a Matrix revolutions. O uniforme do super-herói poderia ser kitsch, no entanto ele funciona de forma exata em meio a esse clima de mansão mal-assombrada ou trem fantasma em que se convertem alguns momentos com uma violência inesperada, remetendo principalmente ao curta-metragem de Sandberg que deu origem a Quando as luzes se apagam. Há uma série de gags que também se direcionam mais ao público adulto, nunca menosprezando também o público mais novo, além de ser uma surpresa de Sandberg o talento para cenas de ação bem encadeadas, visto que não é seu gênero de surgimento.
Shazam!, EUA, 2019 Diretor: David F. Sandberg Elenco: Zachary Levi, Mark Strong, Asher Angel, Jack Dylan Grazer, Djimon Hounsou, Cooper Andrews, Marta Milans, Grace Fulton, Ian Chen, Jovan Armand, Faithe Herman, Ethan Pugiotto Roteiro: Henry Gayden Fotografia: Maxime Alexandre Trilha Sonora: Benjamin Wallfisch Produção: Peter Safran Duração: 132 min. Estúdio: New Line Cinema, DC Films, The Safran Company, Seven Bucks Productions, Mad Ghost Productions Distribuidora: Warner Bros. Pictures