Boi neon (2015)

Por André Dick

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Há filmes que possuem uma parte estetizada tão forte que é costume não se encontrar com facilidade onde estaria sua parte mais humana, mesmo ela parecendo estar presente em todos os lugares. Em Boi neon (que certamente tem um dos cartazes mais belos já feitos), o diretor Gabriel Mascaro mostra a trajetória de Iremar (Juliano Cazarré), um vaqueiro que trabalha num grupo que viaja para apresentações de rodeios. São as chamadas vaquejadas, muito comuns no Nordeste brasileiro. Iremar cuida dos touros que são exibidos nas apresentações. No entanto, seu grande desejo é ser estilista, e desenha figurinos para Galega (Maeve Jinkings), que também faz danças sensuais nos eventos. Junto com eles, seguem a filha de Galega, Cacá (Alyne Santana), e Zé (Carlos Pessoa). Cacá tem como referência Iremar e sonha um dia em possuir um cavalo, sendo este animal representado como uma espécie de nobreza, mesmo em meio aos humanos. Esta companhia poderia ecoar Bye bye Brasil, de Cacá Diegues, do final dos anos 70, em que o bom humor era um despiste para a amargura dos personagens. E isto seria mote para um filme de grande humanidade: há problemas, porém, e nunca vemos os personagens mais do que como símbolos.

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É possível imaginar por que Boi neon foi tão bem recebido: ele tem elementos de arthouse, com uma fotografia plasticamente bela de Diego Garcia. Ele já trabalhou para Apichatpong Weerasethakul em Cemitério do esplendor, e pode-se dizer que Mascaro dialoga com a obra do tailandês nos cenários do Nordeste. Os personagens são sempre colocados a distância, não há trocas calorosas e diálogos aparentes, e tudo se concentra em mostrar a analogia entre a vida dessa companhia e os animais. Na obra do tailandês funciona  a presença da natureza porque ele a coloca de maneira quase orgânica, sem nenhuma imposição ao espectador; aqui não exatamente. Mascaro tem um talento evidente em compor um mosaico de imagens que contextualizam uma determinada vida; seus personagens é que parecem não ter a mesma vida encontrada no ambiente em que se inserem, sendo excessivamente simétricos ou estilizados. Quando em determinado momento surge uma nova personagem, Geise (Samya De Lavor), Mascaro a aponta como aquela que pode oferecer uma nova vida em todos os sentidos. Também surge Vinícius de Oliveira, o menino de Central do Brasil, com um estilo diferente como o de Iremar, mas que possui um rabo de cabelo tão bem tratado quanto o dos animais. Não se pode dizer que o filme tenha, como já dito, ecos de O segredo de Brokeback Mountain simplesmente por mostrar um lado mais sentimental de um vaqueiro. Boi neon se mantém mais num terreno de estranheza, jogando com imagens e dando a elas um movimento que seus personagens não exatamente possuem. Nesse universo, Iremar não quer desempenhar o papel esperado dele, assim como Galega. Eles atuam como figuras fora de seus sentimentos principais.

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Há belas analogias, mas elas funcionam mais num plano teórico do que na prática. Existe, igualmente, referências a Carlos Reygadas, principalmente na figura da Galega, que lembra uma de Luz depois das trevas ou alguma estranheza da boate de Twin Peaks – Fire walk with me, embora a referência ao neon, atualmente, seja em igual escala aos trabalhos de Refn (e lances dele se manifestem nos detalhes de cada cenário, em algum fragmento das imagens). E também temos bons momentos de humor, quando Iremar usa a revista com mulheres nuas de outro vaqueiro para desenhar em cima das imagens. Ao contrário de outro filme claro sobre o itinerário de uma companhia, o já referido Bye bye Brasil, este bom humor se dava de maneira clara; aqui, ele se revela mais nas trocas de palavrões. Tudo é encoberto por uma estranheza, que vai desde o fato de em determinado momento se tentar tirar sêmen de um cavalo valioso até o de uma égua a ser leiloada se chamar Lady Di. Tal estranheza é recorrente na obra de Mascaro, que iniciou como documentarista e enveredou pela ficção em Ventos de agosto, mesclando também trechos documentais. Nesse sentido, Boi neon procura ser uma espécie de mescla entre documentário e visão intimista de um universo reconhecido já em telenovelas, não porém sob esse ponto de vista. Este intimismo se converte em potência sexual num determinado trecho de quase seis minutos, filmado à meia luz com absoluta propriedade e que, ainda assim, não oferece à narrativa a tonalidade mais intensa.

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Ao mesmo tempo, temos uma boa atuação de Cazarré, o único realmente a se destacar, num papel curioso pela própria estranheza que desperta. Já que Maeve é subaproveitada, ao contrário do que acontece em O som ao redor, e os demais atores pouco aparecem. Todos eles parecem ter uma dificuldade de lidar com o roteiro sustentado basicamente por um encadeamento de imagens bem filmadas sem um núcleo narrativo capaz de ressoar junto ao espectador, mesmo quando sabemos que aqui o tratamento principal é mostrar o ser humano com instintos tão contidos quanto a natureza dos animais transportados em caminhões. Essa analogia é usada à exaustão, principalmente quando se coloca no mesmo quadro o gado encurralado pela cerca e o caminhão com a tenda estendida de Galega. Seria definitivo se não fosse excessivamente pré-programado, além de a narrativa não ter conflitos reais expostos (a não ser no imaginário do espectador que os interpreta de maneira literal, por meio das imagens reveladas a todo custo). Há muita vontade de ser didático ao espectador, sem deixar nenhum resquício de verdadeira liberdade para se formar uma visão à parte do filme. É de se lamentar que uma obra com temas tão instigantes se restrinja a ser apenas uma visão específica e não muito atrativa de um universo fascinante.

Boi neon, BRA/HOL/Uruguai, 2015 Diretor: Gabriel Mascaro Elenco: Juliano Cazarré, Maeve Jinkings, Carlos Pessoa, Alyne Santana, Vinícius de Oliveira, Abigail Pereira, Roberto Berindelli, Josinaldo Alves Roteiro: Gabriel Mascaro Fotografia: Diego García Trilha Sonora: Carlos Montenegro, Otávio Santos Produção: Rachel Ellis Duração: 101 min. Distribuidora: Memento Films International Estúdio: Canal Brasil / Desvia Filmes / Malbicho Cine / Viking Film

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