Cobra Kai III (2021)

Por André Dick

Em 2018, o YouTube lançou Cobra Kai, uma sequência em formato de série de TV para a  saga Karatê Kid, dos anos 80, Devido ao sucesso, logo no ano seguinte foi lançada a segunda temporada. Há um traço em comum entre as duas: elas conseguem tornar um universo que começou com Karatê Kid – A hora da verdade, de John G. Avildsen, em algo vibrante, explorando os dois personagens que rivalizavam naquele filme: Daniel LaRusso, o jovem feito por Ralph Macchio, que recebia ensinamentos de karatê de Myiagi (Noriyuki “Pat” Morita),  e Johnny Lawrence, o vilão feito por William Zabka. No entanto, a série tornou mais nublada a separação entre esses personagens. Devido a algumas atitudes, não se tinha tanta certeza se um – LaRusso – era plenamente bom, e se outro, Johnny, era verdadeiramente ruim. Foi isso que tornou a série ainda mais interessante.

Cobra Kai, como o primeiro Karatê Kid, funcionava de maneira quase perfeita. Cobra Kai II atraía o espectador para a ligação entre Lawrence e John Kreese (Martin Koove), seu antigo professor, que o ajudou desde quando era pequeno e tinha problemas familiares, na recriação da academia Cobra Kai. Se na segunda temporada Daniel abria o dojo Miyagi-Do, para competir com o Cobra Kai de Lawrence e seu antigo professor, na terceira temporada vemos os resultados de uma luta violenta travada no colégio, envolvendo Samantha (Mary Mouser), filha de LaRusso, e o filho de Johnny, Robby Keene (Tanner Buchanam), além de Miguel (Xolo Maridueña, ótimo), o aluno mais dedicado da Cobra Kai, e Tori (Peyton List), uma aprendiz violenta. Em Cobra Kai III, Johnny continua interessado pela mãe de Miguel, Carmen (Vanessa Rubio), mas se sente culpado pela situação do pupilo, assim como Keene está foragido pelo que fez. Também mantém contato com o amigo Bobby (Ron Thomas, que infelizmente faleceu no ano passado).

A terceira temporada migrou do YouTube para a Netflix. Isso trouxe algumas mudanças estruturais: a primeira é que cada episódio é um pouco mais extenso do que nas temporadas iniciais. Isso tira visivelmente a edição ágil que havia, estendendo demais alguns diálogos e situações, principalmente nos quatro primeiros episódios. Nada que, no fim das contas, represente um problema. A série volta a ganhar verdadeiro impulso quando Miguel começa a se recuperar, e a química entre os atores Xolo Maridueña e Zabka é certamente o que parece sustentar a série. Kreese continua usando sua má influência para dominar os alunos que começaram a aprender karatê com Lawrence, e a história desta vez mostra seu passado, no qual vai se descobrir informações sobre como se moldou seu desequilíbrio.
Entre aqueles sobre os quais exerce influência, está sobretudo Hawk (Jacob Bertrand), que também sofria bullying. Ele continua se desentendendo com o antigo amigo nerd, Demetri (Gianni Decenzo), que tem dificuldades de se adaptar ao Cobra Kai e parte em busca da ajuda de Daniel no dojo Miyagi-Do.

Há uma subtrama envolvendo a concessionária de carros de LaRusso, administrada em parceria com sua esposa Amanda (Courtney Henggeler). A situação o leva de volta a Okinawa no Japão e, consequentemente, a um reencontro com o a namorada de Karatê Kid II, Kumiko (Tamlyn Tomita),  e seu adversário Chozen (Yuji Okumoto) certamente é um grande momento no quarto episódio, misturando habilmente nostalgia e crescimento dos personagens, assim como a boa atuação dos três.
Desde o início, Cobra Kai mostra que as decepções e mágoas temporais estão em discussão e o tempo vai trazendo novas lições para, inclusive, esclarecer o passado. Nessa terceira, as coisas continuam no mesmo rumo, com as relações substanciais entre pais e filhos e Keene sendo influenciado na prisão por Kreese e pela situação do pai. É visível ainda a influência de O lugar onde tudo termina, de Derek Cianfrance nas motivações que vão se formando e compondo uma árvore genealógica. Os fashbacks com o Sr. Miyagi, de cenas extraídas dos filmes, desta vez principalmente do terceiro, são exitosos. E a participação de Ali Mills (Elizabeth Shue), voltando a contactar Johnny, é um dos melhores momentos dos episódios finais, para além do quesito nostalgia – e Zabka se mostra com uma boa veia cômica.

