Relatos do mundo (2020)

Por André Dick

O diretor Paul Greengrass retoma sua trajetória com o faroeste Relatos do mundo, trazendo de volta sua parceria com Tom Hanks, que começou em Capitão Phillips. Greengrass tem uma predileção por fazer filmes baseados em fatos reais, começando por Voo United 93, no qual tínhamos uma concepção visual de suspense, para a qual convergia o 11 de setembro. Capitão Phillips, seu filme indicado ao Oscar, também não parece funcionar exatamente como ação. Contado como uma espécie de documentário, mostrava uma história também real, com as presenças de Hanks e de Barkhad Abdi (excelente). Como se fosse filmado ao vivo, parecia inexistir em Capitão Phillips uma ligação entre os personagens, a qual se tentava preencher com movimento, um traço bastante explorado em Voo United 93, mesmo com personagens a princípio reunidos por uma situação calamitosa.
Já em 22 de julho, amadurecido com a passagem dos anos e já afastado da série que o revelou, do personagem Bourne, Greengrass, baseado no livro One of Us: The Story of a Massacre in Norway – and Its Aftermath, de Åsne Seierstad, retoma esse traço documental com impressionante sobriedade o massacre de centenas de pessoas na Noruega em 2012. Por isso, diante desses filmes, é curioso que Greengrass faça um faroeste, embora com um visual inovador para o gênero, valendo-se, principalmente, das cidades soturnas, mal iluminadas por velas ou lampiões, e baseado em romance de Paulette Jiles.

A história acompanha o Capitão Jefferson Kyle Kidd (Hanks), ex-membro da Infantaria Confederada, que passa de povoado em povoado contando histórias que colhe de jornais da época, mais especificamente 1870 no Texas. Determinado dia, ele acaba encontrando uma menina abandonada no meio da estrada, Johanna Leonberger (Helena Zengel), que passou boa parte da vida convivendo com indígenas (ela é de origem alemã, mas fala a língua kiowa). Encarregado pelo exército da União em levar a menina um posto dele para arranjar uma família, sem falar a mesma língua, eles têm dificuldades de se comunicar e ela se mostra bastante hostil, no entanto, aos poucos, vão criando um afeto, como se fossem pai e filha. O roteiro de Greengrass e Luke Davies é básico, sem grandes novidades, contudo o diretor aplica seu movimento de tensão de Vôo United 93 e 22 de julho para compor alguns grandes momentos de perseguição de diligência e tiroteios, exatamente quando três ex-soldados confederados passam a querer a menina para poder vende-la. Kidd então se insurge para defendê-la.
Talvez o que mais chame a atenção no elenco seja como Hanks está um tanto irregular e deslocado, enquanto Zengel, que vem sendo indicada a prêmios, sustenta o lado emocional. Hanks não consegue – e isso já se entrevia na sua apática atuação em The Post, Um lindo dia na vizinhança e Greyhound, este um filme de guerra no qual o personagem dele parece estar num lugar afastado e tranquilo – expor a sua habitual maneira de interpretar, colocando-se estranhamente frio em cena, sendo quase levado a compor um tipo que pouco tem a ver com ele. Não que ele não diga seus diálogos com a ênfase necessária, entretanto ele não parece exatamente um homem de época. Para um cineasta como Greengrass, Relatos do mundo representa obviamente um novo momento, sobretudo na maneira como ele utiliza a fotografia de Dariusz Wolski, habitual colaborador de Ridley Scott. Wolski consegue captar bem o isolamento do Velho Oeste, mostrando um jogo de sombras e a poeira infinita das estradas pelas quais Kidd tem de passar para levar suas notícias.

