Vida (2017)

Por André Dick

Qualquer filme situado no espaço sideral com uma ameaça iminente de um ser indefinido remete a Alien, o clássico de Ridley Scott. A obra de Scott foi tão definidora para o gênero que todas que tentam repeti-la – inclusive o diretor, em Prometheus – são criticadas, com exceção de John Carpenter em O enigma de outro mundo, embora baseado numa ficção dos anos 50 e localizado numa estação da Antártida. Quando se trata de um filme que inicia uma sequência sem cortes mostrando astronautas em uma estação espacial, uma homenagem a Emmanuel Lubezki, pode-se perceber que a outra influência é mais clara ainda: Gravidade, de Alfonso Cuarón. Esses dois elementos se reúnem em Vida, dirigido pelo sueco de ascendência chilena Daniel Espinosa. E apenas essa mescla serviu para que a crítica em geral demitisse o filme ou o classificasse como sem nenhuma qualidade à vista. Embora não haja como fugir à comparação, não há por que destituí-lo de qualidades por causa justamente disso.
Seu roteiro mostra inicialmente a rotina de seis membros da Estação Espacial Internacional: o diretor médico David Jordan (Jake Gyllenhaal); a oficial britânica Miranda North (Rebecca Ferguson); o engenheiro de sistemas Rory Adams (Ryan Reynolds); o piloto japonês Sho Murakami (Hiroyuki Sanada); o biólogo britânico Hugh Derry (Ariyon Bake); e a comandante russa Ekaterina Golovkina (Olga Dihovichnaya).

Essa equipe multiétnica aguarda uma sonda que volta de Marte com uma pequena amostra do solo capaz de trazer alguma evidência de que há vida no planeta vermelho. Estudada por Hugh, ela logo se torna um organismo complexo, embora mais parecido com uma folha de planta em movimento saída de alguma animação da Pixar, e recebe o apelido de “Calvin”. Pode-se perceber o diálogo com outro biólogo que habitou o planeta, justamente o personagem de Matt Damon em Perdido em Marte. Por sua vez, Reynolds, que trabalhou com o diretor em Protegendo o inimigo, ao lado de Denzel Washington, mostra uma composição dramática eficiente que faz lembrar um de seus melhores momentos como ator, em À procura, e Gyllenhaal, dentro do que se propõe, entrega a ênfase necessária para seu personagem. No entanto, de todos no elenco, são Rebecca Ferguson e Ariyon Bake que mostram a sensação própria que caracteriza a obra de Espinosa: esta parece uma cápsula congelada na qual o espectador adentra com certa resistência.
O que aproxima Vida ainda mais é o fato de que o filme não se passa num futuro longínquo e sim com matéria atual, em que os personagens veem a Terra da estação sideral e querem trazer para a ciência a descoberta de algo novo: eles não estão em busca de minério, como a nave de Alien, e sim à espera do que anuncia Marte (cada vez mais em voga). Junto a essa visão de uma equipe com pessoas de vários países, Vida se sente mais realista do que uma ficção científica concebida para fugir ao gênero: o que vai acontecendo surge com o choque de partir de elementos reais ou que tentam se aproximar mais da realidade. Como no projeto de Cuarón, esses homens e mulheres podem estar em qualquer estação espacial fora da Terra.

Com uma fotografia excepcional de Seamus McGarvey, habitual colaborador de Joe Wright, e uma trilha imponente de Jon Ekstrand, Vida poderia ser apenas mais um genérico. No entanto, em seus elementos de produção, ele não fica nada a dever aos melhores filmes de ficção científica. A direção de arte de Steven Lawrence (Rogue One e Batman – O cavaleiro das trevas) e e os efeitos visuais são excepcionais, principalmente quando mostra os personagens fora da estação ou percorrendo seus túneis. Mais: se Espinosa não traz questionamentos existenciais, o seu suspense não fica a dever para os melhores de seu gênero, principalmente no sentido de criar sustos. O roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick, parceiros também em Deadpool e Zumbilândia, mescla um senso de espaço e de desespero depois de meia hora que poucas vezes se vê em filmes ambientados no espaço, mesmo porque quase inexistem. Se há algum problema se encontra no prólogo dado aos personagens antes de desencadear a situação-chave, nunca devidamente interessante: o espectador é apresentado muito rapidamente a cada personagem, vendo suas características básicas, embora mesmo assim nos interessemos por cada um deles, por causa das atuações, muitas delas minimalistas dentro do contexto em que são oferecidas, mas verossímeis, com envolvimento em cada cena.

Ao mesmo tempo, Vida causa um desconforto não apenas em relação ao isolamento dessas figuras no espaço quanto a real claustrofobia de se encontrar numa situação bastante inesperada. O diretor utiliza o capacete dos astronautas para acentuar esse ambiente sufocante com extrema eficácia. Isso é visto poucas vezes no cinema de maneira tão clara – a última vez foi exatamente em Gravidade. Se no filme de Cuarón a saudade da astronauta feita por Sandra Bullock era da Terra, aqui se pensa em apenas uma coisa: em evitar que qualquer ameaça de fora chegue ao planeta. Essa batalha é travada com diálogos suficientemente angustiantes para dar à história um tom de perplexidade. Que o baixo orçamento desse filme (58 milhões), um pouco mais do que metade daquele de Gravidade, mais do que visíveis na tela, tenha retornado tão pouco em termos de bilheteria até agora (68 milhões), é de se lamentar. Vida é um exemplar que se insere num padrão esperado e ainda assim consegue ser mais do que eficiente.

Life, EUA, 2017 Diretor: Daniel Espinosa Elenco: Jake Gyllenhaal, Rebecca Ferguson, Ryan Reynolds, Hiroyuki Sanada, Ariyon Bakare, Olga Dihovichnaya Roteiro: Paul Wernick, Rhett Reese Fotografia: Seamus McGarvey Trilha Sonora: Jon Ekstrand Produção: Bonnie Curtis, Dana Goldberg, David Ellison, Julie Lynn Distribuidora: Sony Pictures / Sony Pictures Home Entertainment Estúdio: Columbia Pictures / Skydance Media / Sony Pictures Entertainment (SPE)

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