Josh Heald, Jon Hurwitz e Hayden Schlossberg, que criaram a série Cobra Kai a partir do filme original, voltam a mostrar um trabalho de roteiro simples, menos equilibrado do que nas temporadas anteriores, mas ainda assim muito bom. Desta vez, a ligação entre os personagens e situações não é tão bem traçada, mas isso não tira o interesse pelos episódios e pelas consequências dos atos de cada um. O melhor é o trabalho com os atores e a partir do quarto episódio, quando as situações fluem mais de forma orgânica, ultrapassando o primeiro momento em que Daniel e Johnny precisam empreender uma busca a Keene e ela não surge tão divertida como poderia, desembocando numa desajeitada luta numa oficina mecânica. Cobra Kai III continua ajudando não apenas a ver as coisas menos estáticas, como mostra que o tempo ainda pode trazer o melhor da sabedoria, seja em qual parte o indivíduo se encontra de sua vida.  É um real ganho para este universo que, para os admiradores, se mostra fascinante.

Cobra Kai III, EUA, 2021 Diretores: Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg, Lin Oeding, Steven Tsuchida, Jennifer Celotta, Josh Heald Criadores: Josh Heald, Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg Roteiristas: Josh Heald, Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg, Joe Piarulli, Luan Thomas, Stacey Harman, Michael Jonathan Smith, Bob Dearden, Alyssa Forleiter, Mattea Greene Elenco: Ralph Macchio, William Zabka, Courtney Henggeler, Xolo Maridueña, Mary Mouser, Tanner Buchanan, Jacob Bertrand, Gianni Decenzo, Peyton List, Nichole Brown, Tamlyn Tomita, Yuji Okumoto Fotografia: Cameron Duncan  Duração: entre 30-40 minutos (10 episódios) Estúdio: Counterbalance Entertainment, Westbrook Studios, Sony Pictures Television Studios Distribuidora: Sony Pictures Television/Netflix

 

Cobra Kai II (2019)

Por André Dick

No ano passado, o YouTube lançou Cobra Kai, dando continuidade à série Karatê Kid, dos anos 80, ampliando um universo que conecta Ocidente e Oriente. Tudo teve início em Karatê Kid – A hora da verdade, de John G. Avildsen, que ganhou um Oscar surpreendente por Rocky – Um lutador. Como o filme de Stallone dos anos 70, a obra de 1984 tinha uma mensagem válida, cenas de luta interessantes e personagens acessíveis, assim como os dois episódios seguintes e ainda um quarto, com Hilary Swank.
O protagonista era o jovem Daniel LaRusso (Ralph Macchio, bom ator) , que chegava a Reseda, bairro de Los Angeles, vindos de Newark, New Jersey, e passava a ser perseguido por Johnny Lawrence (William Zabka), isso porque se envolvia com a ex-namorada desse, Ali Mills (Elizabeth Shue). LaRusso era ajudado pelo Sr. Miyagi (Noriyuki “Pat” Morita), um zelador do seu condomínio, depois que começava a sofrer violência. Na primeira temporada de Cobra Kai, Johnny reerguia o dojo Cobra Kai, do sensei John Creese (Martin Kove), enquanto Daniel se mostrava um competente vendedor de carros, ao lado da esposa Amanda (Courtney Henggeler). Nesta segunda, o próprio Creese reaparece para tentar reviver guerras antigas.

Cobra Kai, como o primeiro Karatê Kid, funcionava de maneira quase perfeita. Cobra Kai II atrai o espectador para a ligação entre Lawrence e Creese, que o ajudou desde quando era pequeno e tinha problemas familiares. Creese sempre incentivou seus alunos a um karatê violento, enquanto os ensinamentos do Sr. Miyagi se baseiam num contato com a natureza, seja no mar ou num lago. O mesmo acontece na segunda temporada, quando Daniel abre seu dojo Miyagi-Do, tendo como seus dois primeiros alunos a filha, Samantha (Mary Mouser), e o filho de Johnny, Robby Keene (Tanner Buchanam), praticamente abandonado pela mãe e com problemas de relacionamento com o pai. Este se dedica a ajudar principalmente seu melhor aluno, Miguel (Xolo Maridueña, ótimo), enquanto nutre um interesse secreto pela mãe do aluno, Carmen (Vanessa Rubio). A série volta a trabalhar com as classes sociais de Daniel e Johnny: no filme, o primeiro morava na periferia e o segundo na parte de classe alta da cidade. As coisas se invertem, e o espectador, por vezes, se vê compadecido com a situação de Lawrence, mesmo que ele às vezes pareça não ter mudado muito em sua personalidade.

