Hacker (2015)

Por André Dick

Hacker.Resenha

Se por um lado o diretor Michael Mann às vezes é cultuado por filmes que não chegam a me surpreender, como Fogo contra fogo e Colateral, por outro ele é recebido de maneira negativa pelo público e pela crítica. É o exemplo de Hacker, um grande fracasso nos Estados Unidos e que não chegou a estrear no Brasil (evitando se juntar com os grandes lançamentos que aportam no país às quinta-feiras). Estou longe de ser defensor de Mann, mas realmente gostei muito de Miami Vice e, principalmente, Inimigos públicos, seus filmes anteriores, com uma atmosfera impressionante, entendendo-se de antemão que ele vem se apropriando de um determinado tipo de narrativa em que o roteiro não fica muito claro em termos de construção e os personagens são definidos com poucas linhas de diálogo. Mann, de certo modo, opta pelo movimento, em que os personagens embarcam sem uma linha prévia de comportamento. Ao final de algumas obras de Mann, não é raro termos pouca certeza das características emocionais dos personagens, principalmente em Miami Vice, quando todas as ações parecem se misturar com o movimento da investigação e não há parada a fim de que conheçamos cada um deles.
No início de Hacker, uma usina nuclear em Wan Chai, Hong Kong, teve suas bombas de refrigeração detonadas, depois de um superaquecimento, por um hacker.Um oficial militar, o capitão Chen Dawai (Leehom Wang), toma o caso e convoca sua irmã Chen Lien (Tang Wei), que trabalha como engenheira de rede. A eles se junta a agente do FBI Carol Barrett (Viola Davis) em Los Angeles, acompanhada por Henry Pollack (John Ortiz) e Mark Jessup (Holt McCallany). A ferramenta utilizada no ataque foi feita por Chen e seu colega de faculdade Nicholas Hathaway (Chris Hemsworth), que se encontra na prisão. Dawai pede que o FBI consiga a liberação de Hathaway, a fim de que ele possa ajudar no caso.

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Daí em diante, o caso se expande para vários lugares: em Hong Kong, a equipe liderada por Carol e Chen tenta chegar a Kassar (Ritchie Coster), um paramilitar, no entanto tudo pode esconder novas armadilhas para que não seja identificada a origem do ataque. Esta sequência é, particularmente, a mais acertada do filme, colocando o espectador no centro da ação, e antecipa aquela um pouco anterior à finalização. Os superiores de Dawai, da China, não querem se colocar contra os Estados Unidos, a partir de determinado momento, pois surgem ordens de se deter Hathaway. Este acaba, com Dawai e Lien, fazendo planos de deixar Hong Kong, quando são atacados novamente por Kassar.
O roteiro é fácil de ser solucionado, mas realmente não é possível conectar este filme com uma recepção negativa. Se há um Wong Kar-Wai da espionagem, pode ser encontrado neste filme, em que Mann eleva o suspense, a ação e o gênero policial ao status de arte (independente do exagero disso). Mann se mostra cada vez mais claramente um artesão, com um senso de filmagem poucas vezes visto em outros nomes antes dele e de sua geração. Suas obras sempre foram visualmente belíssimas, como O último dos moicanos e Ali, porém em alguns aspectos essa maravilha de percepção não se fechava com a emoção do que mostrava; muitas vezes, os personagens de Mann são excessivamente vagos. E o roteiro às vezes se constitui num esboço em que as imagens vão acrescentado o verdadeiro significado. Este talvez seja uma das características de Hacker, com Hathaway, Chen e Dawai sendo quase símbolos: o assaltante a bancos, o agente e sua irmã como interesse amoroso.

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No entanto, quando se reclama de um roteiro depois de um filme como Mad Max: Estrada da Fúria, realmente é de desconectar os chips e bits: Hacker não se importa de forma exagerada com o roteiro porque é uma perseguição incessante. Ainda assim, em meio a essa perseguição, Mann consegue revelar a humanidade de seus personagens – muito por causa de Hemsworth e Wi Tang, além de mostrar novamente um grande talento em filmar tiroteios, empregando uma realidade nessas ações incomum a outras obras de Hollywood. Esses personagens são ajudados pelo elenco, claramente funcional dentro do que Mann pretende – e Viola Davis, mais uma vez, se mostra uma atriz à altura da empreitada.
Por trás desses personagens e dessa linha de ação envolvendo o universo do poder da informática sobre as transformações suscetíveis no mundo, o filme de Mann se mostra extremamente feliz em atenuar a violência do universo contemporâneo por uma beleza de visão que fixa a tranquilidade de paisagens orientais e as cores alternando entre o verde e o vermelho dos neons noturnos e das luzes piscando quando se vê as cidades de maneira tão ampla. Por outro lado, o filme também encadeia sequências de imagens que remetem a uma espécie de labirinto de concreto, principalmente nas sequências em que os federais estão atrás de Nicholas, e as ruas enevoadas de fumaça de comida de Hong Kong.

