Avatar (2009)

Por André Dick

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Esta ficção científica feita pelo mesmo James Cameron de Aliens – O resgate e O segredo do abismo tem uma história simples: mostra o exército de humanos da empresa de mineração RDA contra os habitantes nativos, os Na’vi, de um planeta distante (Pandora) – numa espécie de simbologia para o Velho Mundo encontrando o Novo Mundo. Mas é essa história que deixa espaço para Cameron mostrar o visual impactante.
O fuzileiro Jake Sully (Sam Worthington), que foi ferido em batalha e está em cadeira de rodas, atua como um avatar numa pesquisa coordenada por uma bióloga, Grace Augustine (Sigourney Weaver), cuja equipe tem ainda Trudy (Michelle Rodriguez) e Norm Spellman (Joel Moore Jake), com o intuito de descobrir o que desejam os nativos de Pandora. Para isso, Jake, que é irmão gêmeo do avatar anterior, passa a ser uma espécie de porta-voz. No entanto, os militares enviados para detonar Pandora não estão muito interessados neste aspecto de pesquisa biológica. Nem interessados nos livros que tratam do meio ambiente de Pandora. Há sobretudo o coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) e um burocrata, Parker Selfridge (Giovanni Ribisi). O objetivo é encontrar um determinado mineral que serviria à vida na Terra e o coronel faz um trato com Jake de que, se ele trouxer informações interessantes dos Na’vi, poderá caminhar novamente. No entanto, ele e Parker não se importam, por exemplo, com o fato de que a árvore que querem destruir para descobrir outras relíquias guarda um mistério.

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As cenas em que aparecem os avatares (de Jake e Grace) são, sem dúvida, as melhores, e a primeira entrada na floresta, em meio a um confronto indesejado, se mostra na medida exata, mas em algum ponto da metade da narrativa – quando Sully começa a fazer seu diário de experiências e trata da convivência com os habitantes do povo Na’vi, sobretudo com Neytiri (Zoe Saldana, de Star Trek), por quem inevitavelmente se apaixona – que Avatar se perde um pouco, porém não totalmente, pois ainda estamos em meio a cenários fantásticos. A floresta é uma criação notável, com fluidos e imagens de teias brilhantes caindo sobre os seres, o que mostra uma visão de Cameron para o amanhã da humanidade (enquanto os interiores das estações lembram Aliens, com suas lâmpadas fosforescentes). Em certos momentos, a textura das imagens lembra a de um desenho animado, com a ressalva de que, mesmo assim, o filme entrega camadas referenciais de natureza (rochas, águas, árvores). De qualquer modo, Cameron está interessado no que os burocratas podem fazer, o que acontece desde o tempo em que roteirizou Rambo II e dirigiu O exterminador do futuro 1 e 2, Aliens – O resgate, True lies e O segredo do abismo. Cameron os coloca como verdadeiras ameaças para qualquer paz, e Miles como o protótipo disso (a partir de determinado momento, suas atitudes chegam a ser engraçadas de tão absurdas).
Há uma presença dos elementos já vistos em O segredo do abismo, que começava em plena ação, com um submarino nuclear, o USS Montana, naufragando misteriosamente, depois de avistar luzes no fundo do oceano. Em seguida, uma expedição de resgate, liderada por Virgil (Ed Harris), é enviada para tentar se descobrir a causa do acidente. Divorciado da mulher, Lindsey (Mary Elizabeth Mastrantonio), também da marinha, a viagem se complica quando toda a tripulação começa a ficar perturbada com os estranhos acontecimentos de luzes flutuantes, surgindo um vilão, Hiram (Michael Biehn). Eles começam a descer nesse abismo, onde se deparam com seres extraterrestres em formas de peixes luminosos e raios de luz efêmeros. Cameron faz o primeiro filme filmado quase totalmente embaixo d’água, já mostrando suas obsessões (que fariam parte de Titanic e de suas pesquisas documentais), e uma espécie de Contatos imediatos do 3º grau, mas já antecipando elementos que veríamos em Avatar. O segredo do abismo, assim como Avatar, trabalha com uma mensagem que remete à origem, com a tentativa de reconciliação embaixo d’água do casal, como uma volta ao útero, ao nascimento – como no caso das árvores de Pandora. E, como em Avatar, avalia que as armas nucleares (o abismo que afundou as carregava) conduzem a um beco sem saída.  Já o era assim em toda a temática que circula em torno de Sarah Connor, sobretudo em O exterminador do futuro 2. A única saída para Cameron parece ser aquela em que se mostra no encontro de Jake tanto com a natureza estrangeira quanto com Neytiri.

