Era uma vez em Nova York (2013)

Por André Dick

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Depois de ser lançado no Festival de Cannes em 2013, The immigrant passou por problemas até seu lançamento ser feito nos Estados Unidos, já neste ano. Os Weinstein, com problemas de encaixar o filme numa temporada, acabaram por lançá-lo antes de se cogitar que saísse diretamente em home video. As críticas favoráveis ao filme certamente viram em seu lugar um plano de soar como um novo Era uma vez na América, de Leone, em escopo mais reduzido e metragem reduzida. Isto talvez explique por que em outros países, como no Brasil, The immigrant se transformou em Era uma vez em Nova York.
Com uma reconstituição de época impressionante, uma fotografia de Darius Khondji, colaborador no início da trajetória de David Fincher, certamente irretocável (alguns quadros lembram diretamente dois dos maiores filmes de época dos anos 80, o referido Era uma vez na América e O portal do paraíso) e um elenco de respeito, a questão não seria exatamente o título nacional, mas o quanto realmente o filme revela de Gray, um cineasta de respeito, tem limitações no que se refere à abordagem narrativa (as mesmas de Os donos da noite), e, mesmo apresentando um filme com sua suntuosa beleza plástica, tem dificuldade de se diferenciar de outros que lhe foram precursores.
O início é quase uma réplica (diferente de ser uma homenagem) da vinda de Vito Corleone para a América em O poderoso chefão II, que possui uma fotografia de Gordon Willis, certamente precursora dos filmes referidos anteriormente. Joaquin Phoenix continua sendo um ator diferenciado, atuando como Bruno Weiss, que oferece ajuda para Ewa Cybulska, vivida por Marion Cotillard, uma imigrante que chega à América vinda da Polônia pós-guerra, em busca de oportunidades, com sua irmã adoentada, Magda (Angela Sarafyan). Esta acaba ficando na ala de quarentena na Ellis Island, enquanto Ewa é levada por Bruno para Nova York. Não sabemos quais são os objetivos de Bruno, no entanto Joaquin consegue desenhar seu personagem a fim de afastar do espectador, em alguns momentos, a desconfiança inicial de que deseja se aproveitar de Ewa. Ao longo do filme, surge um mágico, Orlando (Jeremy Renner), que traz um toque de leveza a uma situação grave, criando atrito com Bruno, e pode-se imaginar o quanto Gray irá utilizar este elemento para colocar sua história em movimento.

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Era uma vez em Nova York

Com toda a grandeza aparente (e as imagens não escondem isso), fica-se em dúvida do motivo de Era uma vez em Nova York  não ser, como tudo antecipava, um grande filme. Pode-se apostar fato de o roteiro ser surpreendentemente fraco, sem que os arcos dramáticos consigam levá-lo adiante. Renner não conseguiria, pois não tem as características para isso – e recentemente mais voltado ao gênero de filme de ação, com Os vingadores e João e Maria –, embora traga certa diversão à história, mas impressiona que Phoenix e Cotillard também não consigam. A explicação talvez esteja no fato de que eles não tenham um espaço de diálogos e todas as situações parecem sempre em movimento porque é difícil encontrar o que eles tenham para falar de tão relevante. O possível triângulo entre os personagens é o que leva o filme para um lado em que não estava preparado – justamente a força do filme anterior de Gray, Amantes.
São interessantes as analogias que Gray faz entre a imigrante e a Estátua da Liberdade, assim como Coppola fazia em seu clássico referencial, porém ele não a desenvolve de modo a obter um interesse direto do espectador. Também existe a sensação de que o mágico feito por Renner tinha mais presença em alguma montagem inicial do filme, fazendo apresentações que remetem à peça de teatro que Corleone já adulto (interpretado por Robert De Niro) vai com seu amigo, numa noite de Nova York. É esta montagem que determina, em parte, o insucesso de Gray: ele gostaria, possivelmente,  de ter realizado um épico, mesmo que mais intimista, mas não teve a disponibilidade, o orçamento e história necessárias para tanto. Para que haja a progressão necessária, seria interessante que o filme tivesse uma sequência de narrativas mais sólidas (como aquela que envolve a família da imigrante).
A partir da metade, a narrativa trata de um drama evidentemente grave, mas um drama único, sem refletir em outras partes, também prejudicado pelo orçamento mais limitado – e as soluções são entregues muito rapidamente, sem desenvolvimento. James Gray tinha mostrado um grande talento em Amantes, ainda seu melhor filme, também com Phoenix, seu ator favorito, ao deixar alguns temas encobertos, ainda que desta vez ele se adiante em querer sintetizar os conflitos da imigrante por meio da culpa e da religião (que ele busca também em Coppola). Os signos referentes à religião se contrapõem a como a personagem seria vista pela sociedade e como são as pessoas que a cercam.

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Se no início Gray consegue delinear bem os personagens, aos poucos eles vão ficando soltos, e é difícil identificar o que pode ressoar entre eles, sendo Cotillard a mais prejudicada, pois sua Ewa não ganha um crescendo, ficando sempre num tom monocórdio. No entanto, Cotillard não chega a ser convincente, pelo menos não demonstrando aquele talento conhecido em Piaf e Ferrugem e osso: desde o início, ela adota um tom baixo para sua linha de diálogos, e com o enfraquecimento da direção de Gray, depois que se tenta dar uma sustentação ao triângulo amoroso, ela se mostra ainda mais restrita a um único comportamento. Esse aparente mistério na forma de atuar dá a sensação de ser empregado para esconder a fragilidade da história. Sua personagem não é simplesmente solitária, mas alguém que não consegue estabelecer conexão com o espectador, permanecendo sempre ligada a uma interpretação prévia, baseada na solidão desde sua partida da Europa.
Com isso, ao final, também é complicado esconder que Phoenix é levado por Gray a uma situação em que pretende se credenciar para o Oscar, mas o roteiro e seu personagem são sensivelmente unidimensionais, fazendo o impacto se perder (pode-se dizer que Phoenix, de maneira surpreendente, pois não é um traço seu, incorre num overactiong, quando percebe que o roteiro não sustenta o drama pessoal de Bruno). O impacto é difícil de ser recuperado mesmo com a tomada final, que permanece como uma motivação para teorias e tentativas de sobrepô-la à ausência de diálogos e argumentos, mas sem a correspondência prática.
Nesse sentido, Era uma vez em Nova York é com certeza um filme com plasticidade capaz de enganar o espectador, entretanto não só está longe de ser uma obra-prima quanto de ser um filme acima da média, com exceção de sua reconstituição de época. Mais do que um filme, ele é um lembrete de que diretores que conhecem a história do cinema e sabem aplicar momentos que lembrem outras obras, em busca de uma permanência de um contexto clássico no qual nada se move, a não ser sua visão artística, não necessariamente trazem uma sensibilidade nova. E que reunir astros de peso com uma atmosfera brilhante não necessariamente conduz a um bom filme. Esta América de Gray é exatamente tudo isso.

The immigrant, EUA, 2013 Diretor: James Gray Elenco: Marion Cotillard, Joaquin Phoenix, Jeremy Renner, Dagmara Dominczyk, Jicky Schnee, Yelena Solovey, Maja Wampuszyc, Ilia Volok, Angela Sarafyan Roteiro: James Gray, Ric Menello Fotografia: Darius Khondji Trilha Sonora: Christopher Spelman Produção: Anthony Katagas, Christopher Woodrow, Greg Shapiro, James Gray Duração: 120 min. Distribuidora: Europa Filmes Estúdio: Keep Your Head / Kingsgate Films / Worldview Entertainment

Cotação 2 estrelas e meia