Toni Erdmann (2016)

Por André Dick

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Bastante divulgado desde o seu lançamento no Festival de Cannes e um dos candidatos ao Oscar de filme estrangeiro, Toni Erdmann tenta recuperar alguns elementos da obra de Leos Carax na estranheza de comportamento do personagem central. É basicamente a tentativa de Winfried Conradi (Peter Simonischek), um professor de música, se conectar novamente com a filha Ines (Sandra Hüller), que se tornou uma consultora de negócios. Já no início do filme, Conradi recebe um carteiro na porta de sua casa e chama por seu irmão. Em seguida, ele mesmo reaparece, usando óculos escuros e uma dentadura para surpresa do carteiro, além de segurar algemas e uma banana. O carteiro estranha porque sabe se tratar da mesma pessoa que o atendeu. Numa reunião familiar, com uma maquiagem borrada de Gene Simmons, ele reencontra a filha, que disfarça sua impaciência fingindo atender a um telefonema.
Depois da morte do seu adorado cão, Willi, Conradi passa a seguir os passos da filha, viajando, por exemplo, a Bucareste, tentando se encaixar na vida dela de alguma maneira. Ele tenta se apresentar como embaixador alemão na Romênia e se autointitula Toni Erdmann. É uma atitude melancólica e solitária, e transparece a cada momento que Conradi puxa seus disfarces para que a filha não se envergonhe com a sua presença. Ela é uma figura carente de atenção dos superiores de sua empresa e tem um relacionamento conturbado com Tim (Trystan Pütter).

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A direção de Maren Ade quer deixar a proposta do filme bastante clara e desviar sua história cotidiana com lances de estranheza. No entanto, ela não consegue desviar do fato de que Toni Erdmann é uma metáfora para o desnudamento do ser humano, o que pode acontecer de maneira até literal. É essa necessidade de transparecer a metáfora que torna o filme numa experiência que exige paciência, pois a longa duração (162 minutos) não se justifica, lançando cenas dispersas ao longo da projeção. Lado a lado com essa dispersão, Ade tenta tratar, particularmente de maneira falha, da irresponsabilidade perante os trabalhadores braçais – é quase um estudo de como não se deve mostrar a realidade, nivelando tudo com uma visão básica de protecionismo afastado do verdadeiro interesse por ela. Sua visão sobre o mundo do trabalho é tão falha quanto sua tentativa de montar um real interesse pelo que conta. Ines representa uma visão feminina do personagem que George Clooney apresentava em Amor sem escalas: se lá Reitman nunca tornava suas escolhas previsíveis ou planas, aqui, desde o início, se percebe aonde Ade deseja chegar.
Em primeiro plano: sobre o fato de o filme ser engraçado, divertido (alguns críticos chegaram a denominá-lo como “comédia do ano”), ele não é. Curiosamente, indica-se que o filme surpreende pelo humor por ser de origem alemã: é como se os alemães não tivessem humor; eles têm, mas não é representado aqui. Apesar de possuir alguns momentos bem-humorados, Toni Erdmann falha exatamente por se considerar a todo momento um filme capaz de sintetizar um certo discurso contra o establishment: a aproximação do pai seria para mostrar o vazio em que a filha vive.

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Isso seria muito interessante caso a figura da filha não fosse desenhada de forma tão precária, como alguém irremediavelmente voltado aos negócios que nada sobraria de uma vida real. Esses momentos se espalham ao longo do filme, mostrando um certo tédio desse mundo de negócios, mas a aproximação paterna é tão irrealizada que parecemos não assistir à mesma narrativa do início quando se avança. Não é de se questionar a maneira como Ade conta sua história, e sim a maneira como sua despretensão – veja-se a sequência da festa – soa sempre deslocada de suas ambições temáticas, quase como um teatro cru, incompleto, mas que, ao contrário do que se apresenta, desejaria ser referência de algo elaborado e minucioso.
Simonischek e Hüller têm boas atuações, como pai e filha, mas seus personagens não são suficientemente desenhados para que o espectador possa se interessar mais por cada um. As coisas ficam num plano de relação que deve ser reconquistada e, não fosse a estranheza do comportamento de Conradi, tudo seria visto até como previsível – como o roteiro, de fato, se apresenta. Mesmo o final, que poderia ser uma conquista dramática, soa uma imposição de um roteiro que não consegue trabalhar os personagens de modo efetivo. Há filmes que me fazem pensar que a crítica deseja inventar obras de tempos em tempos, e leva inúmeros espectadores a pensar o mesmo. Comenta-se que Jack Nicholson estaria de volta numa refilmagem norte-americana do filme, ao lado de Kristen Wiig. Espera-se que o Toni Erdmann norte-americano, caso se concretize, seja o que este não conseguiu ser.

Toni Erdmann, ALE/ROM/AUS, 2016 Diretor: Maren Ade Elenco: Peter Simonischek, Sandra Hüller, Michael Wittenborn, Thomas Loibl, Trystan Pütter, Hadewych Minis, Lucy Russell, Ingrid Bisu Roteiro: Maren Ade Fotografia: Patrick Orth Produção: Janine Jackowski, Jonas Dornbach, Michel Merkt, Sava Lolov Duração: 162 min. Estúdio: Komplizen Film

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