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Já se comentou na ligação que há entre eles como a que vemos em Pocahontas (lembremos de O novo mundo de Malick), ou com a história do John Dunbar de Dança com lobos, ou com O último dos moicanos (na rebelião de Jake contra os militares). Ainda assim, em meio aos elementos cultivados por Cameron em sua filmografia, temos como principal ponto de referência a mitologia de Star Wars, por sua vez já captada em outras obras. Cameron não costuma ser um roteirista sutil, ou de múltiplos personagens, e seus diálogos têm mais ou menos o mesmo peso das falas de Miles. Seus vilões, como Parker, também costumam ser uma repetição do burocrata interpretado por Paul Reiser em Aliens – O resgate, assim como perturbados, a exemplo de Hiram (O segredo do abismo). No entanto, há também humanidade: Grace é uma extensão daquelas heroínas que Cameron privilegiou em sua trajetória, desde Sarah Connor, de O exterminador do futuro, passando pela Lindsey de O segredo do abismo, Ripley, de Aliens, até a Rose, de Titanic. O personagem principal de Avatar, Sully, segue as características dessas personagens de Cameron: ele é muito mais humano do que os personagens de filmes de ação e mistura elementos de coragem e de fragilidade na mesma medida, não tornando-se num estereótipo. Com isso, Sam Worthington tem aqui a sua melhor atuação, e Sigourney Weaver, como Grace, não fica para trás.
Há também um fundo religioso em Avatar e O segredo do abismo, não há a menor dúvida, e James Cameron procura, com seus cenários imponentes e efeitos especiais revolucionários, lembrar que o importante é a tentativa de compreender o outro. Parece um clichê, mas Avatar é tão bem trabalhado em seus detalhes que acabamos esquecendo, por um momento, do todo – que é irregular. Os seus 30 minutos finais, para quem aprecia filmes de ação, são realmente impressionantes, mostrando a batalha decisiva, com uma direção de arte fabulosa (vencedora do Oscar). Todos os elementos são dosados na reavaliação de cada personagem para o que deve, afinal, ser feito. Isso faz com que, mais do que uma ficção científica, seja uma experiência realmente primordial, vendo a base do ser humano, independente do 3D, que à época de seu lançamento foi tão comentado.

Avatar, EUA, 2009 Diretor: James Cameron Elenco: Sam Worthington, Sigourney Weaver, Zoe Saldana, Stephen Lang, Michelle Rodriguez, Giovanni Ribisi, Joel David Moore, CCH Pounder, Wes Studi, Laz Alonso Produção: James Cameron, Jon Landau Roteiro: James Cameron Fotografia: Mauro Fiore Trilha Sonora: James Horner Duração: 162 min. Distribuidora: Fox Film Estúdio: Twentieth Century Fox Film Corporation / Lightstorm Entertainment / Dune Entertainment / Ingenious Film Partners

Cotação 4 estrelas

O novo mundo (2005)

Por André Dick

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Excelente reconstituição de época e fotografia espetacular não salvaram o épico O último dos moicanos, de Michael Mann, baseado no romance clássico de James Fenimore Cooper. Faltou algum elemento para criar um interesse maior pela saga de um homem branco criado por moicanos (Day-Lewis, depois do Oscar por Meu pé esquerdo), na adaptação da história que se passa durante a Guerra dos Sete Anos, em que estiveram envolvidos ingleses, franceses e tribos de índios norte-americanos na América do Norte.
O personagem de Day-Lewis e dois moicanos ajudam duas inglesas (uma das quais Madeleine Stowe) e um soldado inglês a chegarem num forte em guerra com tropas francesas. Surge uma atração entre o moicano e a inglesa, mas logo eles são separados.
Percebe-se em todas as atuações a mão de um diretor que se tornaria talentoso. No entanto, Mann, recém-saído da série Miami vice, esquece de colocar conflitos em seu filme. Neste seu primeiro longa no cinema, seu interesse é pelo luxo da produção, revestida de detalhes (o filme ganhou Oscar de melhor som). É a partir deste filme, de qualquer modo, que Malick parece compor O novo mundo, com o mesmo interesse pelo refinamento da produção, mas uma aspiração mais social e histórica.

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Malick havia passado vários anos sem lançar um filme (oito, desde Além da linha vermelha), quando trouxe às telas este filme baseado numa história com elementos reais (daqui em diante, spoilers). Em 1607, o capitão inglês John Smith (Colin Farrell) chega à América aprisionado, acusado de tentar um motim, junto com a Expedição Jamestown, enviada da Inglaterra, mas logo em seguida é perdoado pelo comandante Christopher Newport (Cristopher Plummer), que volta para a Europa a fim de trazer mais alimentos. Na busca por comida e na exploração das matas, Smith é capturado por nativos, sendo levado ao chefe, Powhatan (August Schellenberg), que tem como braço direito Opechancanough (Wes Studi, de O último dos moicanos). Smith não apenas passará a viver entre eles, entre a liberdade e a prisão, como conhecerá Pocahontas (Q’orianka Kilcher), uma nativa, filha de Powhatan. No entanto, quando ele volta ao forte construído pelos brancos, ele saberá que esta tranquilidade está perto de se encerrar.
Trata-se de um filme que vem no mesmo fluxo de Além da linha vermelha, mas toma um rumo diferente. Em primeiro lugar, porque o diretor utiliza mais em pormenores os pensamentos soltos, divagantes – algo que funciona muito bem em outros filmes, sobretudo em A árvore da vida –, e filma detalhes da natureza à parte das cenas centrais (isso parece acontecer em A árvore da vida, mas a narrativa, tão criticada por alguns, é mais interessante).

