O amante da rainha (2012)

Por André Dick

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Há todo um contexto histórico em O amante da rainha, com os elementos que cercam um rei, Christian VII (Mikkel Boe Følsgaard), cujo casamento com a prima, Caroline Mathilde (Alicia Vikander), é um aceno de combinação entre seus países e suas famílias: ele, representando a Dinamarca; ela, a Inglaterra. Sem nunca ter visto o homem com quem irá conviver, ela o encontra primeiro escondido atrás de uma árvore, como se fosse uma criança incapaz de saber o que está se passando, com um certo ar cômico de desprezo. Chegando à Dinamarca, ela é de fato a esposa, anunciada num jantar para convidados. Quando toca piano, e todos a elogiam, ele manda interromper, pretendendo, ainda assim, encontrá-la. Sem sustentação emocional, o principal passatempo do Rei é passar as noites ao lado de prostitutas, no palácio ou em tavernas. Estamos em 1766, e as ruas de Copenhague estão infestadas de mau cheiro e com doenças, mas ele só pensa em aproveitar sua vida cartunesca. No nascimento de seu filho, ele decide fazer uma viagem de um ano pela Europa.
As ordens e sutilezas forçadas de um ambiente real já estavam explícitas num filme definitivo para o gênero, com toda sua carga pop, Maria Antonieta, de Sofia Coppola. O amante da rainha é muito mais intimista e talvez mais suntuoso, com sua reconstituição de época fabulosa, uma espécie de combinação entre Amadeus (em jantares e festas) e Barry Lindon (os campos esverdeados que, para Caroline, podem lembrar a Inglaterra). O diretor Nicolaj Arcel assinala uma discrição inicial para enfatizar em seguida uma montagem elíptica. A rainha engravida e aguarda a continuação de sua rotina.
Isso até a entrada de um médico, Johann Struensee (Mads Mikkelsen),  que passa a cuidar do rei, tratado como um louco pelos conselheiros. Com ideias iluministas, ele tentará dar um novo caminho à Dinamarca, procurando influenciar Christian VII e, ao mesmo tempo, envolvendo-se com Caroline. Identificada com ele por ter tido alguns de seus livros recolhidos e encontrar um livro de Jean-Jacques Rousseau em sua biblioteca, o conceito de liberdade para Caroline ganha um novo significado. Não fogem do roteiro os impulsos para a narrativa de conflitos: há um relacionamento escondido, um rei sendo manipulado pelos súditos e um homem por trás desejando iluminar essa sociedade que parece fadada ao esquecimento e mesmo a presença, por carta, de Voltaire. Há, também, uma madastra e alguns conselheiros cujo atraso é definitivo para manter a Dinamarca estagnada. Mas o romance é o tópico central, e ele surge aos poucos, em encontros no campo ou no quarto, longe dos empregados, sem que o Rei evidentemente saiba.

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No entanto, logo o tópico do romance e da traição, nunca avaliadas de forma culposa, mas simplesmente por condição do destino e de cada personagem, cede espaço ao ambiente político e a ideias filosóficas inseridas dentro de um contexto político comprometido em todas as suas camadas. Arcel não consegue estabelecer, neste caso, uma relação clara entre os personagens e suas ideias, facilmente entregando os atores a sequências imediatas, curtas, e outras mais extensas, e um tanto cansativas, pois não conectadas da forma mais ágil umas com as outras. Os últimos 40 minutos, pelo menos, são excessivamente lentos e soturnos, trazendo uma contenção extrema, o que não vemos no restante da metragem.
Principalmente a primeira hora de O amante da rainha é bastante agradável, quando os personagens estão se apresentando e as ações de cada um se constituem em um breve conhecimento a respeito de como agem. Inevitável refletir sobre a importância fundamental do elenco para a história ter um rendimento nesses trechos: se Mikkel Boe Følsgaard, como o Rei, evocando uma risada capaz de lembrar Tom Hulce como Mozart em Amadeus, é divertido, dentro dos limites de sua loucura calculada, o par central, em certos momentos, destoa. Alicia Vikander, embora pareça, não é apática, pela medida de que o filme perde um pouco seu brilho quando sua participação diminui, mas pode-se considerar Mads Mikkelsen excessivamente frio (ele é conhecido também por seu papel como vilão em 007 – Cassino Royale). Talvez, por outro lado, não seja exatamente culpa do elenco, e sim de Arcel, preferindo por um certo tom suntuoso ao gravar cada cena, querendo conceder um ambiente histórico capaz de proporcionar um clima geral de austeridade, e a fotografia de Rasmus Videbæk, mesmo com toda sua excelência, contribui para este resultado.
O amante da rainha não se ressente de querer encarnar um clássico, nem mesmo em seu relato inicial, com preenchimento no final, com uma espécie de padronização antecipada para a falta de participação de alguns personagens, optando por se circunscrever dentro do relato histórico. Nem mesmo a admiração do Rei pelo teatro, indo sempre a peças, e não raramente interrompendo com seus comentários, e sua potência para a encenação substituir sua falta de habilidade política, consegue ganhar espaço num filme como este, em que todos os elementos são excessivamente calculados e seguem uma espécie de roteiro em comum com outras obras.
Ainda assim, trata-se de uma obra capaz de despertar um interesse para a história da Dinamarca e da própria participação filosófica na Europa dentro da política e de personagens que, mesmo não atuando com vigor no presente, podem representar mais do que um alento para o futuro. Que o filme não consiga desenvolver isso da melhor maneira, apenas se lamenta, não tirando, entretanto, a sua importância.

En Kongelig Affære/A Royal Affair, Dinamarca, Suécia, República Tcheca, 2012 Diretor: Nicolaj Arcel Elenco: Alicia Vikander, Mads Mikkelsen, Mikkel Boe Følsgaard, David Dencik, Trine Dyrholm Produção: Meta Louise Foldager Sisse Graum Jørgensen Louise Vesth Fotografia: Rasmus Videbæk Trilha Sonora: Cyrille Aufort, Gabriel Yared Duração: 137 min. Distribuidora: Europa Filmes, Mares Filmes Estúdio: Zentropa Entertainments / Trollhättan Film AB / Film i Väst / Sveriges Television (SVT) / DR TV / Sirena Film

Cotação 3 estrelas