Por André Dick
Esta ficção científica feita pelo mesmo James Cameron de Aliens – O resgate e O segredo do abismo tem uma história simples: mostra o exército de humanos da empresa de mineração RDA contra os habitantes nativos, os Na’vi, de um planeta distante (Pandora) – numa espécie de simbologia para o Velho Mundo encontrando o Novo Mundo. Mas é essa história que deixa espaço para Cameron mostrar o visual impactante.
O fuzileiro Jake Sully (Sam Worthington), que foi ferido em batalha e está em cadeira de rodas, atua como um avatar numa pesquisa coordenada por uma bióloga, Grace Augustine (Sigourney Weaver), cuja equipe tem ainda Trudy (Michelle Rodriguez) e Norm Spellman (Joel Moore Jake), com o intuito de descobrir o que desejam os nativos de Pandora. Para isso, Jake, que é irmão gêmeo do avatar anterior, passa a ser uma espécie de porta-voz. No entanto, os militares enviados para detonar Pandora não estão muito interessados neste aspecto de pesquisa biológica. Nem interessados nos livros que tratam do meio ambiente de Pandora. Há sobretudo o coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) e um burocrata, Parker Selfridge (Giovanni Ribisi). O objetivo é encontrar um determinado mineral que serviria à vida na Terra e o coronel faz um trato com Jake de que, se ele trouxer informações interessantes dos Na’vi, poderá caminhar novamente. No entanto, ele e Parker não se importam, por exemplo, com o fato de que a árvore que querem destruir para descobrir outras relíquias guarda um mistério.
As cenas em que aparecem os avatares (de Jake e Grace) são, sem dúvida, as melhores, e a primeira entrada na floresta, em meio a um confronto indesejado, se mostra na medida exata, mas em algum ponto da metade da narrativa – quando Sully começa a fazer seu diário de experiências e trata da convivência com os habitantes do povo Na’vi, sobretudo com Neytiri (Zoe Saldana, de Star Trek), por quem inevitavelmente se apaixona – que Avatar se perde um pouco, porém não totalmente, pois ainda estamos em meio a cenários fantásticos. A floresta é uma criação notável, com fluidos e imagens de teias brilhantes caindo sobre os seres, o que mostra uma visão de Cameron para o amanhã da humanidade (enquanto os interiores das estações lembram Aliens, com suas lâmpadas fosforescentes). Em certos momentos, a textura das imagens lembra a de um desenho animado, com a ressalva de que, mesmo assim, o filme entrega camadas referenciais de natureza (rochas, águas, árvores). De qualquer modo, Cameron está interessado no que os burocratas podem fazer, o que acontece desde o tempo em que roteirizou Rambo II e dirigiu O exterminador do futuro 1 e 2, Aliens – O resgate, True lies e O segredo do abismo. Cameron os coloca como verdadeiras ameaças para qualquer paz, e Miles como o protótipo disso (a partir de determinado momento, suas atitudes chegam a ser engraçadas de tão absurdas).
Há uma presença dos elementos já vistos em O segredo do abismo, que começava em plena ação, com um submarino nuclear, o USS Montana, naufragando misteriosamente, depois de avistar luzes no fundo do oceano. Em seguida, uma expedição de resgate, liderada por Virgil (Ed Harris), é enviada para tentar se descobrir a causa do acidente. Divorciado da mulher, Lindsey (Mary Elizabeth Mastrantonio), também da marinha, a viagem se complica quando toda a tripulação começa a ficar perturbada com os estranhos acontecimentos de luzes flutuantes, surgindo um vilão, Hiram (Michael Biehn). Eles começam a descer nesse abismo, onde se deparam com seres extraterrestres em formas de peixes luminosos e raios de luz efêmeros. Cameron faz o primeiro filme filmado quase totalmente embaixo d’água, já mostrando suas obsessões (que fariam parte de Titanic e de suas pesquisas documentais), e uma espécie de Contatos imediatos do 3º grau, mas já antecipando elementos que veríamos em Avatar. O segredo do abismo, assim como Avatar, trabalha com uma mensagem que remete à origem, com a tentativa de reconciliação embaixo d’água do casal, como uma volta ao útero, ao nascimento – como no caso das árvores de Pandora. E, como em Avatar, avalia que as armas nucleares (o abismo que afundou as carregava) conduzem a um beco sem saída. Já o era assim em toda a temática que circula em torno de Sarah Connor, sobretudo em O exterminador do futuro 2. A única saída para Cameron parece ser aquela em que se mostra no encontro de Jake tanto com a natureza estrangeira quanto com Neytiri.
Já se comentou na ligação que há entre eles como a que vemos em Pocahontas (lembremos de O novo mundo de Malick), ou com a história do John Dunbar de Dança com lobos, ou com O último dos moicanos (na rebelião de Jake contra os militares). Ainda assim, em meio aos elementos cultivados por Cameron em sua filmografia, temos como principal ponto de referência a mitologia de Star Wars, por sua vez já captada em outras obras. Cameron não costuma ser um roteirista sutil, ou de múltiplos personagens, e seus diálogos têm mais ou menos o mesmo peso das falas de Miles. Seus vilões, como Parker, também costumam ser uma repetição do burocrata interpretado por Paul Reiser em Aliens – O resgate, assim como perturbados, a exemplo de Hiram (O segredo do abismo). No entanto, há também humanidade: Grace é uma extensão daquelas heroínas que Cameron privilegiou em sua trajetória, desde Sarah Connor, de O exterminador do futuro, passando pela Lindsey de O segredo do abismo, Ripley, de Aliens, até a Rose, de Titanic. O personagem principal de Avatar, Sully, segue as características dessas personagens de Cameron: ele é muito mais humano do que os personagens de filmes de ação e mistura elementos de coragem e de fragilidade na mesma medida, não tornando-se num estereótipo. Com isso, Sam Worthington tem aqui a sua melhor atuação, e Sigourney Weaver, como Grace, não fica para trás.
Há também um fundo religioso em Avatar e O segredo do abismo, não há a menor dúvida, e James Cameron procura, com seus cenários imponentes e efeitos especiais revolucionários, lembrar que o importante é a tentativa de compreender o outro. Parece um clichê, mas Avatar é tão bem trabalhado em seus detalhes que acabamos esquecendo, por um momento, do todo – que é irregular. Os seus 30 minutos finais, para quem aprecia filmes de ação, são realmente impressionantes, mostrando a batalha decisiva, com uma direção de arte fabulosa (vencedora do Oscar). Todos os elementos são dosados na reavaliação de cada personagem para o que deve, afinal, ser feito. Isso faz com que, mais do que uma ficção científica, seja uma experiência realmente primordial, vendo a base do ser humano, independente do 3D, que à época de seu lançamento foi tão comentado.
Avatar, EUA, 2009 Diretor: James Cameron Elenco: Sam Worthington, Sigourney Weaver, Zoe Saldana, Stephen Lang, Michelle Rodriguez, Giovanni Ribisi, Joel David Moore, CCH Pounder, Wes Studi, Laz Alonso Produção: James Cameron, Jon Landau Roteiro: James Cameron Fotografia: Mauro Fiore Trilha Sonora: James Horner Duração: 162 min. Distribuidora: Fox Film Estúdio: Twentieth Century Fox Film Corporation / Lightstorm Entertainment / Dune Entertainment / Ingenious Film Partners