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Trata-se, sem dúvida, de uma visão autoral, e ela atinge também o personagem de Hathaway, que se situa entre a ilegalidade e a tentativa real de dar sustentação a um objetivo que é atingir um criminoso. No filme imediatamente anterior de Mann, Inimigos públicos, o vilão, feito por Johnny Deep, tinha uma presença maior (acompanhada de seu romance) do que o herói, feito por Christian Bale. Os personagens aqui podem ameaçar o mundo diante de uma tela de computador, no entanto Mann é um autor perspicaz o bastante para mostrar que não há ingenuidade e que as relações humanas, se não acertadas, podem desencadear uma cadeia de terrorismo inescapável, o que já se mostrava em Miami Vice com sua temática de tráfico de drogas. Hathaway inicia o filme lendo Foucault na cela em que se encontra e pode ser que o governo que o segue, assim como a operação para a qual presta o serviço, tanto sirva sua condição quanto o puna.
Hacker também apresenta elementos que lembram Boarding gate, um dos melhores filmes de Olivier Assayas (e paradoxalmente o mais criticado) e uma fotografia espetacular de Stuart Dryburgh. Cada enquadramento de Hacker é um quadro de cores. Que este filme apanhe pessoas dormindo, é algo a se lamentar, pois está distante da maior parte do cinema moderno e das estreias que chegam no país às quinta-feiras.

Blackhat, EUA, 2015 Direção: Michael Mann Elenco: Chris Hemsworth, Leehom Wang, Wei Tang, Viola Davis, John Ortiz, Ritchie Coster, Yorick van Wageningen, Holt McCallany Roteiro: Morgan Davis Foehl Fotografia: Stuart Dryburgh Trilha Sonora: Atticus Ross, Harry Gregson-Williams, Leopold Ross Produção: Jon Jashni, Michael Mann, Thomas Tull Duração: 133 min. Distribuidora: Universal Pictures mEstúdio: Forward Pass / Legendary Pictures

Cotação 5 estrelas

O novo mundo (2005)

Por André Dick

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Excelente reconstituição de época e fotografia espetacular não salvaram o épico O último dos moicanos, de Michael Mann, baseado no romance clássico de James Fenimore Cooper. Faltou algum elemento para criar um interesse maior pela saga de um homem branco criado por moicanos (Day-Lewis, depois do Oscar por Meu pé esquerdo), na adaptação da história que se passa durante a Guerra dos Sete Anos, em que estiveram envolvidos ingleses, franceses e tribos de índios norte-americanos na América do Norte.
O personagem de Day-Lewis e dois moicanos ajudam duas inglesas (uma das quais Madeleine Stowe) e um soldado inglês a chegarem num forte em guerra com tropas francesas. Surge uma atração entre o moicano e a inglesa, mas logo eles são separados.
Percebe-se em todas as atuações a mão de um diretor que se tornaria talentoso. No entanto, Mann, recém-saído da série Miami vice, esquece de colocar conflitos em seu filme. Neste seu primeiro longa no cinema, seu interesse é pelo luxo da produção, revestida de detalhes (o filme ganhou Oscar de melhor som). É a partir deste filme, de qualquer modo, que Malick parece compor O novo mundo, com o mesmo interesse pelo refinamento da produção, mas uma aspiração mais social e histórica.

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Malick havia passado vários anos sem lançar um filme (oito, desde Além da linha vermelha), quando trouxe às telas este filme baseado numa história com elementos reais (daqui em diante, spoilers). Em 1607, o capitão inglês John Smith (Colin Farrell) chega à América aprisionado, acusado de tentar um motim, junto com a Expedição Jamestown, enviada da Inglaterra, mas logo em seguida é perdoado pelo comandante Christopher Newport (Cristopher Plummer), que volta para a Europa a fim de trazer mais alimentos. Na busca por comida e na exploração das matas, Smith é capturado por nativos, sendo levado ao chefe, Powhatan (August Schellenberg), que tem como braço direito Opechancanough (Wes Studi, de O último dos moicanos). Smith não apenas passará a viver entre eles, entre a liberdade e a prisão, como conhecerá Pocahontas (Q’orianka Kilcher), uma nativa, filha de Powhatan. No entanto, quando ele volta ao forte construído pelos brancos, ele saberá que esta tranquilidade está perto de se encerrar.
Trata-se de um filme que vem no mesmo fluxo de Além da linha vermelha, mas toma um rumo diferente. Em primeiro lugar, porque o diretor utiliza mais em pormenores os pensamentos soltos, divagantes – algo que funciona muito bem em outros filmes, sobretudo em A árvore da vida –, e filma detalhes da natureza à parte das cenas centrais (isso parece acontecer em A árvore da vida, mas a narrativa, tão criticada por alguns, é mais interessante).

