Um holograma para o rei (2016)

Por André Dick

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Com direção de Tom Tykwer, o alemão que se lançou ao mercado internacional através do excelente Corra, Lola, corra e depois fez experimentos como Perfume e Trama internacional, além da obra-prima Cloud Atlas, ao lado das hoje irmãs Wachowski, o lançamento de Um holograma para o rei (que recebeu um título no mínimo excêntrico no Brasil, Negócio das Arábias, o qual deveria ser revisto para o mercado de home video) se faz em meio a outros que mostram o contato da cultura norte-americana com países do Oriente Médio, que até pouco tempo eram focados pelo cinema quase apenas em cenários de guerra. Ele se enquadra no mesmo gênero em que circulam Rock em Cabul e Whiskey Tango Foxtrot (este ainda inédito no Brasil), aqui tratando de um consultor, Adam Clay (Tom Hanks), que viaja para Arábia Saudita a fim de vender um sistema holográfico para um determinado rei, com pretensão de construir uma enorme cidade até 2025 ao redor de seu palácio interminável. Esta cidade é como se fosse também sua saída financeira e sua tentativa de viver um novo período de sua vida.

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Tendo contato problemático com a filha Kit (Tracy Fairaway) a distância, por meio do computador, Clay se separou da esposa – o início do filme tem “Once in a Lifetime”, dos Talking Heads enquanto o personagem caminha por um jardim esverdeado e sua família vai desaparecendo em explosões de fumaça, como se estivesse em uma propaganda nos moldes da pop art –, e está em Jeddah por justificar uma aproximação antiga com o sobrinho do rei. Com um problema de saúde em suas costas, Clay se desespera ao ver que sua equipe, formada por Brad (David Menkin), Cayley (Christy Meyer) e Rachel (Megan Maczko), não tem o suporte necessário (como wi-fi, alimentação e ar-condicionado) para fazer o empreendimento ir adiante e nunca consegue uma reunião com o rei, sempre em viagem. No entanto, ele tem contato com três figuras singulares: primeiro, Yousef (Alexander Black), o motorista que o leva de um lado para outro, às vezes colocando músicas que o desagradam; em segundo, a consultora dinamarquesa, Hanne (Sidse Babett Knudsen, de O duque de Burgundy), com algumas dicas para driblar o jet lag; e, finalmente, a médica Zahra (Sarita Choudhury), que o atende. Já seu pai, Ron (Tom Skerrit), é o retrato daquele que viu seu filho perder os negócios na empresa Schwinn em plena recessão dos Estados Unidos.

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Tykwer é um cineasta normalmente interessado pela velocidade do mundo contemporâneo – o que acontece literalmente em seu Corra, Lola, corra – e mais uma vez, por meio da montagem de Alexander Berner, o mesmo de Cloud Atlas, mostra uma estranheza nas transições do personagem de Hanks: os flashbacks que se espalham na narrativa principalmente na meia hora inicial são muito interessantes. Baseando-se numa atuação excepcional do ator americano, ele o coloca em situações dramáticas sobre a própria vida que levam sempre à consideração de que a viagem ao Oriente Médio é, afinal, uma viagem às verdadeiras origens sob o ângulo sentimental.
Desapegado do país de onde veio, sem ter ao certo para quem voltar, Clay reivindica uma nova descoberta para si mesmo num país estrangeiro. Tykwer tem como base o romance de David Edggers, ao qual ele incorpora seu estilo de cenas compactadas e que fluem com um grande ritmo e senso de espaço, não apenas quando mostra Clay em seu quarto de hotel, e sim quando o coloca inicialmente num cotidiano maçante, no qual não parece ter a tranquilidade necessária para fazer avançar seus objetivos. Esse cotidiano só é quebrado por uma festa numa determinada embaixada, em que se vê às voltas com uma situação inesperada, e por uma visita a um dos prédios da grande cidade em construção, onde ele passa de uma briga entre operários a uma sala perfeita em simetria e paisagem. Nesse sentido, parece que Clay está entre o que está sendo construído e o que ainda virá a ser. Uma viagem determinada que se encerra com uma ameaça ao ser confundido com alguém inapropriado é outro instante de movimento nesse universo desconhecido, numa das obras mais convincentes dos últimos anos sobre um homem se sentir deslocado e tentando se adaptar a uma situação.

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Notável como Tykwer conseguiu realizar um filme aparentemente simples, mas muito mais relacionado com Cloud Atlas do que as Wachowski em O destino de Júpiter. Ou seja, Um holograma para o rei tem uma base de movimento mais ligada à humanidade e humanização do que possa aparentar. As relações de Clay com o universo do Oriente Médio não se sentem corrosivas como em Rock em Cabul ou Whiskey Tango Foxtrot, e carregam um toque existencial a cada vez que Hanks consegue expor reais sentimentos com seu personagem, auxiliado por grandes coadjuvantes, a exemplo de Black e Sarita Choudhury. Das atuações que teve depois de Náufrago, foi com Tykwer, em Cloud Atlas e aqui, que ele conseguiu realmente desempenhar papéis com ressonância real, embora o investigador de Prenda-me se for capaz, de Spielberg, e o criador da Disney em Walt nos bastidores de Mary Poppins, também sejam interessantes. Há uma cena específica em que Tykwer precisa mostrar o rosto de Hanks voltado para baixo e o ator consegue demonstrar toda sua emoção junto com recursos de montagem que levam Um holograma para o rei a uma autodescoberta pessoal. Quando ele passa a notar as grandes questões que o levaram até ali, finalmente a história adquire sua grandeza. Em determinado momento, isso se torna ainda mais notável à medida que Tykwer parte de uma pintura, como Adam visualizava até então o mundo, para um mar de verdade. O contraste entre o deserto extenso e a água e os corais desenha não apenas uma ligação, mas um complemento capaz de transformar sua vida.

A hologram for the king, ALE/EUA/Reino Unido, 2016 Diretor: Tom Tykwer Elenco: Tom Hanks, Sarita Choudhury, Tom Skerritt, Dhaffer L’Abidine, Tracey Fairaway, David Menkin, Lewis Rainer, Khalid Laith Roteiro: Tom Tykwer Fotografia: Frank Griebe Trilha Sonora: Johnny Klimek, Tom Tykwer Produção: Arcadiy Golubovich, Gary Goetzman, Stefan Arndt, Tim O’Hair, Uwe Schott Duração: 98 min. Distribuidora: Mares Filmes Estúdio: 22h22 / Fábrica de Cine / Playtone / Primeridian Entertainment / X-Filme Creative Pool

Cotação 4 estrelas