Por André Dick
O cinema dos anos 70 pode ser referencial em alguns gêneros, mas talvez nenhum tanto quanto o musical. Pode-se dizer que foi a última grande década deste gênero, em razão de exemplares como Um violinista no telhado, Jesus Cristo Superstar, New York, New York, Cabaret e All That Jazz. Nenhum representa tanto a época em que foi lançado quanto Hair. Sendo originalmente um musical da Broadway, Hair: An American Tribal Love-Rock Musical, criado por Gerome Ragni e James Rado, foi levado ao cinema pelo cineasta checo Milos Forman, que quatro anos antes havia recebido os Oscars de filme e direção por Um estranho no ninho.
Forman trabalhou sobre um roteiro de Michael Weller, mostrando um jovem do interior, Claude Hooper Bukowski (John Savage), que sai de Oklahoma para a cidade de Nova York depois de ter sido convocado para o exército. Na metrópole, ele conhece o líder de um grupo de hippies, George Berger (Treat Williams), que tem como principais amigos LaFayette “Hud” Johnson (Dorsey Wright), Jeannie Ryan (Annie Golden) e Woof Dacshund (Don Dacus). Numa situação inusitada, eles se deparam com Sheila Franklin (Beverly D’Angelo), de uma família de ricaços, andando a cavalo no parque, pela qual Bukowski subitamente se apaixona. No dia seguinte, Berger mostra ao novo amigo uma foto de jornal em que se encontra Sheila.
Hair tem uma história tão direta quanto precisa ser a de um musical cuja concepção se sustenta nas canções. E a trilha é absolutamente brilhante, com uma sucessão de hits invejável: “Hair”, “Age of Aquarius” e “Let the Sunshine In”, por exemplo (deve ter sido o primeiro vinil que ouvi realmente com interesse). Se logo vemos os hippies e Bukowski na festa de Sheila na cena seguinte, é natural que, mais adiante, todos estejam encrencados com a lei. Forman não dá muita importância à ligação entre os personagens e, mesmo assim, os conduz de maneira sensível. O breve interesse de Bukowski e Berger por Sheila é plausível, assim como o de Jeannie, esperando um filho, pelo convocado para a guerra.
Forman adota uma imagem dedicada ao mundo dos hippies e sua contestação à Guerra do Vietnã com figurinos de muitas cores e um ambiente solar, como aquele comício pela paz no Central Park, que remete a Woodstock e conduz Bukowski a uma imagem excêntrica e à canção “Hare Krishna”, que representa basicamente o interesse originário do Ocidente pelo mundo oriental nos anos 60 e 70, principalmente quando John Lennon e os Beatles, assim como intelectuais, a exemplo de Roland Barthes, viam os orientais como uma referência. Do mesmo modo, o universo da contracultura já era interesse de Forman em Procura insaciável, no qual mostrava alguns pais que queriam conhecer o universo jovem para se aproximar dos filhos.
Procura insaciável tinha uma atmosfera que remete à festa de Sheila em Hair, por exemplo, em que vemos dispostas mesas para convidados avessos a qualquer ideia de se pensar sobre a guerra que está lá fora. Há um clima natural de contestação contra instituições, principalmente o exército norte-americano, subvertendo algumas imagens icônicas, assim como lida com temas que começavam a ser discutidos, ainda com certo romantismo, no entanto Forman não se concentra nisso porque se tornaria datado. No centro de tudo está a amizade entre um rapaz do interior comportamento e um grupo de contestação, entretanto o que os aproxima é justamente o mesmo: a imaginação com um mundo em que se pode batalhar pelas próprias coisas, sem estar a cargo de um governo decidir por isso. Obviamente, Forman exibe a faceta conhecida do universo hippie, como uma espécie de convite ao espectador interessado procurar mais informações sobre o que aconteceu. Hair, nesse sentido, é extraordinário, assim como, em termos de montagem e dança, movimenta-se como um musical de verdade. Os cortes em cenas rápidas ou mudanças repentinas de cenários e personagens em coreografias movimentadas são notáveis – a sequência em que Berger canta na calçada –, evocando Amor, sublime amor e preparando tudo para o terceiro ato sentimental e doloroso ao extremo.
Cineasta de grande talento, Forman faria em seguida Na época do Ragtime e mais adiante Amadeus, ganhando novamente os Oscars de filme e direção. Hair não chegou a mostrar potencial no Oscar, sendo indicado ao Globo de Ouro de melhor comédia ou musical e exibido no Festival de Cannes, porém é uma peça para entender a cultura dos anos 60 e 70 e o que a solidifica. Ao mesmo tempo que possui uma ideia de cinema popular, ele se alimenta de elementos mais underground (em seu final, lembra Nashville, de Altman, e antecipa O resgate do soldado Ryan), assim como trabalha com uma fotografia estupenda de Miroslav Ondříček, iluminando Nova York nos dias de sol e tornando-a cinzenta em dias menos calorosos, no entanto sem deixar de cativar o espectador. E o elenco é de grande destaque: apesar de Savage e D’Angelo, além de Golden, se sobressaírem em vários momentos, a história pertence a Williams, numa mistura de empatia e revolta que torna seu personagem antológico e numa espécie de símbolo dessa era de Aquarius que o filme simboliza com competência.
Hair, EUA, 1979 Diretor: Miloš Forman Elenco: John Savage, Treat Williams, Beverly D’Angelo, Dorsey Wright, Annie Golden, Don Dacus Roteiro: Michael Weller Fotografia: Miroslav Ondříček Trilha Sonora: Galt MacDermot Produção: Michael Butler e Lester Persky Duração: 121 min. Estúdio: CIP Filmproduktion GmbH Distribuidora: United Artists Pictures