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A impressão é que Malick não efetua, aqui, como em Além da linha vermelha, cenas de ação intensas, preferindo centralizar seus olhos no drama romântico entre Smith e Pocahontas. Se o romance abre perspectivas, em razão de Q’orianka Kilcher, Colin Farrell está inexpressivo. Ele funciona mais quando o filme não depende dele (como quando fez o cantor country de Coração louco). Malick, claro, mostra sua obsessão pela influência da natureza na vida humana, mas aqui ele parece transcender. Há flashes do casal correndo entre árvores, entre o capim alto, à beira do rio, e pensamentos esparsos, como (de Pocahontas): “Quem é esse homem? Quem é esse Deus”? Alguns detalhes não ficam claros: a aproximação cultural de Pocahontas é imediata, inclusive com a língua, e em determinado momento ela precisa alimentar os poucos homens dele com uma caça, mesmo eles tendo armas para matar animais.
Ainda assim, Malick procura dar ao filme um estilo, ao mesmo tempo, íntimo e épico. A única cena de combate, no entanto, se inclina a flashes para o céu, para as árvores. Mesmo os cenários ao longo do filme são iguais, e a montagem, elíptica – dando poeticidade, mas também prejudicando algumas cenas de conflito (como a de Pocahontas com seu pai) ou a presença levemente deslocada de Cristopher Plummer –, faz com que nos mantenhamos à distância dos personagens (embora não pareça, há lacunas aqui que não existem, por exemplo, em A árvore da vidaAmor pleno). Farrell, com isso, não consegue dar vigor ou grandiosidade a seu personagem, parecendo, por um lado, muito triste em ter de esconder um amor tão grande – que, em determinado ângulo, não convence–, e, por outro, feliz em ter de deixá-lo para trás. É visível como sua atuação prejudica o filme quando Christian Bale entra em cena, como John Rolfe, quase ao final, mostrando como o filme seria caso ele fosse o capitão Smith.
No entanto, talvez o ator principal fosse mesmo um detalhe. Malick quer filmar as paisagens com o tom de nascimento e descoberta, ou de tristeza – o sol entre as árvores, como em A árvore da vida, dá às cenas um contexto (o que lá criava um complemento poético, pois é uma história livre, não histórica). Cada personagem simboliza o contato entre o velho e o novo mundo e cada relação pode nascer e vigorar como também voltar às cinzas. Malick tem um sentido muito apurado sobre o Éden que existe em cada um desses personagens, sempre ameaçado pela traição e pela violência. A mentira dos homens brancos passa a ser evidente e seu objetivo, cada vez mais claro. No entanto, Pocahontas acredita numa espécie de amor intocado pelo ser humano, que se mistura à natureza, às árvores, ao capim e aos rios. Ela não acredita que possa ser traída e este sentimento é permanente na filmografia de Malick (vejamos o recente Amor pleno), chegando sempre a um contato próximo com a ideia divina – para o velho mundo, em belíssimos vitrais; para Pocahontas, à beira do rio ou correndo por um campo esverdeado.

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O novo mundo.Filme 5A fotografia bastante elogiada de Emmanuel Lubezki (que deu ao filme sua única indicação ao Oscar) faz predominar as cores que remetem à terra (também dos figurinos), além dos tons de verde, claro e escuro. Para Malick, a aversão à natureza romântica, aqui, pode matar a humanidade. Quando ele deseja oferecer mais emoção ao filme, este está quase terminando – mas são antológicas as cenas feitas na Inglaterra (sobretudo quando um índio caminha num pátio inglês enorme, em meio a árvores podadas, simetricamente, como se fossem um contraponto ao ambiente de onde veio, mas, ao mesmo tempo, um complemento). Falta ao filme uma definição entre o histórico, a ação, o poético e o drama – o que faz de A árvore da vida um filme tão definitivo. Mas, ainda que O novo mundo não consiga alcançar o que poderia, ainda assim responde ao que nos apresenta. Tratando da estranheza e da descoberta de um novo mundo, além do choque que isto pode trazer, há nele, como nos outros filmes de Malick, um elemento enigmático que atrai o espectador e uma sensação de perda e reencontro que poucas obras simbolizam de maneira evidente. Toda a sequência final, com uma montagem fascinante de imagens da natureza, representando o encontro entre as águas do homem branco e dos nativos, assim como da natureza, é implacavelmente belo.

The new world, EUA, 2005 Diretor: Terrence Malick Elenco: Colin Farrell, Q’orianka Kilcher, Christopher Plummer, Christian Bale, August Schellenberg, Wes Studi, David Thewlis, Yorick van Wageningen, Raoul Trujillo, Ben Chaplin, John Savage, Brian Merrick Produção: Sarah Green Roteiro: Terrence Malick Fotografia: Emmanuel Lubezki Trilha Sonora: James Horner Duração: 135 min.  Distribuidora: Não definida Estúdio: New Line Cinema / Sunflower Productions / Sarah Green Film / First Foot Films / The Virginia Company LLC

Cotação 3 estrelas