De certo modo, o filme se ressente de uma certa profundidade no tratamento dado aos personagens: tudo é muito circunstancial, empurrado pelas necessidades de roteiro, e não se abre uma brecha para que o espectador consiga ver algo mais profundo além dos ensinamentos que Kidd quer passar à menina. O grande momento poderia ser talvez, além daquele da perseguição, o que mostra o ingresso de Kidd e Johanna numa cidadezinha onde o líder quer que sua população só escute notícias de sua cidade. A abordagem tenta se fazer atual, porém soa apenas ingênua e telegrafada demais para ser interessante. Greengrass pretende oferecer alguma questão política por trás disso, mas a maneira como ele trabalha esta temática acaba saindo um pouco apressada e sem muito interesse. Falta aqui um toque de Clint Eastwood, que consegue extrair de seus faroestes com cenários desoladores algo profundamente voltado à humanidade, mesmo que seus personagens não pareçam ser. Nem mesmo a trilha do habitualmente singular James Newton Howard chega a chamar a atenção, tornando Relatos do mundo um filme que merece ser visto, ainda que um tanto aquém de seu verdadeiro potencial.

News of the world, EUA, 2020 Diretor: Paul Greengrass Elenco: Tom Hanks, Helena Zengel, Elizabeth Marvel, Ray McKinnon, Mare Winningham, Neil Sandilands, Thomas Francis Murphy, Chukwudi Iwuji, Michael Angelo Covino, Christopher Hagen, Fred Hechinger, Bill Camp Roteiro: Paul Greengrass e Luke Davies Fotografia: Dariusz Wolski Trilha Sonora: James Newton Howard Produção: Gary Goetzman, Gail Mutrux, Gregory Goodman Duração: 118 min. Estúdio: Perfect World Pictures, Playtone, Pretty Pictures Distribuidora: Universal Pictures (Estados Unidos), Netflix (Internacional)

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4 Comentários

  1. Concordo totalmente que lhe falta um toque… à Clint Eastwood!

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    • André Dick

       /  23 de fevereiro de 2021

      Prezada Dulce,

      acho que Eastwood faria um filme tão concentrado na técnica como este, na reconstituição de época, e com verdadeira emoção. Ele atuaria melhor do que Hanks, neste papel especificamente, mas nunca lidaria, para mim, com um roteiro tão esquemático e previsível.

      Volte sempre!

      Um abraço,
      André

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  2. Pablo Caldas

     /  22 de fevereiro de 2021

    Eu fui assistir esse filme sem pretensão nenhuma, pois as críticas que eu tinha lido foram muito medianas, mas como eu sou fã de Tom Hanks resolvi apostar. Depois das 2h de filme, eu fiquei muito satisfeito com o que vi e com a história, claro que não é uma obra prima e nem aquele filme que você fica pensando muito nos dias seguintes. Mas ele entretém e não é enfadonho como alguns que estão sendo cogitados nessa temporada de premiações.

    Quando você fala que achou que Tom Hanks não atuou como ele demonstra, eu parei para pensar e revisar o filme e fiquei com a seguinte ideia: pelo personagem carregar uma carga emocional e um passado difíceis e ele trabalhar sozinho, talvez isso tenha feito com que ele demonstrasse esse ar de afastamento e deslocamento durante o filme?

    Agora sobre a outra personagem que carrega o filme junto com Hanks, Helena Zengel, que atuação linda e praticamente perfeita dessa jovem atriz. Todo o reconhecimento que as premiações estão dando para ela é mais do que merecida.

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    • André Dick

       /  23 de fevereiro de 2021

      Prezado Pablo,

      Sem dúvida, não é um filme enfadonho e conta com momentos especiais, além de ter uma reconstituição de época que decisivamente vale a pena conferir. Quanto a Hanks, eu considero, como escrevo na crítica, que seus últimos papéis têm uma certa frieza. O deste filme segue a mesma linha. Pode ser que tenha a ver com a composição que ele está conferindo a suas atuações, mas, pessoalmente, não me agrada. Ele não me passa a aflição de ser alguém solitário, por exemplo, nem a aparência de ser um homem do Velho Oeste. Ele está lá atuando, de forma competente, mas Hanks, pelo seu passado, consegue mais do que isso. Alguns espectadores apreciam, como é o seu caso, outros não. A sua companheira de elenco, Helena Zengel, sim, está muito bem e praticamente tenta oferecer a emoção que falta a Hanks no terceiro ato.

      Volte sempre!

      Um abraço,
      André

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