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A impressão é que Malick não efetua, aqui, como em Além da linha vermelha, cenas de ação intensas, preferindo centralizar seus olhos no drama romântico entre Smith e Pocahontas. Se o romance abre perspectivas, em razão de Q’orianka Kilcher, Colin Farrell está inexpressivo. Ele funciona mais quando o filme não depende dele (como quando fez o cantor country de Coração louco). Malick, claro, mostra sua obsessão pela influência da natureza na vida humana, mas aqui ele parece transcender. Há flashes do casal correndo entre árvores, entre o capim alto, à beira do rio, e pensamentos esparsos, como (de Pocahontas): “Quem é esse homem? Quem é esse Deus”? Alguns detalhes não ficam claros: a aproximação cultural de Pocahontas é imediata, inclusive com a língua, e em determinado momento ela precisa alimentar os poucos homens dele com uma caça, mesmo eles tendo armas para matar animais.
Ainda assim, Malick procura dar ao filme um estilo, ao mesmo tempo, íntimo e épico. A única cena de combate, no entanto, se inclina a flashes para o céu, para as árvores. Mesmo os cenários ao longo do filme são iguais, e a montagem, elíptica – dando poeticidade, mas também prejudicando algumas cenas de conflito (como a de Pocahontas com seu pai) ou a presença levemente deslocada de Cristopher Plummer –, faz com que nos mantenhamos à distância dos personagens (embora não pareça, há lacunas aqui que não existem, por exemplo, em A árvore da vidaAmor pleno). Farrell, com isso, não consegue dar vigor ou grandiosidade a seu personagem, parecendo, por um lado, muito triste em ter de esconder um amor tão grande – que, em determinado ângulo, não convence–, e, por outro, feliz em ter de deixá-lo para trás. É visível como sua atuação prejudica o filme quando Christian Bale entra em cena, como John Rolfe, quase ao final, mostrando como o filme seria caso ele fosse o capitão Smith.
No entanto, talvez o ator principal fosse mesmo um detalhe. Malick quer filmar as paisagens com o tom de nascimento e descoberta, ou de tristeza – o sol entre as árvores, como em A árvore da vida, dá às cenas um contexto (o que lá criava um complemento poético, pois é uma história livre, não histórica). Cada personagem simboliza o contato entre o velho e o novo mundo e cada relação pode nascer e vigorar como também voltar às cinzas. Malick tem um sentido muito apurado sobre o Éden que existe em cada um desses personagens, sempre ameaçado pela traição e pela violência. A mentira dos homens brancos passa a ser evidente e seu objetivo, cada vez mais claro. No entanto, Pocahontas acredita numa espécie de amor intocado pelo ser humano, que se mistura à natureza, às árvores, ao capim e aos rios. Ela não acredita que possa ser traída e este sentimento é permanente na filmografia de Malick (vejamos o recente Amor pleno), chegando sempre a um contato próximo com a ideia divina – para o velho mundo, em belíssimos vitrais; para Pocahontas, à beira do rio ou correndo por um campo esverdeado.

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O novo mundo.Filme 5A fotografia bastante elogiada de Emmanuel Lubezki (que deu ao filme sua única indicação ao Oscar) faz predominar as cores que remetem à terra (também dos figurinos), além dos tons de verde, claro e escuro. Para Malick, a aversão à natureza romântica, aqui, pode matar a humanidade. Quando ele deseja oferecer mais emoção ao filme, este está quase terminando – mas são antológicas as cenas feitas na Inglaterra (sobretudo quando um índio caminha num pátio inglês enorme, em meio a árvores podadas, simetricamente, como se fossem um contraponto ao ambiente de onde veio, mas, ao mesmo tempo, um complemento). Falta ao filme uma definição entre o histórico, a ação, o poético e o drama – o que faz de A árvore da vida um filme tão definitivo. Mas, ainda que O novo mundo não consiga alcançar o que poderia, ainda assim responde ao que nos apresenta. Tratando da estranheza e da descoberta de um novo mundo, além do choque que isto pode trazer, há nele, como nos outros filmes de Malick, um elemento enigmático que atrai o espectador e uma sensação de perda e reencontro que poucas obras simbolizam de maneira evidente. Toda a sequência final, com uma montagem fascinante de imagens da natureza, representando o encontro entre as águas do homem branco e dos nativos, assim como da natureza, é implacavelmente belo.

The new world, EUA, 2005 Diretor: Terrence Malick Elenco: Colin Farrell, Q’orianka Kilcher, Christopher Plummer, Christian Bale, August Schellenberg, Wes Studi, David Thewlis, Yorick van Wageningen, Raoul Trujillo, Ben Chaplin, John Savage, Brian Merrick Produção: Sarah Green Roteiro: Terrence Malick Fotografia: Emmanuel Lubezki Trilha Sonora: James Horner Duração: 135 min.  Distribuidora: Não definida Estúdio: New Line Cinema / Sunflower Productions / Sarah Green Film / First Foot Films / The Virginia Company LLC

Cotação 3 estrelas