Uma beleza fantástica (2017)

Por André Dick

Com direção de Simon Aboud, Uma beleza fantástica tem sido recebido como uma espécie de versão inglesa de O fabuloso destino de Amélie Poulain. Há realmente semelhanças em certo design de produção infantil e na ingenuidade da personagem central, Bella Brown (Jessica Brown Findlay), que foi abandonada quando bebê perto de um rio, sendo protegida por patos. Depois de ser criada por freiras, ela se torna bibliotecária e pretende escrever um livro infantil. Para quem tem uma origem relatada deste modo, não se torna estranho que ela deseje viver como uma escritora de fábulas, e nesse sentido o cineasta Aboud consegue costurar bem uma narrativa a princípio indefinida entre o humor mais raso e um drama profundo. Ele não possui a intensidade do filme de Jean-Pierre Jeunet, mas, de certo modo, possui a sua elegância em conectar as ideias.
O problema da vida de Belle é sua desorganização: ela não consegue ser pontual no trabalho e deixou seu jardim de casa chegar a um ponto de poder ser despejada. Isso contrasta exatamente com a mania de encaixar todos os seus alimentos perfilados de maneira exata nas prateleiras de seu armário de cozinha.

O seu vizinho, Alfie (Tom Wilkinson), bastante grosseiro, perde para Bella o seu cozinheiro irlandês, Vernon (Andrew Scott, o temível Moriarty da série de TV Sherlock), que se torna o melhor amigo dela. Isso acontece de modo abrupto, sem muitas explicações, até o espectador perceber os caminhos de Aboud: a maneira como ele apresenta a trama também possui certos elementos mais corriqueiros de uma fábula, às vezes parecendo, inclusive, não ser trabalhada o quanto deveria.
Enquanto isso, na biblioteca, a aspirante à escritora se interessa pelo inventor Billy (Jeremy Irvine), enquanto se desentende com a chefe, Bramble (Anna Chancellor). O inventor possui algumas criações notáveis, mesclando realidade e natureza, principalmente uma ave mecânica realmente impressionante. Aboud (curiosamente genro de Paul McCartney) oferece a cada sequência de encontro entre os dois um romantismo de fundo não exatamente inglês, mas europeu, dialogando com Rohmer em seus melhores momentos, mas imbuído de uma carga fantasiosa. Tudo vai depender de o espectador apreciar um determinado estilo de narrativa mais propositadamente leve e sem uma clara ambição de soar mais pretensioso. Alfie caracteriza bem isso, não apenas pela ótima atuação de Wilkinson, como pelo seu comportamento oscilante entre a inimizade e a tentativa de mudar a vida alheia.

Apesar de Findlay não ser especialmente simpática como requisitaria a personagem central, não conseguindo produzir uma personagem inocente na mesma intensidade alcançada por Audrey Tautou como Amélie Poulain, correspondente mais direto, deve-se destacar o elenco que a cerca, a começar por um excelente Wilkinson e um convincente Scott. Irvine parece se recuperar de sua estreia muito fraca como protagonista de Cavalo de guerra, de Spielberg, entregando uma atuação sensível.
Em seu início, Uma beleza fantástica é excessivamente exagerado e mesmo caricato, mas aos poucos os diálogos de Bella com o vizinho Alfie e seu pretendido levam a fotografia de Mike Eley a se mostrar realmente importante para o andamento de tudo. É um filme que parece despretensioso, mas guarda exatamente aquilo que Bella deseja escrever: uma história de fundo infantil que lida com a relação e a memória das pessoas, com uma busca pelo vínculo.

O jardim é uma metáfora transparente para as pessoas. Quando Bella e seu vizinho caminham em meio a ele, pode-se notar a primeira vez em que o muro que divide suas casas é colocado em segundo plano e eles passam a entender melhor o que se passa na vida ao lado. Aboud materializa essa ideia de maneira comovente, mesmo quando o espectador sabe exatamente o que poderá ocorrer aos personagens. Uma obra singela, como poucas se vê hoje em dia, com um certo sentimentalismo bem dosado, sem nunca diminuir a capacidade de o espectador entender a história, Uma beleza fantástica se torna, de forma insuspeita, num drama delicado sobre como mudanças individuais podem afetar todo o universo de pessoas ao redor.

This beautiful fantastic, ING, 2017 Diretor: Simon Aboud Elenco: Jessica Brown Findlay, Tom Wilkinson, Andrew Scott, Jeremy Irvine, Anna Chancellor, Eileen Davies, Sheila Hancock Roteiro: Simon Aboud Fotografia: Mike Eley Produção: Andrea Iervolino, Monika Barcadi, Christine Alderson, Kami Naghdi, Matt Treadwell, Iliane Ogilvy Thompson, Jennifer Levine, Norman Merry, Phil Hunt, Compton Ross Duração: 92 min. Estúdio: Ipso Facto Productions, Smudge Films