Ele admite a volta do antigo sensei e não consegue ter domínio sobre os alunos mais violentos, especificamente Hawk (Jacob Bertrand), que também sofria bullying. Hawk, no entanto, abandonou o antigo amigo nerd, Demetri (Gianni Decenzo), que tem dificuldades de se adaptar ao Cobra Kai e parte em busca da ajuda de Daniel no dojo Miyagi-Do. A maneira como os personagens vão mudando conforme a situação é o melhor elemento dessas duas temporadas e um exemplo de fan service sem cair na previsibilidade. Lawrence se vê sob conflito quando descobre que seu antigo sensei passa por dificuldades, no entanto também sente ausência de uma companheira e não compreende por que o filho não quer seu contato e sim com seu maior inimigo.
Cobra Kai II mostra que as decepções e mágoas temporais estão em discussão e o tempo vai trazendo novas lições para, inclusive, esclarecer o passado. O diálogo com os episódios do cinema é muito bem trabalhado, desta vez quando Daniel, por exemplo, lembra de quando foi ludibriado por um amigo de John Creese, Terry (Thomas Ian Griffith), na terceira parte da série de cinema. Do mesmo modo, as lembranças do Sr. Miyagi, por meio, por exemplo, de uma medalha de guerra dele, são exitosas. As tentativas de Daniel ensinar a seus alunos as técnicas do karatê também replicam memórias dos anos 80, assim como os carros no pátio da mesma casa de Miyagi onde ele organiza o seu dojo.

Igual à primeira temporada, é  interessante os limites entre o que é certo e o que é errado se tornarem um pouco menos claros. As vidas de LaRusso e Johnny se cruzam como aquelas que vemos no ótimo filme O lugar onde tudo termina, sobre a ligação entre diferentes gerações. Se os conhecíamos jovens, a sua versão mais velha e experiente leva a uma reavaliação do que os levou aonde estão. O momento em que dividem um restaurante com seus interesses amorosos, a exemplo de uma conversa de bar no primeiro, é um dos melhores. No entanto, Cobra Kai II acentua a figura da violência escolar desta vez por meio de Tori (Peyton List), uma nova aluna do Cobra Kai, que se desentende com a filha de LaRusso e se aproxima de Aisha (Nichole Brown), até então melhor amiga daquela. Tudo pode acabar no entendimento e em aprendizados interiores ou em lutas realmente violentas – e em Cobra Kai II estão as melhores do universo de Karatê Kid, principalmente aquelas que desencadeiam um grande final da temporada, excepcionais em sua coreografia.

Josh Heald, Jon Hurwitz e Hayden Schlossberg, que criaram a série Cobra Kai a partir do filme original, voltam a mostrar um trabalho de roteiro simples, mas notável, mesmo em sua introdução de personagens apenas para divertir, como o de Raymond (Paul Walter Hauser), aproveitando referências oitentistas sem cair no lugar-comum (talvez as melhores sejam aquelas que lembram um videoclipe e A garota de rosa shocking). E, apesar do ótimo elenco juvenil e de Macchio, Henggeler e Kove apresentarem boas atuações, é William Zabka novamente que se destaca no papel de Johnny Lawrence, numa atuação por vezes comovente, quando se encontra, por exemplo, com os antigos amigos. Cobra Kai II ajuda não apenas a ver as coisas menos estáticas, como mostra que o tempo ainda pode trazer o melhor da sabedoria, seja em qual parte o indivíduo se encontra de sua vida. Na maior parte de sua narrativa despretensioso, por vezes bem-humorado, ele consegue alcançar pontos dramáticos que mesmo os filmes de cinema não atingiam.

Cobra Kai II, EUA, 2018 Diretores: Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg, Michael Grossman, Josh Heald, Jennifer Celotta Criadores: Josh Heald, Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg Roteiristas: Jason Belleville, Stacey Harman, Josh Heald, Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg, Kevin McManus, Matthew McManus, Luan Thomas, Joe Piarulli, Michael Jonathan Smith Elenco: Ralph Macchio, William Zabka, Courtney Henggeler, Xolo Maridueña, Mary Mouser, Tanner Buchanan, Jacob Bertrand, Gianni Decenzo, Peyton List, Nichole Brown Fotografia: Cameron Duncan Trilha Sonora: Leo Birenberg e Zach Robinson Duração: entre 22-36 minutos (10 episódios) Distribuidora: YouTube Red